Manaus, 28 de março de 2024

Xaveco velho

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Nem mesmo as relevantes funções públicas que assumiu no governo Gilberto Mestrinho o fizeram aprumar-se distante das rodas da boemia.

Não pense o leitor que a expressão que anuncia estas linhas diga respeito a alguma pilhéria ou forma de gozação entre pessoas de antigamente, como tantas outras que ainda resistem ao tempo na memória de vários que experimentaram a vida nos anos 1940, por exemplo.

Essa expressão foi cunhada – não se sabe por quem, talvez por Plinio Coelho contra quem digladiou com veemência, para se referir a um dos intelectuais amazonenses mais brilhantes do seu tempo, que também foi jornalista, médico, militar, orador fulgurante, e a quem o velho mestre Agnello Bittencourt classifica, como toda a razão, como “um dos maiores talentos nascidos no Amazonas.”

Era daqueles em quem cabia como uma luva a imagem-resumo que padre Raimundo Nonato Pinheiro costumava usar quando decidia descer um pouco de sua exuberante erudição vocabular, e o chamava da “multitalento” ou “multifacetada inteligência,” conforme escreveu em algumas de suas crônicas pela imprensa manauense.

Filho de professores, nascido às vésperas de 1910, estudante de medicina no Pará, mas formado na Bahia um ano depois da revolução getulista, coube a ele o discurso oficial de formatura, na mesma faculdade em que Adriano Jorge e Djalma Batista fizeram história. Formado, serviu em vários hospitais e clínicas especializadas em doenças nervosas e mentais e na revolução de 1932 foi chefe do serviço médico do Regimento de infantaria do Rio Grande do Sul, contribuindo, depois e por anos seguidos, no Acre e em Manaus, inclusive, como médico da Força Pública, da Santa Casa de Misericórdia e da Beneficente Portuguesa

Não foi como médico que se notabilizou, mas no jornalismo e na tribuna acadêmica e política, seja no “Diário da Bahia”, no “Imparcial”, “O Dia” e” Diário de Notícias” da terra de Dorival Caymmi e meu amado pai, seja em jornais do Rio de Janeiro e de Manaus. Como intelectual bem formado, foi eleito para a Academia Amazonense de Letras para ingresso na cadeira de Euclides da Cunha e em cujo Silogeu foi recebido por Djalma Batista. Noite memorável, contavam os de antanho. Dois gigantes das letras e cultores do belo se enfrentaram na tribuna azul e doirada.

O temperamento boêmio e grandemente dispersivo, entretanto, marcou sua passagem pela imprensa e pela política, e nem mesmo as relevantes funções públicas que assumiu no governo Gilberto Mestrinho o fizeram aprumar-se distante das rodas da boemia. Sua pena, como se dizia então em relação aos jornalistas que produziam artigos de forte impacto social e partidário, foi vigorosa con tra os adversários de um grupo dos trabalhistas que assumiram o poder no Estado, em lugar de PSD e UDN. Não havia perdão nem meias palavras para classificar os opositores, e, não raro, confrontava antigos correligionários que, por razões próprias, haviam se transferi do para as hostes contrárias. Pode se dizer, distante no tempo e relendo alguns de seus artigos, que foi demolidor, muitas vezes rompendo limites, audacioso, sagaz, ferino, duro, claro e preciso para alcançar os objetivos a que se propunha. Era daqueles que sumia das páginas de jornal, de repente, e do mesmo modo, reaparecia dizendo a que vinha, e sem deixar dúvidas.

Trata-se de Walmiki Ramayana Paula e Souza de Chevalier, o Ramayana de Chevalier, o “Rama” ou como ficou na vida cotidiana das redações, o “Ramayana de Xaveco Velho,” impulsivo e explosivo, brilhante como ele só, singular e plural, esbanjador de talentos, e cujo nome pude conferir à biblioteca do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas.

O que se espera é que essa provocação que recupera esse lado curioso de sua vida, possa ensejar estudos acadêmicos sobre seus artigos e o cenário político da época, pois o Rama bem merece ter seu talento continuadamente reconhecido.

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