Manaus, 16 de abril de 2024

Tudo é absurdo

Compartilhe nas redes:

*Roberto Pompeu de Toledo

Agosto costumava ser o mais cruel dos meses na política brasileira. Este agosto promete ser o mais pachorrento dos meses. Mal passada a metade do mês e o colunista arrisca quebrar a cara, mas todo o frenesi e o sentido de urgência trazidos pelas passeatas de junho parecem se ter dissipado ao morno solzinho de agosto.

O governo prometia agir e disparou projetos como o serial killer dispara balas. O Congresso sepultou a PEC 37 e prometeu muito mais. Iniciado agosto, a presidente Dilma proclama seu respeito ao ET de Varginha, e a única questão que mobiliza o Congresso é o projeto de tomar obrigatório o pagamento das emendas apostas por parlamentares ao Orçamento.

“Tudo é absurdo, mas nada é chocante, porque todos se acostumam a tudo”, escreveu Rousseau em A Nova Heloísa.

O Judiciário é um caso à parte. Entre a glória e a desmoralização, o Supremo Tribunal Federal equilibra-se num estreito fio. Da denúncia do Ministério Público, em abril de 2006, à sua aceitação pelo relator do processo do mensalão, em agosto de 2007, transcorreram dezesseis meses. Entre a aceitação da denúncia e o início do julgamento, em agosto de 2012, foram cinco anos. Mais quatro meses e, em dezembro de 2012 o julgamento chega ao fim, com 25 condenados.

Alívio.

Enfim, conseguimos.

Não, não conseguimos.

Falta a publicação do acórdão.

Como ninguém é de ferro, é preciso calma para que cada ministro reveja o texto de seus votos, medite, pondere. Mais quatro meses se escoam.

Em abril, aleluia, o acórdão é publicado. Abre-se o prazo para os réus apresentarem seus recursos.

O.k., é rapidinho: só dez dias. Agora, é só marcar o julgamento.

Passa um mês, passam dois, passam três, e só no último dia de julho o presidente do Supremo marca para 14 de agosto, esta quarta-feira que passou, o início da nova fase.

Os réus já não foram condenados? Foram. As penas já não lhes foram atribuídas? Foram. O que pode mudar, então, com os embargos declaratórios e, quem sabe, se forem aceitos, mesmo com os que atendem pelo assustador nome de infringentes?

É o que a plateia gostaria de saber, mas mesmo quem está no palco não sabe responder.

Vá explicar a um estrangeiro que um processo se arrasta por seis anos, enfim chega ao fim, mas o fim não é o fim, é um fim que prenuncia um recomeço, e o recomeço sabe-se lá quando terá seu fim. Já nós brasileiros estamos acostumados. É absurdo, claro, mas não é chocante.

O Supremo acompanha o passo habitual do país. Nada é urgente. Nunca se deu sentido de urgência ao escabroso problema da educação. A capa da última VEJA chamou atenção para o morticínio nas estradas. Nunca se deu sentido de urgência à repressão aos assassinos do volante.

A promessa de reação fulminante à voz das ruas foi só um espasmo. Para ajudar os poderes constituídos, os black blocs entraram em ação e desencorajaram quem ainda pretendesse sair em passeata. Agosto nos traz de volta à pasmaceira característica. O escritor mexicano Alfonso Reyes aconselhava manter sempre uma pasta com o título: “Papeles que el liempo arreglará”. As coisas são muito complicadas. Um dia resolvem-se por si.

Para o poeta T.S. Eliot, num dos mais famosos versos do século XX, abril era o mais cruel dos meses. O escritor e jornalista americano John Darnton, então jovem correspondente do The New York Times na África, ouviu dizer que Robert Mugabe, comandante da guerrilha que combatia o governo branco da Rodésia (o futuro Zimbábue), era leitor de Eliot. Mais um motivo para querer entrevistar aquele desconhecido líder, que tinha sua base em Moçambique.

Darnton fez as perguntas de praxe, a situação da guerrilha, o apoio e a falta de apoio internacional, e, no fim, querendo um toque humano do entrevistado, perguntou: “O que exatamente o atrai em T.S. Eliot?”.

Silêncio, com um quê de perplexidade.

“O senhor sabe, não? The Waste Land?”, tentou o repórter, citando o título do poema que começa com o verso famoso. Mesmo silêncio, já com um quê de irritação. “Abril é o mais cruel dos meses”, ainda insistiu Darnton. “Não tenho a menor ideia do que você diz”, encerrou o entrevistado.

Mugabe foi reeleito, aliás “reeleito” presidente do Zimbábue no dia 31 de julho. É hoje um dos mais longevos (33 anos no poder) e mais tirânicos líderes do continente.

Tudo é absurdo, do estapafúrdio diálogo entrevistado-entrevistador à história da África, mas nada é chocante.

* Jornalista. Articulista da Revista Veja, edição de 12/08/2013.

Compartilhe nas redes:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

COLUNISTAS

COLABORADORES

Abrahim Baze

Alírio Marques