Manaus, 18 de maio de 2024

Viagens presidenciais (e de presidenciáveis) a Itacoatiara (1)

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Este artigo é o início de uma série de outros tratando dos presidentes da República que visitaram o Município de Itacoatiara ao longo do século XX. Da relação constam alguns renomados políticos da época que, aquilatando o subido desejo de concorrer à cadeira presidencial, também por aqui transitaram.

A cidade-sede do Município de Itacoatiara completará 333 anos em setembro deste ano de 2016. Ela veio de uma aldeia missionária criada pelos jesuítas no Rio Mataurá em 1683; transferida para o Rio Canumã em 1691; para o Rio Abacaxis em 1696; para o baixo Rio Madeira em 1757; e para o local onde está assentada em 1758; que sucedeu à vila de Nossa Senhora do Rosário de Serpa, instalada em 1759; que recebeu o foral de cidade em 1874.

Estrategicamente localizada à margem esquerda do grande Rio Amazonas (“na estrada real dos sertões” amazônicos – conforme carta de Mendonça Furtado, datada de 04/07/1758), Itacoatiara é um importante porto receptivo e escoador do País. Essa condicionante, além de favorecer a integração da cidade com o mundo exterior, elevando-a nos campos da geopolítica, da historiografia, da economia, da sociologia e da cultura geral, enseja o fortalecimento da amizade e da paz construídas na relação entre seus habitantes e os diversificados grupos humanos regionais, nacionais e estrangeiros que aqui chegam, periodicamente. Assim, Itacoatiara está plenamente inserida na geografia mundial, é uma aglomeração importante, lugar onde param habitualmente autoridades públicas em missão oficial, além de pesquisadores, elementos da política, da administração, do direito e da justiça, oriundos do sul do País e até do exterior – muitos vieram para aventurar ou motivados pela curiosidade, ora em razão de seus deveres profissionais, e outras vezes de passagem em demanda da capital amazonense.

Há no rol dos visitantes mais ilustres até presidentes da República. Porém, antes de prolatarmos o tema, julgamos oportuno abrir agora o seguinte parêntese:

Durante o período colonial português, entre a fundação do núcleo jesuítico em Mataurá e a véspera da instalação da vila de Serpa (atual Itacoatiara), apenas dois chefes de Estado transitaram pelo território que mais tarde iria compor este Município: 1) o governador do Maranhão e Grão-Pará, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho (1655-1725), em março de 1697, quando de uma longa viagem pelos sertões do médio/alto Amazonas, tendo por objetivo travar o avanço espanhol pelo Rio Solimões; e 2) o governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado (1700-1769), em dezembro de 1754 e abril de 1758. Então, o Estado do Maranhão e Grão-Pará havia virado “Grão-Pará e Maranhão” e sua sede foi transferida de São Luís para Belém. Mendonça Furtado empreendeu duas viagens ao alto Rio Negro: a primeira (1754) para estudar e demarcar os limites entre Portugal e Espanha, em decorrência do Tratado de Madri de 1750; e a segunda (1758) para instalar a Capitania de São José do Rio Negro (raiz do atual Estado do Amazonas), criada em 1755 e subordinada ao Grão-Pará, e dar posse ao governador Joaquim de Mello e Póvoas (c.1723-c.1783). Em seguida, Mendonça Furtado viajou para Lisboa onde foi servir como secretário de Estado; mas, antes, deixou instruções para o governador Mello e Póvoas instalar a vila de Serpa, cuja solenidade ocorreu exatamente no dia 1º de janeiro de 1759.

Por outro lado, durante o Império (1822-1889), o Estado do Amazonas (inclusive o Município de Itacoatiara) jamais foi visitado pela principal figura do regime: o imperador. No segundo reinado, seu titular Dom Pedro II (1825-1891) veio até Belém em 1876, e o único familiar mais próximo da realeza que visitou o Amazonas, em julho de 1889, ou seja, quatro meses antes da proclamação da República, foi Gastão de Orléans, conde d’Eu (1842-1922). Nobre francês, Gastão tornou-se príncipe imperial consorte do Brasil, por seu casamento com a princesa Isabel Cristina Leopoldina de Bragança (1846-1921). Herdeira direta do trono de seu pai foi na condição de regente que Isabel Cristina praticou um de seus maiores atos: assinar a Lei Áurea e abolir a escravatura no Brasil em 13 de maio de 1888.

