Manaus, 19 de abril de 2024

Clima na Amazônia

Compartilhe nas redes:

Antes de falar sobre o clima da Amazônia, é importante fazer uma distinção entre os vocábulos tempo e clima que podem ser assim definidos:

Tempo é o conjunto de valores que, num dado momento, caracteriza o estado atmosférico.

Clima é a sucessão habitual dos tipos de tempo num determinado lugar da superfície terrestre, podendo ainda ser definido como a série de estudos da atmosfera sobre um lugar, em sua sucessão habitual.

Com base nessas definições pode-se dizer que o clima de uma região só é estabelecido a partir da avaliação estatística dos registros históricos e que tempo (atmosférico) é uma combinação passageira dos principais elementos do clima que são: temperatura do ar, pressão atmosférica, vapor d’água, umidade relativa, radiação total, nebulosidade, visibilidade horizontal e vento (direção e velocidade).

A intensidade e frequência desses elementos, contudo, não têm uma distribuição uniforme por toda a Amazônia pelas seguintes razões:

  1. A região é cortada pela linha do equador onde ocorrem dois equinócios por ano;
  2. A bacia se estende entre os paralelos 5º Norte e 10º Sul;
  3. A região conhecida como Amazônia Central recebe os ventos alísios, quentes e úmidos, que sopram do quadrante leste, provenientes do Oceano Atlântico;
  4. A presença de áreas contíguas e contínuas com a Cordilheira dos Andes a oeste, onde correm elevações de até 6.000 metros, com altitude média de 4.000 metros;
  5. A ligação com o Sistema Guiano, ao norte, onde se localizam os Picos da Neblina (2.993,8 m) e 31 de Março (2.972,7 m), além de montanhas que atingem mais de 2.000 metros de altitude;
  6. O contato, na fronteira sul, com o Planalto Central, onde se registram altitudes de 1.200 metros, com média de 700 metros acima do nível do mar, apresentando um período seco entre julho e outubro;
  7. A existência de uma extensa faixa de fronteira oceânica, a leste;
  8. A influência da bacia hidrográfica;
  9. O intenso processo de evapotranspiração;
  10. A influência da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT).

Evidentemente, algumas áreas atingidas por esses condicionantes especiais podem ter uma escala espacial reduzida se comparadas com a totalidade da bacia cujo macroclima é definido como quente e úmido e que pode ser tipificado pelas seguintes características: alta umidade relativa do ar, nebulosidade intensa, chuvas abundantes e temperaturas médias elevadas durante todo o ano.

A amplitude térmica é de 1 – 2ºC com os valores médios entre 24 e 26ºC. Nas duas principais cidades amazônicas, a temperatura média mensal tem a seguinte amplitude: em Belém a média das máximas é de 26,5ºC em novembro e a média das mínimas é de 25,4ºC, em março. Em Manaus o mês mais quente é setembro, com média de 27,9ºC, enquanto a média mais baixa ocorre em abril (25,8ºC).

A duração do período diurno, segundo Salati et al. (1998), é de 11 horas e 50 minutos em dezembro e 12 horas e 24 minutos em junho na latitude de 10º sul, mas a insolação, que depende da nebulosidade, corresponde a 50% ou menos, da real duração do dia. O Quadro 3 mostra a quantidade de horas de insolação média em três capitais amazônicas.

Quadro 3. Insolação média em três capitais da Amazônia:            _______________________________________________________________________________

              Cidade                         Coordenadas geográficas            Horas diárias de insolação média anual              _______________________________________________________________________________

Belém (Pará)                         1º 28’ S e 48º 29’ W                  6,49

Manaus (Amazonas)           3º o8’ S e 60º 02’ W                  4,54

Rio Branco (Acre)                9º 58’ S e 67º 48’ W                  4,80                _______________________________________________________________________________

A radiação solar exerce forte influência sobre o clima determinando a quantidade de vapor d’água na atmosfera e, em decorrência, a nebulosidade que é formada por vários tipos de nuvens. Na Amazônia a radiação solar média incidente é de 400 calorias por centímetro quadrado, por dia, das quais 73% são utilizadas na produção de vapor d’água através da evapotranspiração das florestas e da evaporação dos espelhos de água, e 27% utilizadas nos outros processos, entre os quais 1-2% para formação de matéria orgânica pela fotossíntese e 25-26% no aquecimento do ar (Villa Nova, Salati e Matsui, 1976).

