Manaus, 28 de março de 2024

Os fantasmas do T.A.

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Como eu vinha dizendo aos meus sete leitores: Ópera era coisa dos tempos dispendiosos dos Barões do Látex e a Manaus de 1960 no máximo se contentava com concertos de piano.

Naqueles anos de economia da luta o máximo de produção sofisticada foi a revista de Walter Pinto, o Rei do Teatro Rebolado, bem acolhida pelo governador Mestrinho. “Xique Xique no Pixoxó”, assim se chamava o espetáculo, ocupou a cena com suas coristas e números musicais e humorísticas. Mas nem só de rebolado vivia o Teatro Amazonas. Não podemos esquecer a dimensão espiritual daqueles bastidores e camarotes. O que precisamos também relembrar a presença dos fantasmas do Teatro Amazonas. Exatamente, fantasmas, aparições, visagens furtivas deslizando pelos corredores sombrios daquela casa de espetáculos, assombrando camarins e aterrorizando incautos. Não acredito em fantasmas, mas acredito em fantasia. Por isso, falar dos fantasmas do Teatro Amazonas é imprescindível. A primeira vez que tomei contato com tais fenômenos paranormais, foi em 1965. Minha saudosa amiga, a atriz Glauce Rocha, estava em Manaus com a peça “Um Uisque para o Rei Saul”, sob a direção de B. de Paiva. Na véspera da estreia, Glauce ensaiava no palco, para uma reduzida plateia de amigos, quando seu trabalho foi interrompido pelos gritos de pavor de um dos assistentes de B. de Paiva. Era um jovem argentino bastante atlético, que fazia contraregragem. Não era exatamente um tipo impressionável, mas naquela noite algo aconteceu fora de nossa vista. Ele havia descido para a parte de baixo do palco, em busca de um objeto de cena, quando se deparou com aquele estranho cavalheiro, em roupas do século XVIII, peruca empoada, o rosto marcado por um triste sorriso. A figura fez-lhe uma reverência e, virando-se, caminhou etereamente até desaparecer na parede, como é típico dos fantasmas. Bem, o rapaz deu um tremendo vexame, mas o administrador do Teatro Amazonas, o perene Aldomar Bonates, cortou a histeria com a fleumática observação de que era claro que ali existiam fantasmas, toda ópera que se preza tem o seu fantasma, e encerrou o assunto. Depois fiquei sabendo que a aparição do cavalheiro era coisa corriqueira. Tratava-se da alma de um ator italiano que morrera vitimado pela malária, em 1912, e teimava em perambular pelas coxias e camarotes, ainda trajando o figurino de sua peça derradeira, “A Dama das Camélias”, onde interpretava o pai de Armand. E mais, a alma era conhecedora das artes do piano, pois certa tarde, quando a pianista Gerusa Mustafa ensaiava com grande- inspiração uma Polonaise, ouviu aplausos e ao se virar, deparou com o gentil homem a ovacioná-la. Gerusa nunca mais ensaiou sozinha no Teatro Amazonas. Mas o fantasma do inditoso ator não é habitante solitário do Teatro Amazonas. Segundo o poeta Farias de Carvalho, dado às artes do oculto, ali há quase um elenco completo, capaz de encenar facilmente um “Barbeiro de Sevilha”. A explicação é simples: muitos artistas europeus sucumbiram aos males dos trópicos, e ficaram por ali mesmo, talvez por não existir paraíso melhor a um artista da cena que o próprio teatro. Dizem que todos os anos, no dia 31 de dezembro, no aniversário do Teatro Amazonas, esses criativos espectros encenam “La Gioconda” integralmente, ora sob a regência do maestro Benário Civelli, morto de febre amarela em 1899, ora sob a batuta’ do maestro Genivaldo Encarnação, regente natural do Ceará e infaustamente morto numa briga na Pensão da Mulata. O maestro Encarnação levou oito facadas ao tentar defender uma linda polaca das garras de um rufião.

Farias de Carvalho assegurava que as récitas do maestro brasileiro são superiores, inclusive levando-se em conta Que a ecologia da outra vida é hostil ao talento. Por isso fiquem certos meus sete leitores, um dia serei um dos fantasmas do Teatro Amazonas.

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