Manaus, 17 de maio de 2024

Imigração judaica em Itacoatiara: a trajetória do prefeito Isaac José Pérez

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*Legenda da foto: Fonte: Geo-museu da vida judaica do Norte da África e Oriente Médio (DIARNA). Acesso em 07-07-2017> http://archive.diarna.org/site/detail/public/351/-.

Podemos afirmar em acordo com Falbel (1984), que duas grandes personalidades dignas de menção emergiram no cenário da vida sefarad [1]  em Itacoatiara no início do século XX – Izaac José Perez e David José Pérez2 – estes, irmãos nascidos no final do século XIX em Breves-PA, cujo os pais Joseph Pérez e Cota Mhaudy Perez originários da cidade de Tânger no Marrocos, vieram para a Amazônia em busca de melhores condições de vida.  Izaac Pérez irmão mais velho concluiu estudos primário em Breves e após morte de sua mãe em 1893 retornou com o pai para Tânger, com o intuito de continuar os estudos na Aliança Israelita Universal-AIU. Esta instituição foi de fundamental importância e muito contribuiu para a educação de Izaac no Marrocos, pois teve como objetivo solidarizar com os judeus desassistidos, trabalhar por sua emancipação e progresso moral, oferecendo ajuda e assistência as vítimas de antissemitismo, encorajando a sociedade sefardita para publicação de livros que promovessem esses objetivos. Sua ação se fazia nos níveis diplomáticos, assistência a emigrantes, na educação, visando sobretudo os judeus orientais vítimas de perseguições. A rede de escolas da AIU3  fornecia formação em vários níveis de ensino: línguas – francês, espanhol, inglês e hebraico, além disso, oferecia a seus estudantes as disciplinas: ciências, história, geografia, ofícios e profissões. As mulheres aprendiam a costurar, confeccionar trabalhos manuais, música, além das matérias citadas (FALBEL, 1984).

Segundo Scheinbein (2009) as escolas da AIU foram fundadas em Tetuan, no ano de 1862, e em Tânger, em 1869, seguidas de mais cinco em diferentes cidades do Marrocos: Rabat, Casablanca, Mogador, Fez e Marrakech. As de Tetuan e Tânger desempenharam papel importante na educação e no nível cultural dos judeus, tirando-os da pobreza e da ignorância, estimulando-os a emigrar para outros países com melhores oportunidades de trabalho e prosperidade. Esta instituição, ajudou portanto, na preparação intelectual e moral dos futuros médicos, advogados, administradores, professores, empresários e líderes políticos judeus da Amazônia.  O progresso dos estudos de Izaac, deveu-se ao fato de ter parentes em Tânger.

Assim sendo, contou com este apoio, para sua permanência e ajuda material até a conclusão do curso na AIU. Um dos grandes professores desse período foi o rabino Mossé Taruel destacado hebraísta e profundo conhecedor das tradições religiosas judaicas. Embora não fosse rigoroso quanto a observância dos dogmas da religião, Izaac seguiu na vida como um abnegado cumpridor dos preceitos da lei mosaica, mantendo durante sua vivência em diversas cidades, papel de destaque como benemérito e assistencialista no seio de comunidades judaicas (SALGADO, 2015).

Falbel (2005), nos informa que, após concluir os estudos na AIU, Izaac retornou a Amazônia em 1898. Nesse tempo, já com escolaridade mediana, fixa residência na cidade de Cametá-PA, situada na margem esquerda no baixo Tocantins para se dedicar ao comércio extrativista. Esta cidade ribeirinha teve sua história econômica ligada a demanda por produtos extrativistas em sua região circundante. Ao perceber as oportunidades advinda da exploraração de produtos da floresta e tendo conhecimento técnico em contabilidade, logo trabalhou para começar suas atividades no ramo comercial. Com esse intuito, tornou-se sócio proprietário da firma Azancot & Pérez. Entretanto essa atividade lhe causou alguns dissabores tendo em vista que, em uma das correspondências datada de 12 de setembro de 1900, queixa-se ao irmão David da vida que levava no Tocantins. Fala que as condições do lugar não satisfazem a quem tem aspirações de crescimento material. E ainda comenta que a sociedade comercial se desfez e lhe causou um prejuízo de três contos. Com a crise financeira instaurada, crê que a melhor estratégia é deixar Cametá para tentar recompor o prejuízo e ter melhor sorte em outra cidade. O missivista conclui discorrendo sobre a alegria em estar próximo a sua família, pela qual felicita suas irmãs Mary, Esther Ezagui e o cunhado Moysés Ezagui, residentes em Itacoatiara.

