Manaus, 28 de março de 2024

Olavo Bilac

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Olavo Bilac nasceu no Rio de Janeiro, no dia 16 de dezembro de 1865 e faleceu, nessa mesma cidade, em 28 de dezembro de 1918, coincidentemente no mesmo ano de fundação desta Casa (Academia Amazonense de Letras). Logo em seguida, foi seu nome escolhido para patrono da Cadeira no. 12, de que tenho a honra de ser o titular. Florescia, nesse período, primeiras décadas do século XX, no panorama da Literatura Brasileira, o movimento parnasiano, que logo se aglutinou como escola literária, fruto das tendências do realismo e do naturalismo orientadas pelo positivismo, então em moda no país. Surgia, também, no panorama das letras mundiais, o simbolismo, corrente estética norteada por uma visão existencial espiritualista. Se o fluxo parnasiano comprometia-se com a vida da natureza e os fenômenos da realidade exterior, o simbolismo objetivava expressar a inquietação interior do homem, do poeta, do artista.

Olavo Bilac perfilou-se na legião parnasiana, tanto que, ao lado de Alberto de Oliveira e Raimundo Correa, formou a famosa tríade que dominou o ambiente literário brasileiro no período, na imprensa e nas instituições de cultura, entre as quais a mais importante, a Academia Brasileira de Letras, que ajudou a criar ao lado de Joaquim Nabuco e Machado de Assis, entre outros, nessa mesma linha de importância em nossas letras.
Vamos começar a nossa conversa com a leitura de um soneto de Bilac, talvez um dos mais célebres de sua lavra:

Velhas Árvores

Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores novas, mais amigas:
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas…

O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas
Vivem livres de fomes e fadigas;
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.

Não choremos amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo! Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem:

Na glória da alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos
Dando sombra e consolo aos que padecem!

Fico pensando, após a leitura de Velhas Árvores, na poesia de Bilac, no seu parnasianismo, escola literária que preconizava além dos aspectos filosóficos registrados linhas acima, a primazia da forma sobre o conteúdo, e invejava os trabalhadores do buril e do cinzel. Bilac só publicou um volume de poemas intitulado Poesias, que ele ia acrescendo de novas séries, nas suas novas e inúmeras reedições. Na abertura desse livro, em Profissão de fé, ele revela:

Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, em alto relevo
Faz de uma flor.

A frieza, decorrente de tal sentimento, distanciou Bilac de alguns dos leitores mais assíduos da boa literatura na minha geração. Esses leitores eram poetas, ensaístas, prosadores, críticos literários, e cultivavam a poesia moderna que recomendava o predomínio do conteúdo sobre a forma, embora já sofressem influência dos poetas da geração de 45, que, após a experiência modernista, estabeleceu a restauração da forma, em harmonia com uma visão nova da vida, um novo conteúdo, portanto. Nos poetas de 45 houve como que um retorno aos ideais das formas fixas, cultivando-se o soneto. O verso livre dos modernistas da primeira geração não deixou de ser praticado, mas restaurou-se agora o formato fixo do verso medido, das redondilhas, do decassílabo, do alexandrino, à maneira dos parnasianos.

A diferença fundamental é que o verso dos poetas da geração de 45 alimentava-se, de uma visão de mundo liberta do pessimismo existencial, marcante nos períodos anteriores da poesia brasileira, desde o barroco, mais notadamente no romantismo, marcado pelos ideais da precedência do espírito sobre o mundo material, obcecado pelo sentimento da morte e, no parnasianismo dominado pela ideologia do realismo e do naturalismo, consequência das teorias voltadas para a vida material, conquistas do evolucionismo, tão correntes na época de Bilac e, também, já referidas na introdução desta palestra.

Os poetas de 45 parece terem firmado um pacto de paz com a vida, com o amor na relação do homem com a mulher, embora revele alguma sombra de angústia existencial, inquietação espiritual com sinais de nostalgia do eterno.
Alguns poetas da minha geração julgavam Bilac artificioso demais. Houve quem chegasse ao extremo de considerá-lo um equívoco. Mas desde o momento do meu ingresso nesta Academia Amazonense de Letras, para ocupar a cadeira de que o poeta é patrono, passei a estudá-lo com afinco e conscientizar-me de ângulos preciosos de sua poética tão discutida e controversa, atendo-me a peças de indiscutível cunho imortal, como no soneto das velhas árvores.

Na primeira série de suas Poesias, intitulada Panóplias, palavra que significa uma obra sobre armaduras antigas, observam-se resquícios do romantismo, como no seguinte soneto:

Ronda noturna

Noite cerrada, tormentosa, escura,
Lá fora. Dorme em trevas o convento,
Queda imoto o arvoredo. Não fulgura
Uma estrela no torvo firmamento.

