Manaus, 24 de abril de 2024

Viagens presidenciais (e de presidenciáveis) a Itacoatiara (3)

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PRESIDENTE GETÚLIO VARGAS

“Vim à Amazônia não por passeio. Vim para ver, para sentir, para compreender”.

Com essa frase, proferida aos 09/10/1940, Getúlio Vargas inaugurava uma viagem de três dias a Manaus gerando intensa expectativa no seio da comunidade amazonense. Segundo o jornal “A Tarde” (1), na véspera circularam notícias de que a Presidência da República encomendara “estudos para um grande plano econômico capaz de operacionalizar o ressurgimento da Amazônia que, há muitos anos, desde a queda da borracha, vivia em situação de verdadeira penúria”. Havia a crença de que o presidente Vargas “auscultaria as necessidades regionais” e velaria por “amparar os homens desprotegidos e abandonados do interior”. Enfim, a população confiava em que, “da sua viagem ao Amazonas, adviriam dias melhores e mais felizes, com a concretização dos problemas regionais mais relevantes”.

A presença de Getúlio no Amazonas, por oportuna e intencional, ensejava-o a tornar factível seu compromisso com o progresso da região e o resgate da autoestima dos que nela mourejavam. Essa promessa ganharia foros de visibilidade a partir da segunda noite da visita do presidente, justo no jantar realizado em sua homenagem no Ideal Clube, quando, ao pronunciar o famoso Discurso do Rio Amazonas respondendo à saudação do interventor Álvaro Maia, relevou a importância da rede hidroviária no processo de desenvolvimento da Amazônia, nestes termos:

“O Amazonas, sob o impulso fecundo da nossa vontade e do nosso trabalho, deixará de ser, afinal, um simples capítulo da história da terra e, equiparado aos outros grandes rios, tornar-se-á um capítulo da história da civilização” (cf. “Jornal do Comércio”, de 11/10/1940).

Mas, alertava o presidente brasileiro, tudo o que se fizera aqui, até então, constituía

“… realização empírica [que] precisa transformar-se em exploração racional. O que a natureza oferece é uma dádiva magnífica a exigir o trato e o cultivo da mão do homem. Da colonização esparsa, ao sabor de interesses eventuais, consumidora de energias com escasso aproveitamento, devemos passar à concentração e fixação do potencial humano. A coragem empreendedora e a existência do homem brasileiro já se revelaram, admiravelmente, nas ‘entradas e bandeiras’ do ouro negro e da castanha, que consumiram tantas vidas preciosas. Com elementos de tamanha valia, não mais perdidos na floresta, mas concentrados e metodicamente localizados, será possível, por certo, retomar a cruzada desbravadora e vencer, pouco a pouco, o grande inimigo do progresso amazonense, que é o espaço imenso e despovoado” (cf. o mesmo jornal de igual data).

O discurso do grande estadista, longe de significar mera força de expressão, cedo passaria da palavra à ação. Sua “cruzada desbravadora” em prol da nossa região começaria efetivamente com a encampação da empresa de navegação inglesa Amazon River e a consequente incorporação de sua frota mercante ao patrimônio nacional, através dos SNAAPP (2) – abrindo boas perspectivas à melhoria das vias de comunicação – e a fundação do Banco da Borracha (3). Outros benefícios ainda adviriam da patriótica atuação de Getúlio.

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(1) Cf. “A Tarde”, edição de 08/10/1940. Referido jornal foi fundado pelo jornalista Aristóphano Antony (1903-1968) em 19/02/1937 e, provavelmente, extinto em outubro de 1962. Subintitulava-se “o arauto das aspirações populares”.

(2) SNAAPP – Serviços de Navegação da Amazônia e Administração do Porto do Pará: criado pelo decreto-lei nº 2.154, de 27/04/1940.

(3) Banco da Borracha, depois transformado em BANCRÉVEA – Banco de Crédito da Amazônia; é o atual BASA – Banco da Amazônia S.A. – criado pelo decreto-lei nº 4.451, de 09/07/1942.

