Manaus, 19 de abril de 2024

136 anos da Abolição dos Escravos no Amazonas – Quatro anos antes da Lei Áurea

Compartilhe nas redes:

No ano de 1884, a Grande Benemérita Loja Simbólica Amazonas n. 2 e Grande Benemérita Loja Simbólica Esperança e Porvir n. 1, foram as que mais desenvolveram suas ações abolicionistas.

O Amazonas possuía, em relação às outras províncias, pequenas quantidades de escravos. Fácil, portanto, a propaganda abolicionista. Tal situação estimulava os maçons (pedreiros livres) a entrarem em ação.

Em março de 1880, fundaram a “Sociedade Emancipadora Amazonense” a qual teve como fundadores: Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, Miguel Gomes de Figueiredo, José Coelho de Miranda Leão, José de Lima Penantes e Augusto Elísio de Castro Fonseca. Por influências de maçons, no seio da Assembleia Provincial, desde o ano de 1880 até 1884, todos os orçamentos consignavam dotações específicas, na lista de suas despesas, destinada à libertação, cujas cartas de alforria eram entregues sempre em festas solenes para maior retumbância do acontecimento. Por disposições legais dificultavam-se a entrada de escravos no território amazonense. Por isso, taxas pesadas eram decretadas. O tributo de averbação por venda de escravo tornou-se mais difícil para se evitar que tais negociações continuassem. Rara era a festa, regozijo público ou particular que não fossem marcadas com a entrega de carta de alforria.

No ano de 1884, a Grande Benemérita Loja Simbólica Amazonas n. 2 e Grande Benemérita Loja Simbólica Esperança e Porvir n. 1, foram as que mais desenvolveram suas ações abolicionistas. Maçons dessas duas lojas seriam os autores da Lei de 24 de abril de 1884, que consignou a quantia de trezentos contos de reis, dentro de um orçamento de dois mil e quinhentos contos para completar as alforrias e, ao mesmo tempo, proibir a entrada de novos escravos na Província do Amazonas. Buscando um fortalecimento ainda maior para seus ideais, fundaram também a “Sociedade Libertadora 25 de março” e o órgão de imprensa o “Abolicionista Amazonense” que teria, no seio da opinião pública, a devida repercussão. Vários foram os maçons que se destacaram nesse movimento emancipador, entre eles destacamos: Carlos Gavinho Viana, Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, Antônio Dias dos Passos, Deocleciano Justo da Mata Bacelar, Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt, Maximiniano José Roberto, Gentil Rodrigues de Souza, João Carlos Antony, Pedro Ayres Marinho, Antônio Hosannah de Oliveira, Francisco Públio Ribeiro Bittencourt e Antônio Ponce de Leão.

Para melhor compreensão do teor do documento que fora escaneado, por parte dos leitores de hoje, transcrevemos o texto original da carta de alforria retirada da Ata da Grande BeneméritaLoja Simbólica Amazonas n. 2.

“… A glória do Supremo Arquiteto do Universo. Grande Benemérita Loja Simbólica Amazonas n. 2. Sessão Magna Extraordinária em 29 de março de 1884 (E. V.) Balaústre n. 32.

Presidência do Respeitável Irmão Venerável Mestre Francisco Publio Ribeiro Bittencourt, Gr. 13.

Presentes os irmãos inscritos no respectivo Livro de Presença e bem assim os visitantes, abriu-se a Loja em um só golpe de malhete, declarou o Respeitável Mestre que o objetivo da presente sessão era a entrega de Cartas de Liberdade, este usando da palavra proferiu um eloquente discurso análogo ao ato, em seguida entregou as ditas cartas ao Respeitável Irmão Theodoreto Carlos Faria Souto, Gr. 13, para entrega-las aos diletos libertados, essas confrarias, cheias de ardor passou às mãos dos ditos escravos, que receberam-as como verdadeiro contentamento, razão depois do irmão Bento Aranha relator da Comissão da “Augusta Loja Capitular Esperança e Porvir” n. 1, Pedro Aires Marinho, João Marques de Lemos Bastos, Rosemberg de Paula Marques e Justino de Paula Marques, circulou o tronco de Beneficência e Proff. E colheu a medalha de 50.520,00, que ficou a cargo do irmão Hospitaleiro. Ao ato compareceram grandes números de famílias e bem assim de visitantes Proff. Durante o ato tocou no jardim do edifício a Banda de Musica do Terceiro Batalhão, sendo no fim servido um modesto copo de água as Exma. Famílias e bem assim as demais pessoas que ali presentes reinando sempre a melhor harmonia e nada mais havendo a tratar encerrou-se a sessão.