Dentro é tudo mudez. Flébil murmura,
De espaço a espaço, entanto, a voz do vento:
E há um rasgar de sudários pela altura,
Passo de espectros pelo pavimento…

Mas, de súbito, os gonzos das pesadas
Portas rangem… Ecoa surdamente
Leve rumor de vozes abafadas.

E, ao clarão de uma lâmpada tremente,
Do claustro sob as tácitas arcadas
Passa a ronda noturna, lentamente…

Esse tom, ainda se verifica de modo mais brando, naturalmente, na série seguinte intitulada Via láctea, composta de 35 sonetos, com que alcança um dos momentos mais elevados da poesia em Língua Portuguesa. No soneto XIII, canta Bilac:

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas”.

Abstraindo-se da definição de escolas literárias para situar a figura dos poetas na história, o que existe, em verdade, é o poeta na dimensão do seu entusiasmo criador, que transcende os modismos temporais e ganha condição de permanência, na grandeza da sua capacidade em expressar os ideais do seu tempo. Ainda vigia entre nós, no tempo de Bilac, o comportamento romântico em face do relacionamento entre homem e mulher. Estamos vendo isso ao longo da leitura de alguns dos seus poemas nesta palestra.

Vemos que Bilac transcende a escolas. É acima de tudo um artista. Possuía o instinto da palavra no verso, o gosto natural da boa rima e do ritmo. Nele a arte literária se consuma na sua mais legítima condição. Nele poesia e arte se completam, pois não existe poema sem arte, nem a arte se conclui alienada do conteúdo de sentimento, de emoção e de amor pela vida, a cuja expressão se dá o nome de poesia.

Na terceira série de suas Poesias, denominada Sarças de fogo, Bilac revela dramática sensualidade em poemas como em O julgamento de Frineia, De volta do baile e Beijo eterno. Na primeira das 10 estrofes de Beijo eterno, revela o poeta:

Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue. Acalma-o com teu beijo,
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!

Na quarta parte do livro, Alma inquieta, prossegue o assento de paixão do poeta, exemplarmente revelado em Tercetos, In extremes e A alvorada do amor. Nesta sequência encontram-se versos de acento moral a exemplo de Velhas árvores, que examinamos no início desta palestra.

Na quinta parte estão As Viagens, em que o poeta realiza uma excursão por cidades antigas e célebres personalidades da história do mundo. E, em seguida, vem a sexta parte, O Caçador de Esmeralda, que ele subtitula como um Episódio da Epopeia Sertanista no XVII Século. Cuida-se de um dos seus poemas mais extensos, escrito em alexandrinos e em tom épico, dividido em quatro partes. Assim ele celebra, na primeira estrofe da terceira parte do poema, a morte de um bandeirante:

Fernão Dias Pais Leme agoniza. Um lamento
Chora longo, a rolar na longa voz do vento,
Mugem soturnamente as águas. O céu arde.
Transmonta fulvo o sol. E a natureza assiste,
Na mesma solidão e na mesma hora triste,
À agonia do herói e à agonia da tarde.

Chegamos à sétima e última série de Poesias, sintomaticamente denominada Tarde, obra da maturidade. A dedicatória do livro a José do Patrocínio, é de 8 de outubro de 1918. Ele morria, aos 53 anos, dois meses depois, a 28 de dezembro desse mesmo ano. É talvez a parte mais parnasiana da poesia de Bilac. Onde ele conseguiu enquadrar o verbo na estrutura fria de seu ideal literário.

Um claro exemplo desse momento é o soneto que vamos ler em seguida:

O tear

A fieira zumbe, o piso estala, chia
O liço, range o estambre na cadeia;
A máquina dos tempos, dia a dia,
Na música monótona vozeia.

Sem pressa, sem pesar, sem alegria,
Sem alma, o Tecelão, que cabeceia,
Carda, retorce, estira, asseda, fia,
Doba e entrelaça, na infindável teia.

Treva e luz, ódio e amor, beijo e queixume,
Consolação e raiva, gelo e chama
Combinam-se e consomem-se no urdume.

