Manaus, 16 de abril de 2024

Preservar a história

Preservar a história

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“Refuto o dilema que podem pretender estabelecer: preservar a história ou a moradia. Defendo o sítio e a moradia. Cada qual no seu canto, como diziam meus pais: um lugar para cada coisa, cada coisa em seu lugar.” 

Resolvi meter minha colher em assunto delicado, porém, por demais importante sob todos os pontos de vista, exatamente porque em mim não cabe, como nunca coube, o pecado da omissão.

O título e o tema do artigo decorrem de amplo noticiário do jornal a respeito do dilema em que se encontrariam autoridades e famílias necessitadas e Interessadas em ocupar área de terras de antigo cemitério indígena, na cidade de Manaus. A questão central trazida pelo jornalista leva à discussão sobre duas obrigações do Poder Público e dois direitos dos cidadãos: a preservação do sítio histórico; e, o direito à moradia.

Verdade que ao Poder Público incumbe a obrigação, por definição constitucional, de proteger e preservar o patrimônio cultural brasileiro; e, de outro lado, assegurar Q direito fundamental à moradia.

Induvidoso que é justo reclamar esse direito fundamental e é dever do Estado solucionar o problema das pessoas que buscam ocupar essas terras, do mesmo que deve enfrentar a falta de habitação para todas as demais famílias que padecem desse angustiante problema, cujas taxas crescem, ano a ano, em nosso País.

Por isso, ao tratar da questão sob a também importante ótica da defesa do patrimônio cultural arqueológico, não estaria desconsiderando o sofrimento dos sem teto, desfazendo deles ou desrespeitando o direito que têm e a responsabilidade do Estado em atuar neste sentido.

Mesmo assim não vejo possibilidade de escolha para as autoridades entre as duas questões que se relacionam a esse pedaço de chão que guarda a história mais antiga de nossa gente. O sítio arqueológico deve ser preservado, custe o que custar, não só por obrigação legal de ordem federal, por necessidade imperiosa de defesa das nossas mais caras tradições, da possibilidade de estudo e reconhecimento do nosso passado indígena que, muitas vezes, alguns pretendem olvidar, mas, também, porque não se constrói futuro auspicioso sem o reconhecimento dos valores de antanho.

A localidade, na região do bairro Nova Cidade, na zona Norte da capital amazonense, vem sofrendo dessa ameaça há vários anos. Sendo matéria arqueológica, o sítio está sob controle, fiscalização e supervisão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artísticos Nacional – IPHAN, e debaixo da competência do Ministério Público e da Justiça Federal.

Creio que os acervos que podem ser encontrados na região devem se referir a várias etnias que habitaram esse solo de todos nós, e considero que o alerta provocado pela notícia, é oportuno. Deve servir não só para demonstrar a boa percepção do profissional que conferiu o merecido destaque ao assunto, mas principalmente para que os responsáveis tomem posição definitiva sobre este sítio posto que não se trata de coisa nova, mas daquelas que vêm se arrastando há vários anos.

A área de vinte mil metros quadrados identificada pelas riquezas que guarda, e, por certo, por muitas outras que podem ser localizadas em pesquisa científica no lugar, não pode receber edificações da civilização dita europeia sob pena de mais ofensa e desperdício dos acervos de nossos ancestrais. A comercialização indevida de terrenos, a realização de edificações, enfim, a usurpação da terra dos índios e dos marcos de nossas culturas, não podem prosperar, ainda mais porque, como salientado na reportagem, se trata de sítio de terra firme e alta, por isso mesmo ainda mais raro.

Refuto o dilema que podem pretender estabelecer: preservar a história ou a moradia. Defendo o sítio e a moradia. Cada qual no seu canto, como diziam meus pais: um lugar para cada coisa, cada coisa em seu lugar.

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