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Getúlio Dorneles Vargas

Períodos de Governo: 03/11/1930 a 20/07/1934
22/07/1934 a 10/11/1937
10/11/1937 a 29/10/1945
31/01/1951 a 24/08/1954

Advogado, nascido em São Borja/RS, em 19/04/1883. Casado com Darci Sarmanho Vargas (1895-1968). Iniciou na política como deputado estadual (1909/1912 e 1917/1921) e a seguir foi eleito deputado federal (1923/1926). Com a posse de Washington Luís, na Presidência, em 15/11/1926, assumiu o Ministério da Fazenda, permanecendo no cargo até dezembro de 1927. Eleito presidente do Rio Grande do Sul, tomou posse em 25/01/1928. Em agosto de 1929, lançou-se candidato a presidente pela Aliança Liberal, tendo como vice-presidente João Pessoa. Derrotado nas urnas pelo candidato paulista Júlio Prestes, reassumiu o governo do Rio Grande do Sul, e articulou o movimento de deposição do presidente Washington Luís que culminaria com a Revolução de 1930. Após o exercício da junta governativa, Vargas assumiu o governo provisório em 03/11/1930. Com a promulgação da Constituição de 1934, foi eleito presidente pela Assembleia Constituinte. Em 10/11/1937 dissolveu o Congresso e outorgou a nova Carta, dando início ao Estado Novo. Governou o País até ser deposto pelos militares, em 29/10/1945. Senador (1946/1949). Concorreu às eleições presidenciais de 1950, nelas recebeu 48,7% dos votos e assumiu em 31/01/1951. Suicidou-se, no Rio de Janeiro, em 24/08/1954.

No início do governo Vargas, o Brasil contava aproximadamente 37 milhões de habitantes, dos quais 70% viviam na área rural. Ao longo desses quinze anos, o País teve duas constituições, a primeira promulgada em julho de 1934, com características liberais, e a segunda outorgada em novembro de 1937, de caráter autoritário. Nesse período, diversas leis trabalhistas mudaram o cenário social do trabalhador brasileiro, entre elas a jornada diária de oito horas de trabalho, a regulamentação do trabalho feminino e dos menores, a instituição da carteira profissional, do salário mínimo e das comissões mistas de conciliação, além de outras sobre a organização sindical e patronal. Foram criados, também, os ministérios da Agricultura, da Educação e Saúde e do Trabalho, Indústria e Comércio. Outros órgãos, como o Departamento Nacional do Café, o Instituto do Açúcar e do Álcool e o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, são exemplos da reforma da administração pública que marcou a Era Vargas.

