Manaus, 28 de março de 2024

Terra Preta, o carvão do Bem

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Armadilhas do maniqueísmo à parte, aquelas que dividem perigosamente o mundo entre os do bem e do mal, o carvão deixado pela presença milenar dos povos da Amazônia, a terra preta dos índios, bem deveria ser chamado de o carvão do Bem. É o bem da terra, da fertilidade e da mudança positiva na gestão climática, o pesadelo maior do planeta. Trata-se de um prática agrícola, com pelo menos 10 000 anos de domesticação da floresta, que converteram resíduos agrícolas em fator de   potencialização do solo, quando o carbono é associado a outros nutrientes para aumentar a segurança alimentar e enriquecer a biodiversidade e a produção de alimentos. De quebra, o uso do biocarvão desencoraja o desmatamento na medida em que adensa a floresta agregando valor ao seu manejo.

Trata-se de um carvão vegetal refinado, altamente poroso que ajuda a reter os nutrientes dos solos e da água, tanto das águas barrentas dos rios Solimões e do Madeira, como as escuras do rio Negro e as transparentes como as do rio Xingu. Todas elas foram berço de civilizações de fartura que habitaram a Amazônia onde existiam 8 milhões de índios antes da presença europeia, segundo o pesquisador Charles Clement, orientador do reflorestador, Sergio Vergueiro, o plantador de 2 milhões de árvores de castanha e pupunha na floresta, Fazenda Agropecuária Aruanã, em Itacoatiara. A ocorrência intensiva de castanha, açaí, uxi, buriti – as florestas dessas espécies não são naturais e sim plantadas, antes da chegada da cultura branca – foram possíveis graças à adoção do fogo para preparo da terra, limpeza das ervas daninhas. O plantio visionário de tantas árvores de castanha e pupunha seguiu este paradigma da agricultura indígena pré-colombiana. Ela dependia do biocarvão para fertilizar o solo. Por isso ele é comumente encontrado em solos onde culturas milenares promoviam  queimadas e outras práticas de manejo para enriquecer a terra. Estudo intensivo de solos escuros,  ricos em biocarvão na Amazônia (terra preta), levou a uma apreciação mais ampla de suas propriedades para incrementar os agronegócios. Sem agrotóxicos, diga-se de passagem.

Os pesquisadores da Coordenação de Pesquisas em Ciências Agronômicas (CPCA) do Inpa, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, estreitaram recentemente laços de intercâmbio com universidades japonesas para divulgação de trabalhos sobre terra preta, ou biocarvão, com o intuito de conhecer as técnicas de produção e uso desse extraordinário fertilizante no Japão e na Amazônia. Os japoneses tem o interesse de conhecer os trabalhos locais com diferentes espécies e diferentes temperaturas de carbonização. No Japão, o biocarvão  é produzido em escala, com a mesma configuração química e nutricional da terra preta, e há quase 2 décadas é  vendido de norte ao sul no país. Esta é uma nova tecnologia agrícola dos asiáticos, usando resíduos de carvão, proveniente da palha de trigo, de arroz, de grãos, a quantidade descartada, para melhorar condições físicas, químicas e biológicas do solo.

Ecologia, economia, agronomia e agroindústria se entrelaçam em novos negócios, contrariando a tese burra da intocabilidade da floresta. São 100 empresas que fabricam biocarvão no Japão, enquanto na Amazônia despejamos nos rios milhares de toneladas de resíduos na indústria de açaí. O Brasil e os Estados Unidos começaram a divulgar há apenas cinco anos a sustentabilidade deste negócio. Isso não significa você sair desmatando e queimando do jeito que é feito hoje em dia sem técnica nem compromisso ambiental. Significa aproveitar resíduos que estão sendo descartados, subutilizados, resíduos da produção florestal, resíduo da produção agrícola, de restos de animais, de dejetos de animais. Pesquisa focada, portanto, no desenvolvimento, para reposicionar e reaproveitar o manejo florestal, como os povos indígenas fazem há milênios, domesticando a floresta e reinventando permanentemente os parâmetros de relação saudável entre o Homem e a Natureza.

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