Manaus, 29 de março de 2024

Populismo ‘Getulista’

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Engraçado, o nome de Getúlio Vargas sempre me soou distante, algo assim como um fato histórico de um passado remoto. E um fato histórico não muito bom. Quando ele se matou em 1954, eu tinha oito anos, uma idade não exatamente sintonizada com fatos políticos. Lembro que as aulas foram suspensas no Grupo Escolar Princesa Izabel, onde eu fazia o primário, e nos mandaram para casa. Como eu morava na esquina seguinte, nem precisava atravessar qualquer rua, cheguei em casa de surpresa e dei a notícia. Se a memória não me falha, não senti a mesma comoção que tomou conta de minha casa com a morte do cantor Francisco Alves. O que me parece estranho, pois meu pai era dirigente sindical e tinha respeito pelas conquistas trabalhistas, era de esquerda e se aproximava algumas vezes do PCB. Bem, talvez meu pai tenha manifestado seu pesar na reunião de seu sindicato, pois não concordava com os ataques da UDN, detestava Carlos Lacerda e sempre dizia que a República do Galeão não passava de golpe. Mais tarde minha antipatia ao populismo getulista cresceu, e quando terminei meu romance “A resistível ascensão do boto tucuxi”, em 1982, pedi ao meu amigo Darcy Ribeiro para escrever uma apresentação, já que ele conhecia na intimidade os meandros do poder petebista. O romance não trata exatamente de Getúlio Vargas, as de seus herdeiros. É a história de um político populista, que vem de baixo e acaba com as velhas oligarquias decadentes do Amazonas. Um dia Darcy me telefonou e leu o seu texto, bastante caloroso com o romance, deixando-me eufórico. Pedi que ele recebesse um emissário da editora, que iria apanhar a apresentação, e descansei. Um mês depois o editor e telefonou, informando que estava impossível encontra o Darcy, e que pensava chamar outra pessoa. Aproveitei uma viagem ao Rio de Janeiro, e fui visitar o Darcy. Como Sempre fui recebido com aquela alegria de viver que era típica do nosso saudoso escritor, mas logo passou a me chamar de udenista e dizer que eu não podia fazer o que tinha feito. Respondi que era muito novo para ser udenista, e pedi que ele explicasse o que estava acontecendo. – Você fez uma coisa terrível – ele disse, abrindo os originais do romance. – Mexeu com um dos documentos mais sagrados da História do Brasil: a carta testamento do Getúlio. É um belo romance, mas se eu escrever esta apresentação o Brizola me mata. Olhei para ele sem querer acreditar, mas não devia me sentir surpreso. Tinha sido ingenuidade minha pensar que Darcy manteria algum tipo de distanciamento crítico. No romance há uma paródia escatológica da tal carta testamento. Confesso que ao conceber esta parte do romance, o fiz com espírito de provocação. Eu sabia no que dava o petebismo triunfante, o Amazonas havia experimentado doze anos de autoritarismo, de desorganização das forças sociais e de manipulação eleitoral. O meu estado paga até hoje o preço deste desastre histórico, herança deixada por esse fazendeiro matreiro de São Borja, que um dia deu um tiro no próprio peito, mas não matou a cleptocracia que ajudou a consolidar no Brasil. O populismo foi endêmico na cena política latino americana, gerando violência e atraso, enquanto preparava terreno para a série de golpes militares que e sucederiam a partir dos anos 60. Os regimes de segurança nacional, patrocinados pelos Estados Unidos e mantidos pelos militares traidores da pátria só fizeram entranhar mais a agenda da corrupção na administração pública, enquanto assassinava os opositores. O Estado foi oficialmente privatizado e a política se tornou uma disputa entre oligarquias, de tal forma que ao ser restaurado o estado de direito, as práticas corruptas se tornaram a regra. O populismo, que parecia uma piada, na verdade era sinistro. Em tempo, a apresentação do meu romance foi escrita pelo Octavio Ianni, que compartilhava do meu horror ao populismo getulista.

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