Venerável Francisco Públio Ribeiro Bittencourt Gr 13. 1 Vigilante Manoel Honorato dos Santos Gr 13 2 Vigilante Manoel Brígdo dos Santos Gr 3. Horador Manoel da Silva Campello Gr. 13 Secretário Leopoldo Adelino de Carvalho Gr 12.

(Ata original da Grande Benemérita Loja Simbólica Amazonas n. 2)

No dia 10 de julho de 1874, há 136 anos, foi decretado por um maçom que governava a Província do Amazonas, o Doutor Theodoreto Carlos de Faria Souto, a extinção da escravidão. Esse fato foi um acontecimento que se revestiu de alta significação social e política pelas suas benéficas consequências. O processo escravagista sempre foi praticado como forma de dominação do homem pelo homem. Sua repercussão, no Amazonas, data da época da integração à antiga Província do Grão-Pará até a sua autonomia. Essa atividade marcou época tanto na capital como no interior, apresentando manifestações das mais variadas.

Liberdade e escravidão se antagonizam, ferindo os princípios da sublime instituição que prega: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Porém, não era fácil conduzir os anseios da maçonaria, pois se vivia em uma sociedade que criava vários cerceamentos das mais diversas formas. Se de um lado havia a necessidade da mão de obra barata, de outro lado a maçonaria conspirava para o final de um mercado altamente rendoso. A escravidão que veio dos períodos idos, em nosso caso, teve grande eficácia cujos exemplos estão respaldados em farta documentação cartorial, como por exemplo, negócios de compra e venda, ação de pagamento, disposições testamentarias, procedimento de libertação e também como dote nupcial. Vale ressaltar que, no Amazonas, não havia um número expressivo de escravos. Esse fato justifica-se pela interferência dos Deputados Provinciais que, em nome da Maçonaria, criavam leis dificultando a entrada de novos escravos na Província do Amazonas. Esse cenário, porém, não diminui o grande empenho da Instituição chamada Maçonaria. Essa, nessa fase, foi fortemente atingida pelos reflexos que norteavam os senhores das terras, cuja exploração fez da maçonaria importante instituição no combate à escravidão, em todo Brasil.

O homem escravo de outro homem, por destinação legal das leis vigentes no Brasil, viveu, sofreu e existiu aqui, como coisa susceptível de negócios e transações das mais diversas, a mercê da vontade desumana do seu dono e senhor. Dono este que livremente dispunha do seu destino, aponto de decidir sua própria vida. Nos extremos das ideias conflitantes, torna-se a Maçonaria uma instituição ligada ao passado escravagista e de grande importância também no contexto da história do Amazonas. Dessa forma, ela, em sua plenitude, exprimiu sua crença na presença imutável de Deus, no sagrado ensinamento de que todos os homens são iguais.

O Primeiro Congresso Abolicionista do Brasil aconteceu na Província do Ceará, em 26 de maio de 1881, na cidade serrana de Maranguape, com a participação de 123 membros, todos com discursos eloquentes, firmes na proposta e nos ideais maçônicos de promover a abolição de escravatura no Brasil.

Na sessão de instalação, uma figura se destacou e prendeu a atenção dos sertanejos, já atraídos pela fama desse personagem. Francisco do Nascimento, o jangadeiro que consolidou o bloqueio do Porto do Ceará aos cativos. Homem modesto e calado, mas de aspecto agradável, lembrando aqueles velhos comandantes de barcos holandeses. Naquele período, ninguém ousava embarcar mercadoria humana diante dos olhos daquele molosso do oceano. “Ameaçavam-no com perseguições e intimidavam-no também com uma ação judicial por crime de sedição.”(Apude Flora Araújo Melo, Estudo sobre o Negro Brasileiro).