Internamente, o governo Vargas combateu a Revolução Constitucionalista de São Paulo, que teve reflexos na Amazônia com o levante de Óbidos e a Batalha Naval de Itacoatiara (1932); a Aliança Nacional Libertadora, liderada por Luís Carlos Prestes; e o movimento comunista de 1935. Nesse contexto foi promulgada a Lei de Segurança Nacional e criado o Tribunal de Segurança Nacional. Em 1938, Vargas enfrentou o levante integralista, movimento golpista de extrema-direita liderado por Plínio Salgado (1895-1975). No plano econômico, a crise internacional de 1929 atingiu o País em todos os setores: a redução das exportações desorganizou as finanças públicas, diminuiu o ritmo da produção e o poder aquisitivo dos salários. A crise da economia cafeeira obrigou o governo a comprar e destruir estoques de café, tendo em vista a queda dos preços do produto no mercado internacional. A partir da década de 1940 verificou-se um efetivo crescimento industrial, com a entrada de capitais privados dos Estados Unidos no país. Em 31/08/1942, pressionado pelo governo americano e a opinião pública interna, o Brasil declarou guerra aos países do Eixo, enviando à Itália, em 1944, a Força Expedicionária Brasileira, para combater junto às forças aliadas. A participação do País no conflito, além de permitir o reequipamento das Forças Armadas brasileiras, contribuiu para a construção da Usina Siderúrgica de Volta Redonda, com recursos dos Estados Unidos. Iniciado em 1937, o Estado Novo encerrou-se em 1945, com o fim da guerra e as consequentes pressões da sociedade pela volta à democracia. Nesse mesmo ano foram anistiados os condenados pelo Tribunal de Segurança Nacional e convocada a Assembleia Nacional Constituinte. A campanha pró-manutenção de Vargas no poder, apoiada pela classe operária, os sindicatos e os comunistas, gerou a reação dos militares e da chamada oposição liberal, sendo motivo para a deposição do presidente em 29/10/1945. Todavia, reeleito em 03/10/1950, passou a governar um País que contava 53 milhões de habitantes. Esse segundo período presidencial foi marcado por uma política econômica de tendência nacionalista e que buscou conciliar as demandas populares com as exigências de aceleração do crescimento econômico, além de atender ao pacto político que garantia a permanência de Getúlio Vargas no poder. Havia uma tendência inflacionária, derivada do aumento das divisas geradas pelos altos preços alcançados pelo café no mercado internacional, expandindo a quantidade de moeda em circulação. A inflação decorria, também, do endividamento com as importações promovidas por receio de uma crise internacional que se anunciaria com a guerra da Coréia.

No plano externo, o governo brasileiro recusou-se a participar da intervenção das Nações Unidas na Coréia do Norte e encontrou entraves à obtenção de recursos americanos em razão das críticas ao processo de remessa de lucros das empresas estrangeiras para o exterior, atitude reafirmada por meio do decreto de 04/01/1952, que restringia essas remessas. No plano interno, o governo sancionou uma nova lei do salário mínimo, e revogou a exigência de atestado ideológico para os sindicatos, que datava do governo Eurico Gaspar Dutra (1883-1974). Foram criados importantes órgãos públicos: o IAPI, em 1951; o BNDES, em 1952; e a Petrobrás, em 1953, o Plano do Carvão Nacional e a SPVEA. Em 1954, Getúlio Vargas enfrentava a oposição da UDN, dos militares e da imprensa, representada em especial por Carlos Lacerda (1914-1977). Isolado politicamente, suicidou-se deixando o documento conhecido como carta-testamento.

A viagem de Getúlio Vargas à Amazônia foi empreendida para cumprir uma antiga promessa. O presidente deixou o Rio de Janeiro na manhã de 05/10/1940, voando num avião comodoro da Panair do Brasil (4), acompanhado do secretário da Presidência Luís Vergara, do ministro João Alberto, do jornalista e servidor do DIP (5) Hugo Mosca e dos membros do Gabinete Militar coronéis Benjamin Vargas e Jesuíno de Albuquerque e capitães Manoel dos Anjos e Flaviano Mattos Vanique. O avião presidencial, após várias paradas técnicas, à tardinha alcançou Belém.

Dessa cidade para Manaus a comitiva presidencial seguiu em dois aeroplanos. O principal, bimotor prefixo PP-PAG, trouxe Getúlio Vargas, os demais nominados acima e o comandante da 8ª Região Militar general Edgard Facó. O segundo, de menor porte, conduziu elementos da guarda pessoal do presidente; o publicista uruguaio Henrique Fabregati; o repórter americano e representante no Brasil das revistas “Life” e “Time”, de Nova York, Hart Preston; o jornalista e redator do DIP Rivadávia de Souza; o cinematógrafo João Stonati e o fotógrafo Severino Nunes, ambos também do DIP. As aeronaves escalaram em Belterra, onde Vargas conheceu o projeto Fordlândia, de Henry Ford (6), e a seguir Parintins e Itacoatiara.