As constantes correspondências4  de  Izaac com a família em Itacoatiara segundo Falbel (2005), era uma forma de sondar possibilidades de trabalho futuro. Pois em Cametá a situação socioeconômica se agravou, devido a constantes distúrbios e ataques contra casas comerciais de judeus, motivado por concorrência comercial, associada à instigação anti-semita, fato que abalou ainda mais a estabilidade e a confiança de todos nesta cidade. Como exemplo, citamos Isaac Benchaya conhecido da comunidade de Itacoatiara que em carta sem data a David Pérez, narra o ambiente vivido naquele período em Cametá: “Ah, meu amigo, não sei quanto daria hoje para estar onde tu estás e sair desta desgraçada terra, pois vivemos por trás do balcão com revólver no bolso (FALBEL, 2005. p. 55). Portanto não faltaram motivo e nem acontecimento negativo para o presentimento de que não era mais possível a continuidade dos negócios em Cametá, sobretudo, após a derrocada comercial que lhe impôs uma crise financeira, pela qual, buscava novas oportunidades de recomeço. Sendo assim, resolve transferir-se para Itacoatiara em 1900, estabelecendo-se no distrito municipal de Apipica Boa Fé5.

Segundo Israel (1999), a aproximação familiar entre os Pérez e os Ezagui possibilitou não só trabalho a Izaac em Apipica Boa Fé, como também, a segunda união matrimonial, desta vez, entre Mary Pérez e Marcos Ezagui, ocorrido em Itacoatira com a preseça de Izaac, David José Pére6 z bem como, dos membros da comunidade sefaradita marroquina. O casamento endogâmico sempre fez parte da tradição, e provocava, o incentivo a inúmeras trocas intrafamiliares: a mãe, o pai, irmãos, a parentela, os amigos de infância e as sucessivas ampliações de outros círculos de sujeitos investidos de seus sentimentos, vão moldando a imagem do próprio indivíduo/comunidade, que se constrói ao longo de muitas experiências transmitidas a sucessivas gerações. Com isso queremos afirmar que a comunidade judaica de Itacoatiara seguia os rituais da tradição, incentivados pela lei mosaica impressa na Torá, que entre outras determinações, incentivava o casamento endogâmico, o uso da kipá, a circuncisão, o culto e oração domiciliar, celebração das festas ritualísticas de Rosh Há Shaná e Yom Kipur7,  a construção de cemitérios e associações assistencialistas (BENCHIMOL, 1998).

De acordo com Benezar (2016) a resposta para essa preservação de rituais religioso/comunitário dos judeus marroquinos em Itacoatiara, encontra-se na natureza particular, caracterizada pelo apego profundo a religião, que impregnava a vida de cada indivíduo do nascimento à morte. Sendo assim, podemos entender, que apesar das dificuldades encontradas, algumas ponderações se fazem necessário, por exemplo, como sobreviveram às hostilidades do clima, às dificuldades do ambiente, ao isolamento geográfico, como puderam manter, preservar, transmitir o mesmo judaísmo trazido do lar paterno marroquino aos seus descendentes? Isso só pode ser explicado pelo fato de que eles estavam atados de alma e coração à arvore da vida, a Torá. Diferentemente de outros imigrantes, poderiam ter assimilado e esquecido tudo, se assim o desejassem. A vivência ao longo do rio Amazonas era isolada. Quilômetros de distância separava um ribeirinho do outro. No entanto, na intimidade da família, eles mantinham a religião com todo o rigor dos seus requisitos. Não se podia tocar música8, remar, fazer a barba, fumar, mascar9, nem escrever no sábado. Casamentos e cerimônias fúnebres eram realizados severamente de acordo com as tradições rituais místicas.

Figura 02: Esther Ezagui ladeada pelos filhos Augusto e José Ambrózio Ezagui(1920)
Fonte: FALBEL, Nachman. David José Pérez, uma biografia. Rio de Janeiro: Garamond, 2005

Heller (2010), confirma essa perseverança dizendo que, quando os livros religiosos escasseavam, copiavam manuscritos, de modo que nada fosse esquecido ou omitido. Durante os dias sagrados reunião-se na casa da matriarca Ester Ezagui, ainda hoje situada na rua Adamastor de Figueiredo, que servia como pequena sinagoga improvisada, ocasião, em que aproveitavam a oportunidade para circuncidar os meninos nascidos naquele ano. Nesse período, atuava como líder espiritual em Itacoatiara o rabino José Benedito Cohen[1]0,  que além dos trabalhos religiosos, atendia em consultório como dentista, alternando-se entre lecionar para um grupo de alunos, e publicar poemas e contos em jornais de Belém, Manaus e Rio de Janeiro (LIBERMAN, 1989).

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[1] Termo da língua hebraica que significa Espanha (BARTEL, 2012).

