Manaus, 19 de abril de 2024

Uma lição do passado

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Quando estive em Lisboa ano passado, fui visitar meu caro amigo, o Marquês da Fronteira, em seu magnífico e bem conservado palácio …. 

…famoso pelos jardins com seus lagos, a galeria de bustos dos reis de Portugal e figuras esculpidas nos arbustos. Para minha surpresa, o Marquês me confidenciou que fizera uma visita a Manaus, nos começos dos anos 70, acompanhado de sua mãe. Hospedaram-se do Hotel Amazonas, mas o que realmente impressionou sua graça foi o Teatro Amazonas. Pense bem, caro leitor: a densa selva tropical, impenetrável, escura, ameaçadora, fardo do homem branco e cenário de aventuras. Então, sem que ninguém espere, ergue-se um prédio imenso, erigido no topo de uma colina. Suas linhas ecléticas e cores fortes provocam tonteira: é a imagem completa de um delírio. Este é o Teatro Amazonas, também conhecido pelo mundo afora como Manaus Opera House. Um milagre arquitetônico que seduziu a alma de um nobre português da velha linhagem. Tão seduzido ficou que lamentou não ter em sua biblioteca nenhum livro que registrasse a grandeza do monumento. E pediu-me que conseguisse um para ele. Prometi, mas sabia que a busca seria inútil. Além do alentado e fundamental livro do professor Mário Ypíranga Monteiro, não exatamente um livro de arte, não há um livro sequer que um visitante mais culto e menos esportivo possa levar de lembrança, para folhear no recesso de seu lar a inesquecível visita ao Teatro Amazonas. Até hoje ninguém tentou corrigir esta absurda lacuna, que depõe contra as autoridades nativas do setor de turismo, mas lembro que o jornalista Domingos Demasi Filho aceitou o desafio e escreveu um belo texto, conciso, informativo e, em alguns momentos, evocativo e poético. A ideia era que o texto fosse depois traduzido para o inglês, francês e espanhol e publicado em quatro cores com muitas fotografias a serem feitas por um dos nosso talentosos fotógrafos. É claro que o projeto foi devidamente abatido pela falta de verba, que é a eterna cantilena quando se trata de cultura nestas longitudes. O nosso azar é que estamos muito distante do meridiano de Greenwich, e nesta latitude cultura e arte são as primeiras vítimas das crises. Mas diria que a nossa sorte é que para os barões do Látex cultura e arte eram artigos de primeira necessidade, e seus políticos tinham visão acima do horizonte para politicamente decidir erigir urna obra que ainda hoje é motivo de assombro. Mas um assombro provocado por uma economia que tinha o recurso para investir, recurso que saiu dos cofres do estado, não empréstimos federais ou bancários. Em preços da época custou 400 mil libras esterlinas. Não creio que haja economista capaz de calcular isso em nossa moeda, mas tenho quase certeza que os gastos, inclusive os desvios e propinas, que já faziam parte dos negócios, foram amplamente ressarcidos em menos de uma década. Que meus sete leitores não tomem isso como provocação, mas façam uma, comparação com os gastos com a Arena da Amazônia e tirem suas conclusões. E vale lembrar que na mesma época os administradores estavam cuidando de saneamento básico, transporte público moderno e executando uma estrutura urbana planejada que resiste até mesmo às agressões da Barbárie Zona franquense. O fato de políticos terem decidido construir um teatro hoje parece absolutamente despropositado. Ainda mais quando se sabe que a decisão foi justificada como uma necessidade. Por isso, nesses 120 anos de vida, o Teatro Amazonas é como um dedo apontado para a nossa medíocre modernidade. Um lampejo de civilização na escuridão de nosso ruminante atavismo.

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