O período chuvoso ocorre entre novembro e março e os períodos de seca entre maio e setembro, ficando para os meses de abril e outubro a fase de transição entre os regimes (Fisch, Marengo e Nobre, s.d.). A precipitação média na bacia do rio Amazonas é de 2.400 milímetros por ano sendo que, na porção noroeste, na área conhecida como “Cabeça de Cachorro” – região fronteiriça entre Brasil, Colômbia, Venezuela – não ocorre estiagem e a chuva pode atingir até 3.500 mm/ano. Precipitações elevadas também ocorrem no litoral do Amapá em razão da influência das linhas de instabilidade que se formam ao longo da costa no período da tarde e que são levadas para o continente pelos ventos marinhos.

Estudos realizados sobre a entrada de vapor d’água na atmosfera da Amazônia revelaram que o oceano Atlântico contribui com 10+-1×1012 m3 por ano, dos quais 4+-1×1012 são desviados por “rios voadores” para outras bacias, especialmente a do Pantanal e Chaco Paraguaio, entrando no ciclo hidrológico amazônico cerca de 6+-1×1012 m3/ano.

Por outro lado, as chuvas atingem um volume de 15,04x1012m3/ano, com essa quantidade atingindo 18,4×1012 m3/ano quando a estimativa é feita para a área denominada Amazônia Continental. Considerando-se uma descarga do rio Amazonas por volta de 209.000 metros cúbicos por segundo, pode-se calcular um volume médio anual de deflúvio da ordem de 6,6×1012 m3, que corresponde a uma quantidade 56,1% menor do que a precipitação média na bacia (15,04×1012 m3/ano).

Esses valores sinalizam um aparente desequilíbrio no balanço hídrico, uma vez que a descarga é muito menor do que a precipitação, razão pela qual é preciso introduzir, na equação, as informações referentes ao processo de evapotranspiração da floresta. Os dados coletados por Villa Nova, Salati e Matsui (1976) revelaram que a evapotranspiração corresponde a 8,43×1012 m3/ano, um valor que fecha o balanço hídrico da Amazônia (Salati et al., 1998) como demonstrado na equação

P = E + D

Onde: P = Precipitação (15,04×1012 m3/ano);

E = Evapotranspiração (8,43×1012 m3/ano);

D = Descarga do rio (6,6×1012 m3/ano).

Os valores numéricos do balanço hídrico demonstram que o clima da Amazônia depende da floresta que, por meio do processo de evapotranspiração, reintroduz a água na atmosfera onde dá origem a novas nuvens formadoras de novas chuvas que se precipitam, novamente, sobre a floresta, com a mesma água chovendo de duas a três vezes.

Fisch, Marengo e Nobre (op. cit.) estimaram que 50% do vapor d’água que precipita sob a forma de chuva na Amazônia é gerado localmente pela evapotranspiração, sendo o restante importado do oceano Atlântico pelo fluxo atmosférico, com essas informações confirmando os cálculos de Villa Nova, Salati e Matsui (op. cit.).

Guillaumet, Rodrigues e Miranda (2003), utilizando a classificação de Köppen (1948), subdividiram o macroclima amazônico em três grandes subgrupos mesoclimáticos que se distribuem, percentualmente, pela bacia da seguinte forma: tipo Awi (53%), tipo Ami (32%) e tipo Afi (15%).

Essas características macro e mesoclimáticas não impedem a existência de variações associadas às condições geográficas localizadas (espaciais) ou de fenômenos temporais como as friagens, denominação local dada à penetração de sistemas frontais que atingem, principalmente, a porção meridional da região. Essas massas de ar polar que chegam à Amazônia têm sido pouco estudadas, mas há registros de que, no sul do Pará, ocorrem cerca de sete “friagens” por ano entre maio e agosto.

O primeiro acompanhamento detalhado do deslocamento de umafriagem foi feito por Brinkmann e Ribeiro (1972) que usaram imagens orbitais para observar a evolução do movimento horizontal de um sistema frontal, em julho de 1969, desde a região sul até o centro da Amazônia. No período em que essa massa polar atingiu a parte central da região, o registro térmico na cidade de Manaus foi de 17ºC, um valor 12ºC menor que a média climatológica do período, embora a sensação térmica tenha atingido níveis mais baixos em razão dos ventos constantes.