Entre Gurupá e Santarém, o PP-PAG foi pilotado pelo próprio presidente, ladeado pelo inspetor da Panair e piloto do comodoro, Coriolano Tenan. De lá até Itacoatiara, o chefe da nação viajou sempre na nacele saboreando do alto o belo panorama da região percorrida. Em Parintins, enquanto o avião oficial era abastecido, Getúlio desceu à cidade e, por quarenta minutos, atendeu inúmeras pessoas e recebeu cumprimentos do prefeito Leopoldo Neves (7).

O hidroavião da Panair desceu defronte ao porto de Itacoatiara, foi amarrado à boia e, enquanto era reabastecido, Getúlio Vargas recebia a bordo diversas pessoas gratas. Conduzidos pelos irmãos Ilídio e Antônio Antunes Ramos (1923-1993) – sócios da empresa de representação da Panair -, foram cumprimentá-lo: o prefeito Alexandre José Antunes (1892-1967), o secretário da Prefeitura Gregoriano Magalhães Ausier (1899-1982), o vigário padre Joaquim Pereira (1878-1958), o juiz de Direito da Comarca Marcílio Dias de Vasconcelos (1884-1966), o promotor de Justiça Gaspar Guimarães Maia, o tabelião do Cartório do 1º Ofício Vicente Geraldo de Mendonça Lima, o coletor federal Estácio de Albuquerque Alencar (1898-1987), os diretores do “Núcleo 03 de Outubro”, de apoio político ao presidente da República Evaristo Júnior, Virgílio Augusto de Oliveira, Lucas José Simões, Augusto de Vasconcellos Dias e Francisco Nelson de Oliveira, os comerciantes Neder Nassib Monassa e Armindo Magalhães Ausier, o contador Floro Rebelo de Mendonça (1906-1970), o despachante Hely Ruben Barros de Paiva (1907-1985), o político Adamastor Onety de Figueiredo (1905-1959), etc. (8).

A passagem de Getúlio Vargas por Itacoatiara, ali pelas 09:30 horas de 09/10/1940, foi anunciada por um demorado estalar de foguetões lançados de todos os pontos da cidade. Cerca de uma hora depois, o hidroavião oficial subiu em direção a Manaus.

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(4) Panair do Brasil S.A. – empresa de navegação aérea fundada em 17/10/1930, substituindo à subsidiária norte-americana da Pan-American, Nyrba do Brasil S.A..

(5) DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda: órgão de informação e contra-informação do governo de Getúlio Vargas.

(6) Fordlândia, projeto que emprestou o nome ao atual distrito de Aveiro, no Estado do Pará. Vasta área de terras (14.568 km2), às margens do Rio Tapajós adquiridas pelo empresário norte-americano Henry Ford (1863-1947), em 1927, através de sua empresa Companhia Ford Industrial do Brasil, para abastecê-la de látex necessário à confecção de pneus para seus automóveis, então dependentes da borracha produzida na Malásia. O projeto foi oficialmente encerrado em 24/12/1945.

(7) Leopoldo Amorim da Silva Neves (1898-1953), prefeito nomeado de Parintins (1932 e 1940), deputado federal (1946/1947) e governador do Estado do Amazonas (1947/1951).

(8) À época, inexistiam vereadores, porque a Câmara Municipal fora fechada quando da implantação da ditadura do Estado Novo, em 10/11/1937, a mando do próprio Getúlio Vargas.

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Segundo o jornal “A tarde”, de 10/10/1940 – ao meio-dia [de 09/10] intenso foguetório anunciou a chegada a Manaus da aeronave presidencial – duas horas antes lá aportara o avião precursor levando parte da comitiva, inclusive membros da imprensa. “Após várias manobras o aparelho fez a atracação na baía do Rio Negro, desembarcando em primeiro lugar Getúlio Vargas e a seguir seus acompanhantes, sendo recebidos pelo interventor Álvaro Maia (9), pelo presidente do Conselho Administrativo Estadual Leopoldo Peres (10), pelo presidente do Tribunal de Apelação Hamilton Mourão (11), pelo comandante da guarnição federal e do 27º BC coronel Joaquim Cardoso da Silveira, pelo capitão dos portos comandante Oldenato Moura, pelo bispo diocesano dom Basílio Pereira, outras autoridades e jornalistas. Assim que o avião oficial aquatizou, as embarcações surtas no porto e as usinas industriais fizeram soar as suas sirenes, como forma de saudação” (cf. jornal citado, da mesma data).