2 Sobre a família Pérez extraiu-se informaçoes de uma carta de Yosef Halevi a Baruch Schulman, In: FABEL, Nachman.  Estudos sobre a comunidade judaica no Brasil. São Paulo: DIFEL, 1984. p. 175-187.

3 A Aliança Universal Israelita (IAU) é uma escola internacional judaica, estabelecida em diferentes países. Foi fundada em 1860 em Paris, depois da repercusão de varios casos de perseguisão e extermínio de judeus no Norte da África e Oriente Médio. A Aliança, cumpre então duas funções principais: interceder com as autoridades políticas em todo o mundo em benefício dos judeus perseguidos e desenvolver uma rede escolar que vise modernizar os judeus especialmente na África e Oriente Médio, a fim de permitir a sua emancipação social e profissional. A primeira escola da Aliança foi inaugurada em Tetuan , em 23 de dezembro de 1862 e em 1869 no Tânger, no Norte do Marrocos (RODRIGUES,  2003)

4 No arquivo David José Pérez, consta 18 rolos de microfilmes, que abrangem material documental de 03 de agosto de 1899 a 31 de dezembro de 1961. O acervo pode ser consultado em Central Arquives for the History of the Jewish People. Jerusalém, box 11, Inv. 5034. >Acesso em: 14/07/2016.

5 Em 1902 o distrito de Apipica Boa fé no rio Autaz, pertencia ao município de Itacoatiara, juntamente com os distritos de Santana do Uatumã, e Carará (SILVA, 1998).

6 Em busca de aspirações mais amplas, David Pérez transfere-se para o Rio de Janeiro onde forma-se em Direito. Em 1916 funda junto com Álvaro de Castilho o jornal sionista carioca A Columna (FALBEL, 2005).

7 Ros Há Shaná: celebração do ano novo judaico. Yom Kipur: dia do perdão, realizado uma semana depois do ano novo judaico, onde os judeus jejuam e se penitenciam pelas faltas cometidas no ano que se encerrou. Estas cerimônias tinham muita importância para os judeus do interior da Amazônia, que percorriam longas distâncias de barco ou de canoa para reunir em alguma residência que fosse servir de sinagoga improvisada, um exemplo bastante ilustrativco está no texto de Eva Blay, Judeus na Amazônia, In: Sorj, (1997).

8 Em geral, tocavam pequenos instrumentos, como: violino, flauta, badolin e violão (BENEZAR, 2016).

9 Mastigar tabaco durante horas e depois cuspir (BENEZAR, 2016)

10 Nasceu no Marrocos em 31 de dezembro de 1872 e veio ainda menino para o Pará com o pai que era rabino. Teve dois diplomas, o de Odontologia e o de Direito. Acompanhou os interesses religiosos de seu pai, aprofundando-se nos estudos das tradições  hebraicas, depois da morte do pai tornou-se lider espiritual da comunidade de judeus marroquinos de Itacoatiara até 1912. Depois foi nomeado Coletor da Meza de Rendas de Parintis. Morreu em 07 janeiro de 1933 em Petrópolis, Rio de Janeiro (LIBERMAN, 1989). Produziu inúmeros poemas entre os quais: Pessach (1916); Hagar (1916); Israel (1916); Soneto (1916); Vanitas (1916),  A Garça (1917); Prometeu (1917); Macacos (1917); O Furão (1917); Vampiros (1917); ( JORNAL A COLUMNA, no. 05, ano I, 05-05-1916 a 24-09-1917). Algumas de suas obras literárias são: COHEN, José Benedito. Verdades e fantasias – contos. Typografia Brasil: Bragança, 1925; COHEN, José Benedito. DEUS, João de. Cântico dos Cânticos. Editora Tecnoprin Ltdat: Rio de Janeiro, s/d. ; COHEN, José Benedito. A Sulamita. Ediouro: Rio de Janeiro, 1959. ; COHEN, Josë Benedito. Um poeta esquecido. Imprenta: Rio de Janeiro: 1997.

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2 respostas

  1. Como vai Claudemilson?

    Meu nome é Pedro Henrique Peres, sou tetraneto de Isaac José Peres.

    Gostaria de entrar em contato pra saber mais sobre a historia dos Peres em itacoatiara.

  2. Bom dia Prof Claudemilson<
    Como vai. É uma honra entrar em contato com o Sr. Independente da sua resposta! Gostaria de parabenizá-lo por tantas informações!!
    E se ainda puder me ajudar mais um pouquinho gostaria de saber um pouco mais sobre o meu tio avô José Benedito Cohen, que venho também "caçando" mais alguns recortes com a família e gostaria de entregar ao Sr.
    Antecipadamente grta,
    Rosana Cohen
    meu whatsapp (81) 996468291

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