Os documentos adormecidos no silêncio dos arquivos cartoriais nos estimulam e orientam ao estudo do assunto escravagista e, ao mesmo tempo, nos mostram o panorama típico da sociedade existente à época, pela formulação de termos técnicos, com riquezas de detalhes, que impressionam. No cartório do então Termo de Humaitá, pertencente à Comarca de Manicoré, noAmazonas, encontram-se registradas testemunhas diretas da história da presença dos escravos no local. No local, podemos colher elementos reais, com a especialidade de atestatórios dos átrios jurídicos relacionados à pesquisa, que transcrevemos na íntegra, inclusive, mantendo a ortografia da época para não macular os fatos históricos relativos à compra e venda dos escravos que habitavam o Amazonas.

” … No anno de nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de um mil oitocentos e oitenta aos dezessete dias de fevereiro do mesmo ano, neste lugar Humaythá, termo de Manicoré, na casa de minha residência, foram presentes José Gusmão da Silva Amaral como vendedor e como comprador Lúcio Antunes Maciel. E logo pelo vendedor José Gusmão da Silva Amaral, foi dito que o senhor é possuidor do escravo de nome Victor, mulato, solteiro, vinte e dois anos de idade, natural de Goyaz e residente neste Rio Madeira e delle faz venda com os seus achaques Lúcio Antunes Maciel pelo preço e quantia de oitocentos mil-réis, que recebeu do comprador e como se acha pago e satisfeito, transfere por isso na pessoa do comprador toda a posse, domínio, jus a ação que nelle tinha, pra que o logre, por sua goze e desfrute como seu que fica sendo desde hoje e para sempre. Acha-se o dito escravo matriculado na Província do Pará, município da capital, parochia da Sé, com o número 497, da Matrícula Geral e 10 da relação e averbado na Meza de Rendas de Manicoré de 10 de fevereiro do corrente. Foi pago à agência provincial ambulante e viza respectiva, como se vê no bilhete de 17, sob o número 43″.

“… Compareceram Antônio Albano do Lago, representado por seu procurador bastante nesta cidade Manoel Alves dos Santos, como vendedor e Manoel Gonçalves Ferreira, como comprador e foi dito perante a mim e as testemunhas que sendo o seu constituinte senhor e possuidor de uma escrava de nome Marcelina de cor cafuza e idade de 25 anos, natural da cidade de Óbidos, filha da escrava Theodora com uma filha por baptizar, de sete meses de idade também nascida em Óbidos, fazia venda da supradita escrava Marcelina com a referida filha, lavradas as Folhas 9 e 10 do Livro de Nota do primeiro Oficio, de Manáos, 20 de abril de 1868.

” … Carta de Liberdade de João de Barros Rodrigues conhecido por seus senhores Rodrigues e filhos e Rosa Rodrigues Pinhero. Declaramos nós abaixo assignados que nesta data damos liberdade em recompensa de nos ter servido bem durante longos anos, podendo de hora em diante gozar de sua liberdade plena, para que em todo o tempo não aja qualquer dúvida, passamos o presente e assignamos na presença das testemunhas. Tabocal, 06 de fevereiro de 1875. Tinha uma estampilha de duzentos reis inutilizada. Rodrigues e filhos – arrogo da excelentíssima senhora dona Rosa Rodrigues Pinheiro, Francisco Antônio Delgado. Como testemunhas. Leonol Pedro da Motta, Luis dos Santos Marinho Filho, Torquato Pereira de Magalhães. Está conforme o original que me entregou a pessoa que me o apresentou nesta cidade de Manáos aos vinte e sete dias do mês de abril, de 1876. Eu, Olympio José de Menezes, que a escrevi e firmo com meu signal público de que uso em testemunho da verdade. O tabelião Olympio José de Menezes, Livro de Notas n, 1 Folha 14, do Cartório de Tabelião Dr. Milton Nogueira Marques.

(Ata original da Grande Benemérita Loja Simbólica Amazonas n. 2 que está transcrito acima.)

(BAZE, Abrahim. Escravidão – O Amazonas e a Maçonaria edificaram a história. Manaus: Editora Travessia, 2001.)

Visits: 131

Compartilhe nas redes:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

COLUNISTAS

COLABORADORES

Abrahim Baze

Alírio Marques