“O presidente, protegido por um grande aparato militar, ladeado por Álvaro Maia e pelo general Edgard Facó, subiu para o roadway e, seguido por uma incontável multidão que o aclamava delirantemente, caminhou até o relógio municipal [na Avenida Eduardo Ribeiro, ao lado da Catedral de Manaus], onde foi saudado pelo prefeito Paulo Marinho (12), através do microfone da Casa Philipps. Daí, em automóvel, foi para a sede do governo estadual, sendo-lhe, no trajeto, atiradas pétalas de flores pelos estudantes da rede estadual formados em alas, empunhando bandeiras nacionais e trazendo ao peito a efígie do chefe da nação” (idem, idem).

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(9) Álvaro Botelho Maia (1893-1969) – interventor federal (1930/1931, 1936/1940 e 1941/1945), deputado federal (1933/1935 e 1946), senador (1946/1951 e 1967/1969) e governador do Estado (1935/1936 e 1951/1955).

(10) Leopoldo Carpinteiro Peres (1901-1948), deputado estadual (1925/1928 e 1935/ 1939) e deputado federal constituinte (1946/1948).

(11) Hamilton Mourão (1886-1942): promotor de Justiça de Humaitá (1911/1912), juiz de Direito da capital (1919/1920) e desembargador empossado em 09/03/l926. Presidiu o Tribunal de Justiça em 1931/1932, 1935/1936 e 1941.

(12) Paulo De La Gruce da Grana Marinho (1910-2001): além de promotor de Justiça em Maués, prefeito de Manaus e chefe de Polícia, foi governador do Amazonas (1954).

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Em Palácio, Getúlio Vargas recebeu em audiência as principais autoridades federais, estaduais e municipais, inteirando-se dos problemas mais urgentes do Estado. Ainda, durante sua estadia em Manaus, recebeu várias homenagens; visitou repartições públicas e entidades cívicas e culturais; deu entrevista coletiva e recebeu os representantes do corpo consular; assistiu a desfiles e participou de almoços e jantares; dialogou com magistrados, membros da OAB/Am e de associações operárias e esportivas. Porém, o ponto alto da programação foi o jantar de 212 talheres, no Ideal Clube, – na noite de 10/10/1940 – e a que compareceu, proferindo o famoso “discurso do rio Amazonas”, cujos trechos principais aludimos no início deste trabalho. A cerimônia terminou com a execução do Hino Nacional a cargo da orquestra dirigida pelo maestro João Donizette, após os discursos de Álvaro Maia e Getúlio Vargas.

Na sexta-feira, 11 de outubro, às sete da manhã, o avião especial do presidente decolou de Manaus rumo a Porto Velho, último roteiro da viagem ao interior amazônico. No caminho parou em Manicoré, à margem do Madeira. Cumprida a programação oficial previamente estabelecida, Getúlio Vargas regressou de Porto Velho no domingo, dia 13, fazendo pernoite em Manaus. E, finalmente, na manhã do dia seguinte seguiu com destino a Belém.

Getúlio Vargas retornaria a Manaus, em agosto de 1950, como candidato a presidente. Reeleito em 03/10/1950, com 3.849.040 votos, tendo como seu vice-presidente João Café Filho (1899-1970), assumiu a Presidência da República em 31/01/1951, substituindo ao marechal Eurico Gaspar Dutra.