Esse fenômeno climático-temporal ocorre durante o inverno do hemisfério sul, época em que a enchente do Amazonas se encontra nos níveis mais elevados, deixando os lagos marginais bastante profundos. O aumento da coluna de água provoca diminuição acentuada das concentrações de oxigênio nas camadas inferiores (hipolímnion) ao mesmo tempo em que ocorre aumento da concentração de gás sulfídrico (H2S) e de gás metano (CH4) – oriundos da decomposição da matéria orgânica – na região próxima ao sedimento bêntico.

Na região de Manaus as “friagens” duram no máximo três dias, mas as baixas temperaturas e os ventos constantes do quadrante oeste são suficientes para quebrar a estratificação térmica e química dos lagos, provocando uma total circulação da coluna levando os gases tóxicos para as camadas superficiais onde provocam intensa mortandade de peixes por envenenamento gasoso (Waissman e Martius, 1997; Affonso e Waichman, 2004).

Entre as variações climático-espaciais o melhor exemplo são osventos destrutivos, um fenômeno meteorológico conhecido como microexplosões (do inglês microburst), associado à região de convecção encontrada abaixo das nuvens CB (cumulusnimbus), embora também ocorram em linhas de instabilidade. Nelson e Amaral (1994) descreveram esse fenômeno na Amazônia da seguinte forma:

Cada microexplosão causa uma derrubada linear que se se irradia a partir de uma mancha basal de destruição mais completa. O conjunto tem a forma de um leque e essas derrubadas são rapidamente preenchidas com uma floresta secundária a qual permanece visível em imagens Landsat por 15 a 20 anos após o evento.

Os autores usaram 160 imagens de satélite para identificar aproximadamente 300 microexplosões, de diferentes idades, causadas porventos destrutivos que são mais frequentes na Amazônia Central e Ocidental, sendo mais comuns em uma faixa a oeste de Manaus, que se estende da Venezuela (ao norte) até o Acre (ao sul), alcançando, para oeste e noroeste, os territórios do Peru e Colômbia. Esse fenômeno natural provoca uma destruição florestal média de 45 k2 por ano e o vestígio de maior extensão identificado por imagens orbitais atingiu, em 1994, uma área de 44 km2 localizada na extremidade ocidental do Parque Nacional do Jaú.

O clima da Amazônia, com suas subdivisões e seus fenômenos esporádicos (espaciais e temporais), constitui um assunto de grande complexidade tanto pelos fatores que determinam a intensidade e frequência dos elementos que o configuram quanto pela influência que exerce sobre os organismos, sobre os ecossistemas e sobre os processos biológicos e ecológicos.

Pesquisas recentes desenvolvidas com apoio da moderna instrumentação tecnológica estão formatando uma nova teoria sobre o clima regional e sua influência sobre as regiões continentais e globais. Uma das hipóteses que está sendo testada diz que a vegetação libera para a atmosfera imensas quantidades de aerossóis que, agindo como núcleos de condensação (formação de nuvens) e como meio de dispersão e absorção da luz solar, exerce forte influência sobre os elementos do tempo e do clima como, por exemplo, a formação de chuvas. Esse projeto, intitulado “Formação de aerossóis orgânicos através da foto-oxidação do isoprene”, está sendo conduzido por uma equipe ligada ao Instituto de Física da Universidade de São Paulo (www.canalciencia.ibict.br/pesquisas).

Apesar de ser um tema de extrema relevância para a vida na Terra as preocupações da humanidade com o clima do planeta só começaram a se acentuar nos anos 1980, quando as mudanças climáticas se mostraram tão graves que o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e a Organização Meteorológica Mundial (OMM) constituíram um grupo de trabalho para negociar um Tratado Internacional sobre o tema. Em 1990, incentivada pelos resultados da Segunda Conferência Mundial sobre o Clima, a Assembleia Geral da ONU encomendou a redação de uma Convenção-Quadro que foi adotada por mais de 150 países em uma reunião realizada em Nova York, em 9 de maio de 1992. Com o título de “Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima”, o documento final foi assinado durante a Rio-92 por 155 países entre os quais o Brasil. O acordo tinha, como principal objetivo, estabilizar as concentrações de gases do efeito estufa na atmosfera, em níveis que evitassem modificações, de origem antrópica, no sistema climático do planeta.