Viajando no vapor “Alagoas”, o conde d’Eu chegou a Manaus em 03 de julho de 1889 e, dias depois, seguiu viagem pelo Rio Solimões chegando até a fronteira com o Peru. Retornando a Manaus completou o protocolo e, finalmente, no dia 14 empreendeu viagem de volta ao Rio de Janeiro, embarcado no vapor “Cumari”. Vulto impopular, o genro do imperador Dom Pedro II foi recebido com reserva pelos amazonenses. Somente ao retornar de Manaus, parou ligeiramente em Itacoatiara, mas permaneceu a bordo recolhido em seu camarote. Uma viagem improdutiva, sem dúvida, que não revelou muito sentido. Aqui fechamos o parêntese.

PRESIDENTE AFONSO PENA

Afonso Pena, a despeito de não estar empossado na chefia da nação, foi o primeiro presidente da República a conhecer o Amazonas. Segundo registros na imprensa da época, “sua viagem aos estados do norte e nordeste, além de concretizar um alimentado sonho de conhecer a realidade mais distante do país e sinalizar para o estreitamento dos laços federativos, fulminava o costume de opção pelo caminho da Europa, plano de viagens sempre utilizado pelos seus predecessores” (1).

O presidente, viajando no Maranhão, navio de primeira classe do Lloyd Brasileiro (2), partiu do Rio de Janeiro no dia 16 de maio de 1906, subiu o litoral e, fazendo alguns trechos em trem especial, visitou sete estados nordestinos, alcançando Belém em 21 de junho. Em seguida atracou em Santarém, donde zarpou na manhã de 24 rumando em direção a Manaus. O navio oficial vinha sob o comando do capitão-tenente Manoel Pacheco de Carvalho Júnior (3).

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(1) Afonso Pena, pouco antes de embarcar havia sido proclamado presidente pelo Congresso Nacional, consequência das eleições diretas de 01/03/1906 em que obteve 288.285 votos, cifra bastante inferior àquela que recebera no pleito de 18/02/1903 (652.247 sufrágios), elegendo-o vice-presidente da República do governo Francisco de Paula Rodrigues Alves (1848-1919), em substituição a Francisco Silviano de Almeida Brandão (1848-1902), que falecera antes de ser empossado.

(2) Lloyd Brasileiro S/A – empresa estatal de navegação de grande cabotagem, sediada no Rio de Janeiro, sucedeu à Companhia Brasileira de Paquetes. Extinta na década de 1960, seus navios começaram a chegar em Manaus em 1883, após escalas em Belém, Santarém e Itacoatiara. A 1ª guerra mundial e a crise da borracha fizeram diminuir esse movimento e a 2ª guerra quase anulou as relações dos portos da Amazônia com os do sul do país, a ponto de virem para cá um navio cargueiro por mês e um misto de três em três meses. O Maranhão foi construído em Glasgow/Inglaterra em 1887 e adquirido pelo Lloyd em 1897. Arqueando 1.916 toneladas, possuía as seguintes características: 83 m. de comprimento, 11 m. de boca, 6,55 m. de pontal, 3,92 m. de calado médio, 2.292 cavalos, 4 caldeiras e 37 tripulantes.

(3) A excursão presidencial durou cerca de 65 dias. Na vinda para o Amazonas foram visitadas 15 cidades da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Na volta, ele cumpriu programação em Belém, São Luiz e Caxias/MA, Teresina e Botutóia/PI, novamente Recife, Vitória/ES e, por terra, Niterói/RJ. Depois de pequena pausa para descanso no Rio de Janeiro gastou outros 30 dias visitando os estados do sul do Brasil. Marca inédita, jamais repetida por outro presidente brasileiro!

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Afonso Pena não trazia grande comitiva. Moderado, antes de partir do Rio de Janeiro recomendou para que não promovessem festas à sua chegada. Além de seu filho e secretário particular, Álvaro Pena, acompanhavam-no os assessores Aarão Reis, Sá Freire e Álvaro da Silveira, o 1º tenente Aarão Reis Júnior e o médico Carlos Dutra Vaz. Seguiam-no, também, quinze jornalistas do exterior e do centro-sul do País, além de outro do Estado do Pará.

Affonso Augusto Moreira Penna 

Período de governo: 15/11/1906 a 14/06/1909.