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Segundo “A Tarde”, de 11/101940, no jantar do Ideal Clube Vargas assegurou que “o ingresso definitivo [do Estado do Amazonas] no corpo econômico da nação, como fator de prosperidade e de energia criadora, [ia] ser feito sem demora… Todos exultaram com as afirmativas de Getúlio, certos de que essas [palavras] seriam concretizadas muito em breve”.

Mas, para alcançar esse objetivo, ainda haveria sobressaltos. À época, o Amazonas devia mais de cem mil contos de réis, herança dos governos anteriores ao de Álvaro Maia. Vargas prometera ajudar a sanear esses débitos. Na capital federal, vozes agourentas afirmavam que essa quitação redundaria na transformação do Amazonas em território federal. Por sorte, o presidente jamais admitiu tal hipótese. Habilmente, presidiu a uma verdadeira revolução social, que transformou as estruturas republicanas e estendeu à Amazônia os benefícios de uma política pioneiramente integradora. Entre 1930 e 1945, conduziu as reformas de maneira lenta e gradual, o que atenuou choques e venceu resistências.

Sobrevindo a segunda guerra mundial (1939/1945), o Brasil aderiu aos Estados Unidos e, em 21/08/1942, Getúlio Vargas reconheceu o estado de beligerância com o III Reich. Em 1944 foi enviada à Itália a Força Expedicionária Brasileira, que contribuiu para a vitória das forças aliadas. Em decorrência do programa de cooperação militar celebrado entre os dois países, a Amazônia recebeu vultosa ajuda financeira, possibilitando a restauração dos seringais e produção intensiva de borracha necessária à indústria bélica norte-americana.

Se, no período getulista, não ocorreu a “total redenção” do Amazonas, pelo menos seus setores de transporte, saúde pública e saneamento básico foram favoravelmente contemplados e a economia estadual como um todo ganhou novo alento, superando o colapso de décadas anteriores. São dessa época o SESP (13) e o Aeroporto de Ponta Pelada, atual Base Aérea de Manaus. No campo administrativo, a volta de Getúlio ao governo (1951/1954) assinalou outros eventos importantes, particularmente favoráveis ao Amazonas, tais como: a ampliação da frota dos SNAAPP e a criação do INPA e da SPVEA (12). Primeiro governante a cuidar estrategicamente da Amazônia, suas muitas realizações em benefício dela credenciam-no ao título de maior benemérito desta região, em todos os tempos (13).

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(13) SESP – Serviço Especial de Saúde Pública, depois FSESP – Fundação Serviços de Saúde Pública e atualmente FUNASA – Fundação Nacional de Saúde.

(12) INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia: decreto nº 31.672, de 29/10/1952, nos termos do artigo 13 da lei nº 1.310, de 15/01/1951; e SPVEA – Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia: lei nº 1.806, de 06/01/1953. É a atual SUDAM – Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia.

(13) As realizações de Getúlio Vargas em benefício do Estado do Amazonas foram superadas, talvez, pelos governos pós-1964, à frente o marechal Humberto de Alencar Castello Branco (1901-1967).

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Naqueles idos, Itacoatiara também foi beneficiada. Conforme registrado em meu livro Cronografia/2, (páginas 209 e seguintes) diversas ações ‘coloridas’ com o DNA do governo Vargas – implementadas diretamente pelo governo federal em razão dos chamados Acordos de Washington, ou pelo interventor federal Álvaro Maia, ou pela própria Prefeitura – influiriam positivamente nos campos social, político e econômico do Município. Resumindo:

