Manaus, 19 de abril de 2024

Pela janela

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Coisas de Manaus que posso acompanhar de minha janela. Aqui na Saldanha Marinho, outrora rua de casarões ecléticos habitados por velhas famílias que vinham dos tempos coloniais, percebemos com nitidez a decadência galopante do espaço da cidade mais bem urbanizado que tínhamos aqui, planejado e executado por administrações públicas que sabiam perfeitamente o que era uma rua, um bairro e uma cidade, incrustrada no centro de Manaus, a Rua Saldanha Marinho, além de celebrar um dos próceres da República, guardava entre suas mangueiras e paralelepípedos de pedra jacaré, uma história bastante rica, embora esquecida. Por exemplo, no prédio do antigo Grupo Escolar Saldanha Marinho, onde meu pai, Jamacy Bentes, e meu sobrinho Lucas Souza, estudaram, funcionou a Universidade livre de Manaus, a primeira do Brasil. Hoje o prédio, que era ornado por cumeeiras e telhados enfeitados por rendilhados de madeira, está em ruínas, completamente abandonado pela Secretaria de Estado da Educação. Nos anos 60 sofrera uma reforma que o descaracterizou, acachapando suas proporções, mas pelo menos seguia sua destinação e ali gerações de jovens passaram pelas suas carteiras. Falei das mangueiras, e nesta única década em que vivo ali, assisti ao assassinato planejado de duas frondosas mangueiras. Arribas foram abatidas com água fervendo, cuidadosamente regadas por “flanelinhas”, que assim ganharam mais duas vagas para estacionar carros. A última, recentemente serrada pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente, era finada recente e ameaçava desabar. Em meados do ano passado ela foi podada e libertada da erva de passarinho que a parasitava, mas logo começou a brotar viçosa.

Ainda estaria em seu lugar, onde sempre estivera nos últimos 100 anos, não fosse a atuação desse lumpesinato que pulula nas cercanias. O certo é que a privatização dos espaços públicos por esta mão de obra sem qualificação, neste caso crime configurado no Código Penal, não causa dano apenas aos proprietários dos veículos que são achacados por essa gente, em nome da sobrevivência foram capazes pôr termo a duas vidas centenárias, fazendo mais feia a nossa pobre capital. Falei em lumpesinato e não há como não deixar de admirar como são capazes de supervalonzar os espaços que se apropriam E nem precisamos sair da Saldanha Marinho. Logo ali na esquina com a Rua do Barroso, onde está a Agência dos Correios e Telégrafos, os empresários do informalismo livre de impostos e emolumentos fazem um intenso uso ao longo do dia, num perfeito rodízio pleno de diversidade em seus negócios.

Bem cedinho, por volta das seis da manhã, chega o empresário do café da manhã, um negócio que pulula em Manaus como cogumelo venenoso. O homem chega numa reluzente camionete, arma sua traquitana e espera uma loja vizinha abrir, pois as cadeiras são terceiradas. A animada clientela ali fica consumindo o seu desjejum até por volta das 10 da manhã, quando o café é desmontado e abre espaço para outro “negócio”, dessa vez a esquina vira um entre posto de distribuição ilegal de frutas. Sacos imensos trazem a mais recente safra de frutas da estação, transportadas em viaturas que trafegam graças a alguma ajuda milagrosa dos céus. Os vendedores de trutas ali ficam até às 15:30 horas, quando um novo negócio se instala. Dessa vez é um homem barrigudo, de bermuda de chinelo de dedo, que deve ter herdado a velha e encardida bata do Armando, chega empurrando um carrinho de supermercado, desses que já saem enferrujados de fábrica, encimado por um imenso isopor, desses que também já saem imundos de fábrica. É que chegou a hora da parte mais “alegre”, pois este “empresário” comanda um festivo “happy hour” na base de bebidas alcóolicas e uma seleta musical com a fina flor do brega e do forró de fricção. Isto é o que eu chamo de maximizar a indigência urbana.

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