Nasceu em Santa Bárbara/MG aos 30/11/1847. Bacharel em direito, deputado provincial (1874/1889), ministro da Guerra (1882), ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas (1883/1884) e ministro da Justiça (1885).  Membro da comissão de organização do Código Civil brasileiro (1888), fundador e primeiro diretor da Faculdade de Direito de Minas Gerais (1892). Governou seu Estado natal (1892/1894), presidiu o Banco do Brasil (1895/1899) e tornou-se vice-presidente da República (1903/1906). Eleito presidente da República em 01/03/1906, assumiu em 15/11/1906. Faleceu no Rio de Janeiro, em 14 de junho de 1909, sem concluir seu mandato presidencial.

Nesse período, Afonso Pena interviu na política do café e valorizou o preço do produto; deu continuidade ao programa iniciado por seu antecessor, Rodrigues Alves, de reaparelhamento das ferrovias e dos portos; e reorganizou o Exército, sob a supervisão do ministro da Guerra, general Hermes Rodrigues da Fonseca (1855-1923). Também disponibilizou os recursos necessários, em 1907, para que Cândido Rondon (1865-1958) realizasse a ligação do Rio de Janeiro à Amazônia pelo fio telegráfico.

Ao adentrar no território amazonense, à altura da serra de Parintins, precisamente às 23:00 horas de 24 de junho, o Maranhão foi  saudado  pelo navio  da  frota  estadual  Cidade  de  Manáos, que  levava  a  comissão  de recepção  do  governo  do  Amazonas.  Seus integrantes eram José da Silva Gayoso, representando o governador do Estado; Raul de Azevedo, representando o presidente do Congresso Estadual; José Raposo da Câmara, representando o presidente do Superior Tribunal de Justiça; Thaumaturgo Vaz, representando o superintendente (prefeito) de Manaus; os capitães Bruno Batista e Benjamin Rodrigues Sodré, o 2º tenente Francisco Eugênio Wanderley e o alferes Muniz Mendes.

Do Cidade de Manáos os emissários amazonenses passaram imediatamente para o navio oficial. A bordo deste, estiveram com o presidente discutindo pauta de reivindicações levadas em nome do governo do Estado. No almoço, Afonso Pena expressou a satisfação de estar, naquele momento, navegando pelo famoso Rio Amazonas, cujas “águas caudalosas facilitando a pressão das máquinas a vapor, impeliam o Maranhão a chegar sem atropelos”. Medindo o tempo até ali percorrido, o comandante Manoel Pacheco calculava que ao meio da tarde o paquete do Lloyd ultrapassaria Itacoatiara e às 19:00 horas fundearia defronte à vila de São José do Amatari (4).

O entorno da povoação sediava a colônia “Pedro Borges”, instalada em 1879, e trabalhada por várias famílias cearenses que migraram premidas pelas secas inclementes do Nordeste e/ou atraídas pelos vantajosos preços da borracha e da castanha (seringais e castanhais proliferavam nas ilhas próximas ao Rio Urubu). Os serviços de medição e titulação das terras da colônia começaram em 1902 e se estenderam até o ano seguinte – uma ação da Repartição de Terras e Colonização do Estado, sediada em Manaus, então dirigida por Alberto Rangel (1871-1945), engenheiro e escritor (5), auxiliado por Vicente de Mendonça Lima (1881-1976), professor (6) e gestor de uma escola de primeiras letras destinada a ensinar crianças e jovens da comunidade. Também foram incentivadas a fruticultura, a pesca e a produção de farinha. Certamente, isso tudo foi explicado ao presidente.

A permanência da comitiva oficial em São José do Amatari, embora curta, permitiu que um grupo de pessoas fosse a bordo cumprimentar Afonso Pena e entre os que o recepcionaram estavam o superintendente municipal Luiz Stone (7), outros agentes políticos de Itacoatiara, comerciantes e agropecuaristas, além de comunitários do lugar. Pouco depois, o barco dos caravaneiros sairia para amanhecer em Manaus.

Segundo revelado pelo “Jornal do Comércio”, de 27/06/1906, o presidente “chegou às 06:45 horas do dia 26 e, introduzido no seio da capital amazonense, foi recepcionado pelo governador Constantino Nery (1859-1926), todo o mundo oficial e grande massa popular”. Em seguida, Afonso Pena “foi encaminhado ao palacete Silvério Nery (8), destinado à sua pousada”.