Como as recomendações não foram seguidas, outra Conferência das Partes foi realizada em 1997, na cidade de Quioto (Japão), para rediscutir e modificar as propostas originais. Um novo acordo denominadoProtocolo de Quioto foi assinado e entrou em vigor no dia 16 de fevereiro de 2005, inserindo em seus artigos o compromisso dos países desenvolvidos de reduzir em 5% suas emissões até 2012, tendo como referência as emissões do ano de 1990.

Esse protocolo tem importante significado para o Brasil, tanto pelo lado positivo do estoque de carbono das florestas como pela face negativa da queima de áreas florestadas, um processo danoso que fez o Brasil passar do 17º lugar (78.666 t C/ano em 1979) para 4ª posição do ranking, emitindo 323 milhões de toneladas em 2004 (Chade, 2008), com a Amazônia respondendo por aproximadamente 75% desse total (http://wwf.org.br; ewww2.camara.gov.br).

As dificuldades para implantação das metas acordadas pelos países signatários do Protocolo de Quioto aumentaram as expectativas de aquecimento global levando a Organização das Nações Unidas a realizar 15ª Conferência sobre Mudanças Climáticas, em Copenhague (Dinamarca) em dezembro de 2009 onde, depois de muitos discursos, jantares caríssimos e conversas infrutíferas, as 192 nações presentes decidiram muito pouco ou quase nada.

Esse evento comprova, de forma definitiva, a incapacidade da ONU em lidar com problemas ambientais globais que, para serem resolvidos, precisam primeiro estar incorporados na vontade política das populações de todos os países, muitos dos quais têm elevados percentuais de seu povo em lamentável estado de exclusão social e analfabetismo. Se a população é inculta não pressiona devidamente seus governantes que vão para esses eventos realizados em majestosos salões climaticamente confortáveis, discutir aquecimento global, enquanto lá fora, no mundo real do hemisfério norte, naquele fim de outono de 2009, a temperatura estava muitos graus abaixo de zero.

A esperança de se produzir pelo menos algum sinal positivo para evitar o caos climático foi frustrada por um acanhado (ridículo) esboço de boas intenções e algumas acanhadas metas que jamais serão cumpridas como não o foram as estabelecidas no Protocolo de Quioto, esse importante acordo formal que o Brasil incorporou em sua juridicidade pelo Decreto Legislativo nº 1, de 4 de fevereiro de 1994.

Se fosse possível resumir o fiasco da COP-15, em uma única frase, sem dúvida se deveria nutilizar a que foi dita pela ex-ministra chefe da Casa Civil do governo brasileiro – Dilma Roussef – que liderava o grupo do Brasil na Conferência do Clima, em Copenhague onde declarou: “O meio ambiente é uma ameaça ao desenvolvimento sustentável”. (IstoÉ, ano 32, nº 2.093, p. 30).

Sobre a temática do clima ainda é preciso registrar que estudos de sedimentos profundos revelaram grande diferença entre o clima atual e o que dominava a Amazônia 15.000 anos atrás, figurando entre esses trabalhos os de Van der Hammem (1972 e 1974), Absy (1985), Van der Hammem e Absy (1994), que, utilizando pólens fósseis encontrados em amostras retiradas de perfis estratigráficos de sedimentos do Quaternário, trouxeram informações importantes sobre o paleoclima regional. Uma das conclusões retiradas dessas análises foi a de que entre 5.000 e 3.000 anos atrás (Holoceno) algumas áreas atualmente ocupadas pela floresta eram cobertas por savanas que, no Pleistoceno, cerca de 11.000 anos atrás, não havia florestas, com essa informação indicando forte associação entre as alterações climáticas e a evolução da biota. Outra conclusão importante dos estudos paleopalinológicos indicou que entre os anos 4.000 e 2.000 antes do presente e ao redor do ano 700 depois de Cristo, ocorreram grande variações de precipitação na Amazônia, causando o abaixamento (e em alguns casos o secamento) de rios com mudanças na flora e na fauna.

Finalmente, é importante assinalar que o clima do planeta continua em curso de mudança em razão do ciclo natural (períodos glaciais e interglaciais) que está recebendo significativa contribuição dos gases do efeito estufa que aceleram o surgimento de modificações na configuração dos ecossistemas e na composição da biota.

*Texto retirado do livro do autor “Pensando a Amazônia”, ditado pela Valer em 2011.

Visits: 447

Compartilhe nas redes:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

COLUNISTAS

COLABORADORES

Abrahim Baze

Alírio Marques