1933: O primeiro hidroavião da Panair do Brasil aquatiza defronte à cidade. Dita empresa de navegação aérea iniciou “com os aviões tipo Baby Cliper… logo após sua fundação (17/10/1930) começaram a singrar os céus e pousar nos rios da Amazônia… Os voos semanais entre Belém e Manaus iniciaram em 1933, sendo que só em outubro desse ano o primeiro anfíbio tipo Cliper aquatizaria em Itacoatiara. A partir de 1945 (no pós-guerra), começaram os voos comerciais utilizando os famosos Catalinas, duas vezes por semana. Procedente de Belém, às segundas-feiras, e de Manaus, retornando, às sextas-feiras, o Catalina aquatizava defronte à cidade”, e a seguir atracava numa boia cega instalada no meio do rio. Após o “desligamento das hélices, vinham os catraieiros fazer o traslado dos passageiros e das cargas até o porto”. A seguir, “o aparelho decolava [em geral completamente lotado] em direção do Baixo Amazonas ou do Rio Negro. A firma agenciadora da Panair sempre foi Ilídio Ramos, Irmãos (sucessora de Óscar Ramos & Cia.)”, sob o comando dos irmãos Antunes Ramos.

1934: Instalados seis flutuadores no porto. Espécies de boias aquáticas destinadas à atracação de navios nacionais e estrangeiros que se revezavam no carregamento/descarregamento de mercadorias. Anteriormente, a Prefeitura Municipal instalara o chamado Farol do Porto, que servia de guia às embarcações que demandavam a cidade.

1937: (1) Início da construção do Estádio Municipal General Eurico Gaspar Dutra, “assim denominado em homenagem ao então ministro da Guerra”. (2) Instalação da sede do 2º Distrito Estadual de Saúde, ampliação do “Posto Médico Virgílio Ramos” e contratação de um médico para assistir à população. (3) Abertura do Campo Agrícola Municipal, na estrada da Cacáia, com a missão de ocupar a mão-de-obra egressa do interior e incentivar a produção de gêneros alimentícios. (4) Começa a construção do “Campo de Aviação”, no atual bairro do Iraci, sob a orientação do Departamento Aeronáutico Civil (DAC), órgão federal. O projeto previa uma pista coberta de grama medindo pouco mais de 1.000 metros de extensão por 120 ditos de largura. (5) O interventor Álvaro Maia dá lotação às seguintes professoras do grupo escolar “Coronel Cruz”: Maria da Costa Ferreira, Olga de Oliveira Brandão, Alaíde Lima Costa, Francisca de Menezes Fonseca, Olga Rego de Moraes Figueiredo, Maria Odete Albuquerque Silva e Isabel Rodrigues de Menezes – formadas pela Escola Normal de Manaus e aprovadas em concurso público. (6) Construída nova ponte (em madeira de lei) ligando a cidade ao bairro do Jauari.

1938: Reorganizada a Agência Municipal de Estatística.

1940: (1) Início da imigração japonesa e a consequente introdução da cultura da juta indiana no Município. (2) Nomeação das professoras substitutas do grupo escolar: Maria José de Lima Pereira e Ilsa Ehm Barros. (3) O interventor Álvaro Maia decide em prol da manutenção das “escolas de emergência” dos bairros da Colônia e Jauari, e de 16 comunidades do interior, e nomeia para regê-las as respectivas professoras.

1942: (1) Inaugurado o pouso de aviões no “Campo de Aviação” – foi o terceiro construído na Amazônia Ocidental, antecedido apenas pelos de Manaus e Boa Vista/RR. O aeroplano teco-teco “Santa Maria”, monomotor tipo Cap-4 (Paulistinha), procedente do Aeroclube de Manaus, foi o primeiro a pousar (a aterrissagem deu-se às 11:15 hs de 29/03/1942) inaugurando a obra: trazia o advogado Avelino Pereira, representando o governador, e o piloto Jorge Moreira. (2) O recém-fundado Aeroclube de Itacoatiara (23/03/1942), assume gerenciar o “Campo de Aviação”. (3) Iniciado o serviço de crepagem de borracha. Financiado pelo BASA, o serviço capacitava a produção de borracha sem impureza, remetendo-a diretamente às usinas de beneficiamento. Até então, a substância elástica feita do látex coagulado era exportada bruta, em pélas vindas diretamente do seringal. A Usina de Ezagui & Irmão, em Itacoatiara, foi quem deu início a essa operação no interior do Amazonas.