Os dois dias e meio de sua estada em Manaus foram de intensa programação recheada de reuniões, banquetes, passeios e homenagens. A constatação do progresso de uma capital plantada no meio da selva levaria Afonso Pena a proclamar: Manaus é uma revelação!

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(4) São José do Amatari – vila e atual distrito municipal de Itacoatiara: fica a 100 quilômetros desta cidade, à margem esquerda do Amazonas. Trata-se de antigo reduto Mura. Missão jesuítica em 1657, povoado em 1833, sediou em 1879 uma colônia agrícola para migrantes nordestinos. Elevado a município em 1963, foi extinto em 24/07/1964. Recriado em fins de 1983, foi novamente extinto em 20/12/1984. Abrigou em 1903/1936 uma agência telegráfica da companhia inglesa The Amazon Telegraph Company Limited. Para aprofundamento da matéria, consultar os livros de Francisco Gomes da Silva: “Centenário de São José do Amatari” (1979); “Cronografia de Itacoatiara”, volumes 1º (1997) e 2º (1998); “Fundação de Itacoatiara” (2013) – além de artigos do mesmo autor sobre o tema, postados na Seção de História deste mesmo blog.

(5) Alberto Rangel nasceu em Recife/PE, e é autor de “Inferno Verde” (1908), uma obra célebre possivelmente ‘desenhada’ em São José do Amatari. Representa literariamente a Amazônia do início do século XX. Nela, o grande ensaísta desconstrói o mito do Eldorado Amazônico, principalmente ao reproduzir as relações entre os homens da região e sua interação com a floresta.

(6) Vicente Geraldo de Mendonça Lima, o popular “Vicentinho Mendonça”: nascido em Maranguape/CE, migrou para o Amazonas no final do século XIX. Autodidata jurídico, em Itacoatiara foi conselheiro de muitas gerações. Ao se instalar com a família no Amatari, em 1902/1903 passou a ensinar às crianças e jovens do local. Mais tarde, em Itacoatiara, exerceria o tabelionato e as secretarias da Câmara e da Prefeitura Municipal. Genitor do falecido jurista e deputado estadual constituinte, Vicente de Mendonça Júnior (1921-2009), e avô da desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Amazonas, Marinildes Costeira de Mendonça Lima.

(7) Luiz Stone era um homem preparado e de posses. Filho do confederado norte-americano Jazon Williams Stone (c.1827-1913), assumiu a Superintendência de Itacoatiara em 25/01/1905 e ficou à testa dela até 24/01/1908. Tenente-coronel da antiga Guarda Nacional, no triênio de 1901/1903 exerceu o cargo de deputado ao Congresso de Representantes do Amazonas, ao lado de outras importantes figuras do mundo político estadual, entre elas o presidente da Casa, coronel Raimundo Afonso de Carvalho (1860-1922), o tenente-coronel Cândido José Mariano e o engenheiro Henrique Antony. Também foi juiz municipal (1891/1892) e três vezes intendente (1890/1891, 1893/1895 e 1914/1916).

(8) Situado na esquina da Rua dos Andradas com a Avenida Joaquim Nabuco, o imponente casarão pertencia a Silvério José Nery (1858-1934) que foi intendente em Manaus, deputado provincial (1882/1889), deputado estadual (1891/1897 e 1908), deputado federal (1897/1899), senador (1904/1907) e governador do Amazonas (1900/1903). Essa gestão operou positivamente em São José do Amatari. Para comprovação, sugerimos consultar as págs. 83 e seguintes do 2º volume da “Cronografia” referida na parte final do verbete (4), acima.

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No dia 28 de junho de 1906, após o almoço e as despedidas de praxe, o Maranhão levantou ferros e partiu do porto de Manaus em direção a Belém. Em menos de duas horas ultrapassou Itacoatiara. Dali a cento e quarenta dias Afonso Pena assumiria a Presidência da República. Seu governo, ao priorizar a administração e relegar a política, amargaria grave crise, acelerada por ocasião da escolha de seu sucessor. Em 14 de junho de 1909 faleceu no Palácio do Catete, após rápida enfermidade, amargurado pelos desgostos da política e a perda de seu filho e oficial de gabinete, Álvaro Pena.

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