Manaus, 29 de março de 2024

Antogildo – mártir da ditadura

Compartilhe nas redes:

Verdade é um termo subjetivo que o próprio Jesus não soube ou não quis definir. É o que apreendemos de Seu julgamento, segundo o Evangelho de João 18,38. “Disse o Mestre a Pilatos: Vim ao mundo para dar testemunho da verdade. Todo o que é da verdade, ouve a minha voz. Disse-lhe Pilatos: Que coisa é a verdade?” E Jesus silenciou.

No mundo profano, Verdade é tudo que está em conformidade com o real, com o exato, com o factível. É a irmã gêmea da Justiça (a virtude de dar a cada um aquilo que é seu).

Faço essa introdução a propósito do trabalho do professor J. R. López (meu querido amigo-irmão Zé Raimundo), intitulado “Que verdade é essa?”, postado aqui, nesta Seção Geral. Para quem não o conhece, José Raimundo Lopes (essa a sua identidade) é meu conterrâneo de Itacoatiara. Filho do saudoso contador e ex-vereador à Câmara Municipal de Itacoatiara (1952) Pedro Chagas da Costa. Ilibado, herdou do pai a inteligência e a coragem.

A velha Serpa, o Amazonas e a Democracia muito devem ao meu amigo. Radialista, repórter e produtor cultural, graduado em Estudos Sociais, Jornalismo, Pedagogia e História, além de pós-graduado em Educação de Jovens, Supervisão Escolar e Gestão Ambiental, ajudou na fundação da Rádio Comunitária Pedra Pintada, de sua terra natal. Antes de se transferir à capital, foi tudo na nossa cidade. Até “revolucionário”. Juntos, eu, ele e um punhado de “malucos” ousamos enfrentar a ditadura e marcamos posição no velho MDB. Ele inclusive incursionou pelo velho Partidão…

Entre seus múltiplos afazeres, Zé Raimundo exerce missão no setor de Mídias da SEDUC, em Manaus. No local, vi-o, certo dia, cercado de uma parafernália eletrônica dirigindo lições para jovens do interior. Parecia o William Bonner… Levei a notícia ao Davizinho (David Pereira Braga Filho), outro amigo comum de Itacoatiara. Ele gostou de saber que temos um amigo Bonner…

Pois não é que o professor J. R. López agora se insurge contra a Comissão da Verdade? É o seu estilo. E está coberto de razão. Sim, porque, conforme expressado nos dias correntes pelo colunista de “Veja” J. R. Guzzo, “Vai ficando cada vez mais distante, no Brasil, a época em que existia uma fronteira clara entre o bem e o mal – o certo estava de um lado e o erro estava do outro, e por aí se costumava parar” (Revista Veja 2274, de 20.06.2012).

O Comitê Amazonense da Comissão da Verdade – que já tem agendado a análise do assassinato de Thomás Meirelles e do massacre dos Waimiri-Atroari – ainda não deu vez e voz ao Zé Raimundo. E olhe que o meu amigo tem assento nessa agremiação! O seu desassossego é procedente, então.

É imperioso que se faça incluir na pauta do Comitê Estadual da Verdade o caso Antogildo. Para contribuir modestamente com o assunto, informo que às páginas 298/299 do meu livro “Cronografia de Itacoatiara”, 2º volume, Manaus, 1998, consta o seguinte:

1964: 08 de abril – Em circunstâncias misteriosas, morre no Rio de Janeiro o grande líder sindical filho de Itacoatiara Antogildo Paschoal Vianna (1927-1964. Filho de Ranulfo Viana (1904-1991) e de dona Elvira Pascoal Viana (1904-1981), Antogildo fez o curso primário nesta cidade (no grupo escolar “Coronel Cruz”) e em 1942 transferiu-se para Manaus, onde prestou exames para ingresso na Escola Técnica Federal do Amazonas. Especializado em legislação trabalhista, no período anterior ao golpe de Estado de 1964 movimentou-se intensamente em defesa dos trabalhadores do Amazonas, especialmente a classe dos estivadores. Em razão de sua luta e de seu ideal, até hoje é considerado como um dos mais destacados líderes sindicais do País. Por isso, foi muito perseguido pelas forças da intolerância. No momento da deflagração do movimento militar que depôs o presidente João Goulart, de quem era amigo pessoal, Antogildo Vianna estava no Rio de Janeiro exercendo o cargo de tesoureiro da Federação Nacional dos Estivadores. No dia 08 de abril de 1964, uma semana após a “vitória” dos militares, seu corpo caiu do alto do prédio do IAPETC – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários e Empregados em Transportes e Carcas, no bairro carioca do Bonsucesso. As circunstãncias da morte de Antogildo até hoje permanecem misteriosas, mas a memória do grande líder sindical amazonense é sempre lembrada por aqueles que se dedicam à causa da classe trabalhadora brasileira. Dados subsidiários: Ranulfo Viana (pai) foi sacristão da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Itacoatiara, em 1917/1925, sob o comando do vigário padre Joaquim Pereira (português), e servidor da Empresa de Navegação Loide Brasileiro (agência de Itacoatiara: 1926/1942 e agência de Manaus: 1942/1945). Antogildo veio para Manaus em companhia de seus pais e de seus 09 irmãos, entre os quais o mais tarde advogado e alto servidor do SESP (Serviço Especial de Saúde Pública) José Aldo Paschoal Vianna e da então futura enfermeira e professora da Escola de Enfermagem de Manaus, Maria Helena Paschoal Vianna.

******

P.S. Meu caro professor Zé Raimundo. Os dados contidos nas linhas seguintes são para ilustrar um possível texto seu sobre O Principado de Itacoatiara: Professor doutor Ozório José de Menezes Fonseca. Ex-diretor-geral do INPA (1955-1999) e atualmente professor de Direito Ambiental da UEA. Nasceu em Manaus, mas passou sua infância em Itacoatiara, onde fez o curso primário no grupo escolar (atual Escola Estadual) “Coronel Cruz”. Orgulha-se de haver integrado o Principado de Itacoatiara. Filho do ex-prefeito de Itacoatiara Osório Alves da Fonseca (1889-1960) e da professora e ex-diretora daquele tradicional estabelecimento de ensino Francisca de Menezes Fonseca (1906-1988). Graduado em História Natural pela UNESP, Mestre em Ecologia pela UFRGS e Doutor em Ecologia e Recursos Naturais pela UFSCar. No ano passado lançou a monumental obra “Pensando a Amazônia”, editada pela Editora Valer. // Quando, no início de 1997, no hall da Biblioteca Pública do Amazonas, por gentileza da Secretaria de Cultura do Amazonas, deu-se o lançamento da segunda edição de meu livro “Itacoatiara. Roteiro de uma cidade”, em emocionada sessão presidida pelo nosso valoroso conterrâneo Totônio Ausier e sob os acordes musicais de uma banda vinda de Itacoatiara, da qual participavam Eliezer Farias, Luiz Bacurau, João Sabino e outros honrados músicos de lá – entre os inúmeros membros da colônia itacoatiarense presentes um dos mais entusiasmados era o doutor Ozório Fonseca. Você não avalia a emoção que ele passa para a gente quando se refere sobre o seu (o nosso eterno) Principado…

Compartilhe nas redes:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

COLUNISTAS

COLABORADORES

Abrahim Baze

Alírio Marques