Manaus, 28 de março de 2024

“São irresponsáveis”

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 *Thiago Prado 

“É inacreditável que o país que afastou uma presidente por irresponsabilidade fiscal agora seja tolerante com a farra de gastos de certos estados”. 

É NA RESIDÊNCIA oficial, em Vila Velha, no Espírito Santo, e não no Palácio Anchieta, sede do poder, em Vitória, que o governador Paulo Hartung (PMDB) acompanha a crise de segurança pública capixaba. Ela não está de todo estancada – parte da polícia ainda está fora das ruas. Ficar em casa faz parte do acordo com seus médicos para ter alta antes do previsto, após uma cirurgia para a retirada de um câncer na bexiga, em São Paulo. “Saí da sedação e aí soube o que estava ‘acontecendo em meu estado”. Conta, visivelmente debilitado. Aos 56 anos, o economista Hartung, no terceiro mandato à frente do Espírito Santo, afirma que vai punir os responsáveis pelo tumulto, dispara contra o governo Temer – por sua disposição de socorrer estados à beira da falência no lugar de premiar os que tosaram os gastos – e voltou a mencionar sua intenção de filiar-se a uma sigla mais afinada com sua visão de mundo. Abaixo, os principais trechos da entrevista que concedeu a VEJA.

QUESTAO NACIONAL “A reivindicação salarial dos policiais vai além das fronteiras do Espírito Santo e tem reflexos, principalmente, no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e no Pará, estados onde já se vê há tempos uma clara insatisfação. Mas, seja onde for, em qualquer circunstância, a polícia não pode parar de trabalhar.

É um ato ilegal, inconstitucional e de grave irresponsabilidade. Esta é a pior crise da história do Brasil, e a nossa grande chaga é o desemprego.

Vamos olhar para quem tem estabilidade ou para quem está sem trabalho? Aliás, sou contra a estabilidade no serviço público. É preciso ter espaço para empregar e dispensar em momento de dificuldade. E temos de ter ferramentas para premiar bons resultados. Não faz sentido pagar o mesmo a funcionários de produtividade diferente. Ninguém faz isso no mundo moderno. ”

SALARIO POSSÍVEL “A remuneração dos PMs do Espírito Santo é compatível com a economia do estado. A renda do capixaba gira em torno de 1900 reais, enquanto o salário inicial de um policial, incluindo as escalas, é de cerca de 3000 – 40% maior que a média. A comparação tem de ser essa.

Não dá para equiparar o salário da polícia daqui ao da de São Paulo ou de Nova York. Precisamos entender ainda que, além da crise econômica nacional, que atingiu a todos, enfrentamos o baque da queda dos preços do petróleo e da arrecadação de royalties, tão relevante para o estado. Neste momento, não existe a menor folga para conceder aumento.”

PRÊMIO AOS MAUS ALUNOS “Eu me sinto injustiçado ao ver que o Brasil não valoriza aqueles que cumprem rigorosamente a Lei de Responsabilidade Fiscal. Vigora no país a pedagogia reversa. Quem mete o pé na jaca e não se ajusta vai bater à porta da União sabendo que será socorrido. É inacreditável que o mesmo país que noutro dia afastou a presidente Dilma Rousseff justamente por irresponsabilidade fiscal agora seja tolerante com a farra de gastos de certos estados. Temos muito que avançar aí. Apoio a criação de uma política de bônus para quem faz o dever de casa. ”

INFLUÊNCIAS EXTERNAS “Não tenho dúvida de que a paralisação no Espírito Santo teve conotações políticas, mas evito dar grande peso a esse fator e citar nomes. Até o momento escolhido para o movimento eclodir foi premeditado. Nosso radar mostrava que algo aconteceria durante o Carnaval. Mas bastou eu me internar em São Paulo, na sexta 3, para o movimento começar. Foi covardia. Agora, é bom que as lideranças saibam que a reação do governo é e continuará sendo de tolerância zero. Estamos investigando se uma parcela da tropa aproveitou para acertar contas com bandidos. Quem estiver envolvido com essa explosão

de homicídios – seja policial, seja miliciano, seja grupo de extermínio – vai ser punido.”

GOVERNO TEMER “O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, montou uma equipe extraordinária. Finalmente a racionalidade econômica começou a prevalecer sobre a marcha de insensatez que antes predominava.

Falta agora dialogar melhor com a sociedade. Estamos à beira de um precipício, com um déficit anual de 150 bilhões de reais, e isso precisa ser enfatizado junto à população. É claro que este não é o governo dos nossos sonhos, mas precisamos ser pragmáticos. Passamos por um impeachment traumático, e já é mais do que hora de seguir em frente; do contrário, veremos a ascensão do populismo em 2018. Basta olharmos para os nossos vizinhos latino-americanos para saber que as coisas podem piorar ainda mais se não dermos os passos certos. ”

MUDANÇA DE PARTIDO “O quadro partidário brasileiro está destruído e os políticos vivem completamente desconectados da realidade. Um país que tem mais de trinta partidos, na verdade, não tem nenhum. Gostaria de estar em uma sigla que expressasse a minha visão de mundo. Mas não acho justo ficar falando mal só do PMDB, quando o sistema inteiro entrou em colapso. A Lava-Jato está dando uma grande contribuição ao país, mas prefiro parar por aqui. Afinal, um entrevistado que se recupera de uma cirurgia não pode sair comprando briga com todo mundo, certo? ” 

*Jornalista. Entrevista com o governador Paulo Hartung do Espirito Santo. Matéria na Revista Veja,  Edição nº 2518, de 22/02/2017.

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