1943: (1) Dando sequência aos chamados Acordos de Washington (celebrados entre o Brasil e os Estados Unidos da América), são instaladas as agências da SAVA – Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico e da LBA – Legião Brasileira de Assistência – a primeira, com o objetivo de instalar o Fomento Federal em terras do entorno de São José do Amatari, destinado a fomentar a produção de alimentos; e a segunda, para atender socialmente os mais pobres, inclusive orientando-os a plantar hortas caseiras. (2) Posteriormente, seria instalada a agência do Banco da Borracha, atualmente Banco da Amazônia (BASA).

1945: Inaugurada a Unidade Sanitária do SESP – Serviço Especial de Saúde Pública. Em seguida, é realizado um curso para visitadoras sanitárias e celebrado um convênio com a Prefeitura para a instalação de 529 fossas sanitárias na sede municipal. Mais tarde, seriam abertos poços artesianos, a partir do bairro do Jauari, e estendida à área urbana a rede de distribuição de água; construídas a Caixa d’água do bairro da Colônia e a Lavanderia central; e colocadas torneiras públicas em trechos estratégicos da cidade.

1952: (1) O Posto Agropecuário do Ministério da Agricultura (Fomento Federal) é transferido das proximidades de São José do Amatari para uma área de 100 hectares, a leste da cidade. (2) Instalação da agência local do Banco do Brasil (15/dezembro).

1953: Instalado o Tiro de Guerra nº 276, facção do Exército subordinada ao Comando Militar da Amazônia e à 8ª Região Militar, sediados em Belém. Durante anos centenas de jovens em idade de prestar serviço militar seriam convocados pela instituição, formando várias turmas de soldados. As instruções duravam cerca de nove meses, anualmente. Ao final, além de diplomados como infanto-atiradores ou infanto-fuzileiros, receberiam carteira de reservista de 2ª categoria.

Em 1940 – ano da passagem de Getúlio Vargas por Itacoatiara, a população do Município elevava-se a 23.500 habitantes – cerca de 40% deles viviam na área urbana. A Receita Geral da Prefeitura – para aquele ano – fora orçada em trezentos contos de réis – exatamente Rs. 300:000$000. Referido Orçamento, baixado por decreto do prefeito Alexandre Antunes, achava-se enquadrado no padrão orçamentário baixado pela Presidência da República, aprovado pelos decretos federais nºs 1.804, de 24/11/1939, e 2.416, de 17/07/1940 (cf. D.O. de 30/11/1940 e 29/11/1941). Em obediência ao Parecer de 21/11/1941, do Departamento Administrativo do Estado, e ainda de acordo com o decreto municipal de 29/11/1941, os valores do Orçamento de 1941 seriam repetidos no exercício de 1942.

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Ao longo dos primeiros quinze anos do governo Getúlio Vargas, os prefeitos de todo o País foram induzidos pelo DIP a estimular o culto à sua personalidade. Afinal de contas, se Getúlio era “amigo do povo” e “o pai dos pobres”, sua obra devia ser aplaudida, exaltada e seu nome reverenciado. De mais a mais, o grosso da população brasileira habituara-se a gritar “Viva Getúlio”. Em Itacoatiara não podia ser diferente: no dia 20/02/1940, defronte ao Paço Municipal, o prefeito Alexandre Antunes inaugurou com toda a pompa um monumento sobre o qual se assentava o busto presidencial. Uma enorme e barulhenta multidão prestigiava o ato solene. Compareceram o mundo oficial, os representantes das classes conservadoras e os estudantes que desfilaram em regozijo ao evento. Anteriormente o Chefe do Executivo Municipal mandara retirar o título da Praça 13 de Maio, a principal da cidade defronte à Igreja Matriz, para nominá-la pomposamente de Boulevard Presidente Getúlio Vargas.

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