Sem princípio e sem fim, eternamente
Passa e repassa a aborrecida trama
Nas mãos do Tecelão indiferente…

Do ponto de vista cultural, no parecer de Afonso Arinos de Melo Franco, o formalismo de Bilac é muito fruto do estilo de vida adotado no Brasil da Primeira República. Em verdade, agora me recorda, ao apreciar o juízo emitido pelo autor de A alma do tempo, sobre o poeta de Via Láctea, a imagem desse período estampado nos meus livros de escola. Quando menino eu via os retratos daqueles homens nesses livros e me davam a impressão de que eram de pedra. Exibiam-se-me como estátuas, heroicos, impávidos, definitivos e eternos. Bilac foi o porta-voz dessa sociedade e desse período de nossa história social e política. O romantismo e o sensualismo identificado em seus poemas na linha do Beijo eterno, Alvorada do Amor, Depois do baile, etc., contrastam com a postura austera de um autêntico mestre escola, revelada nos poemas de inspiração patriótica, exortando as crianças e os jovens a amarem o seu país, um país sem igual no mundo, numa visão ufanista própria também daquela quadra de afirmação da nossa nacionalidade. Outro aspecto a ser observado, nessa mesma linha, é a celebração da vida heroica demonstrada em O caçador de esmeraldas, um dos seus mais longos poemas, de onde trescala um ilustre sopro épico.

A vocação de educador do poeta motivou-o a publicar poemas didáticos e se envolver com a ideologia do Serviço Militar obrigatório, preconizado desde os primeiros documentos constitucionais brasileiros que consagravam o direito do uso das armas na defesa do território e da soberania nacional. Bilac, nos anos de 1915 e 1916, patrocinou campanha, acrescentando àqueles princípios, a obrigatoriedade da prática desses serviços como preito de amor à Pátria, e considerando o Quartel uma escola de civismo.

É curioso como essa visão de mundo se coaduna com a estética do parnasianismo, a indução de atitudes formais no processo educacional, o condicionamento dos reflexos que constitui os rudimentos da formação castrense, sensíveis ainda às ações de comando que formam a essência dos procedimentos de caserna, conjuntura bem assimilada pelo poeta que via nisso a concretização do lema inscrito na bandeira nacional, o ordem e progresso inspirado em preceitos positivistas .

Certa feita, em conversa com um sacerdote católico, misto de religioso e oficial militar, em virtude de sua qualidade de Capelão de uma arma do Exército Brasileiro, e ante as críticas que lhe fazia pelo excesso de condicionamento físico e psicológico do soldado, convenceu-me das suas razões. Deu-me como exemplo a sua própria experiência. Ele era paraquedista e me disse que sem um reflexo bem treinado, na hora de acionar os controles e abrir o aparelho na emergência de alguma falha no seu funcionamento, o sujeito pode perder o domínio da operação e despencar do espaço. Durante a queda, a partir do momento do salto do portaló que se abre em sua frente na aeronave, em uma altitude de doze mil pés, até o paraquedas estabilizar-se no seu vôo lento, só funcionam os reflexos, tal a velocidade do ritmo com que se realiza a operação. Aquele ilustre Capelão me convenceu dos motivos que levam os métodos militares a imporem nos seus treinamentos o condicionamento físico e psicológico, no comando dos profissionais das armas.

Bilac, porém, via mais. Ele via no cerimonial dos procedimentos castrenses, profundamente marcado por atitudes formais, desde os vários estilos de marcha, à posição de sentido e a obrigação da continência de subordinados frente a superiores, uma oportunidade de formação do civismo, sinônimo de patriotismo, isto é, o amor à pátria que é a virtude primordial da República, enfim, numa conotação mais atual, na qualificação social da cidadania.

Como se vê, há algum exagero na exclusividade dessa indicação, porque existem outros meios, nem tão exigentes na formalidade dos atos, capazes de despertar no jovem a consciência de cidadania, através do conhecimento e da conquista do saber.

Em resumo, conclui-se pela relevância do legado de Olavo Bilac, significativo às letras e ao debate de ideias na formação do povo brasileiro. Sua poesia exerceu grande influência até entre os poetas das gerações seguintes e as suas ideias também, por sua militância na imprensa e na campanha pelo serviço militar obrigatório e da educação física, exercida por meio de conferências e discursos pronunciados em instituições educacionais por todo o país. Dedicou-se ainda à formação de leitores publicando contos e poemas dirigidos ao público infanto-juvenil. Foi um nacionalista e patriota, é autor da letra do Hino à Bandeira.

Por tudo o que fez de bom e de particular, como homem e como artista, Olavo Bilac bem merece o lugar de herói nacional que lhe foi reservado pela posteridade e pela história.

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1 FRANCO, Afonso Arinos de Melo (Belo Horizonte/MG 1905 – Rio de Janeiro 1990), jurista, político, historiador, ensaísta e crítico literário. – A alma do tempo, formação e mocidade, José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1961.

2 Positivismo, corrente de pensamento que se insurgiu, entre outros fenômenos, contra o idealismo, em favor do respeito à experiência e aos dados positivos, defendido por Augusto Comte. (Montpellier 1798 – Paris 1857).

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