Manaus, 28 de março de 2024

O nome Itacoatiara

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(Extraído do livro de Francisco Gomes da Silva “Itacoatiara: administrações municipais, realidade presente”, Manaus, 1970).

Não há tema mais empolgante do que este da significação do nome “Itacoatiara”. Tema que no passado despertou a curiosidade dos historiadores, mas que agora relega-se ao quase esquecimento, sem causa que justifique a não participação dos estudiosos das tradições e costumes regionais no total e definitivo discernimento do termo. O povo que perde a tradição da história acaba perdendo todas as tradições.

Demais, o que conhecemos sobre o assunto é pouco e não elucida a ponto de fazer freio às dúvidas. Autores divergem na sua definição. As controvérsias se estendem, são tantas e tamanhas que não nos dão segurança no tocante à apreciação sucinta do real significado do termo. Tanto que, pretendemos no presente capítulo, trazer, à luz dos documentos compulsados e definições encontradas, a opinião dos diversos escritores preocupados na apreciação do vocábulo originador do nome da principal cidade interiorana do Amazonas. E o fazemos com a maior boa vontade, visando a informar os leitores acerca do assunto.

Octaviano Mello, o saudoso propugnador da ideia de criação da cidade de Ambrósio Aires, em livro da maior importância a cerca da significação e origem dos “topônimos amazonenses”, escrito em 1940, e reeditado no ano passado sob os auspícios do Governo do Amazonas, escreve:

“… O vocábulo [Itacoatiara] é procedente do tupi ou nheengatu; é puramente indígena. Várias têm sido as suas traduções. Algumas inaceitáveis, outras bem aproximadas da sua genuína significação, podem ser adotadas sem deslustre.

Antecipamo-nos, entretanto, em declarar que o objetivo dos hieróglifos existentes nas pedras do porto de Itacoatiara conduz-nos à interpretação diversa das que lhe têm dado. Dentre as primeiras traduções, citaremos: ‘Lugar da pedra pintada’ e ‘Pedra pintada ou listada’. Para estas deduções seria necessário que o termo tivesse aparecido com as grafias seguintes Itapinimarendáua, lugar de pedra pintada; Itapinima, pedra pintada; e, quanto à ‘pedra listada’, não existe na língua nheengatu, um termo que lhe corresponda bem. Emprega-se o verbo uiucarãin, arranhar, quando se trata de arranhões, riscos ou listas. Assim diz-se: Itáiucarãin, pedra arranhada, riscada ou listada. Esses pontos de vista desprezam os fundamentos da lógica, uma vez que se afastam dos elementos que compõem a nossa palavra em estudo.

“O nome da cidade, encarado por outros arestas, tem sido expresso no vernáculo de maneiras consentâneas, porque, na realidade, o que ali se observa é uma ‘pedra esculpida’, ‘pedra escrita’, cujas traduções concordam com a palavra Itacoatiara: Itá, pedra; coatiara, gravado, esculpido, escrito. A última versão, ‘pedra escrita’, tem sua razão de ser, porque na pedra milenária figura a palavra ‘Tropa’, além de uma cruz, uma escada e a data ‘1754’, mandada gravar por Francisco Xavier de Mendonça Furtado, quando fazia a :sua primeira viagem ao rio Negro, com o fim de chefiar a comissão de limites das fronteiras portuguesas e espanholas, na América. É, porém, tradução relativamente recente, surgindo após a gravação da palavra ‘Tropa’ que apenas conta 212 anos (1754). As gravuras que deram origem ao nome Itacoatiara são muito anteriores a esses escritos e não autorizam a qualquer um, afirmar que se trata de palavra ou de meros sinais, por serem caracteres enigmáticos cuja interpretação deve ser confiada à habilidade dos sábios. E tanto precederam à passagem de Mendonça Furtado que, para a instalação da Vila de Serpa, por ele fundada, foi escolhido o sítio já existente, denominado de Itacoatiara, em virtude dessa pedra e desses sinais.

“Poderíamos também estudar a palavra por outro modo, que lhe dá sentido diverso dos que temos citado: Itá, pedra; cuá, demonstrativo, este, esta; tiara, gulosa. A forma que enuncia o vício da gula à uma pedra, não parece razoável. Em todo caso, a tradução é correta e admissível, sabendo-se que o movimento das águas do rio Amazonas, naquele ponto, chama tudo quanto cai nas imediações para fazer alí uns rodopios e desparecer. Nesse local têm sido sepultadas inúmeras pessoas, que se afogam e são tragadas pelas águas. Estudemos ainda a palavra sob outro aspecto e sentido, e vejamos se assim ela combina com o objetivo dos hieroglifos talhados nas pedras, que deram o nome à cidade em apreço. Essas inscrições tiveram fatalmente uma finalidade mais séria, comprovada pelo trabalho cuidadoso e, certamente demorado, que somente a cinzel poder-se-ia imprimir, tal a natureza das rochas graníticas. Havia necessidade de deixar ali um vestígio da passagem dos navegadores egípcios ou fenícios, que assinalasse a rota da viagem em regiões desertas e desconhecidas. Assim estes navegadores de séculos idos, decidiram fazer essas inscrições que serviriam de guia ou baliza para o retorno da viagem e para outros empreendimentos futuros. Aí foi balizada a pedra e desta se originou o nome puramente indígena da Cidade de Itacoatiara, composto de Itá, pedra; Ucuáu, saber;utiáre, guiar. Itá-ucuáu-tiáre: – Itá, conserva a sua forma integral; ucuáu, contrai-se emcuá ou coá, como utiáre, em tiára.

“Desse modo – finaliza o escritor Octaviano Mello- vem a palavra Itá-coa-tiara, que significa em toda sua extensão: Pedra que sabe guiar; pedra que serve de guia; pedra guia ou pedra baliza. Como disse Couto de Magalhães, cada nome na língua tupi é uma descrição do objeto que representa, porque cada sílaba diz uma ideia. Foi com este fim que fizeram esses caracteres, coisa aliás comum, pois em todos os itinerários sem guia, toma-se um ponto de referência, que determine o lugar da partida e este lugar, é o marco, a baliza. Foi com esse mesmo fim que Pedro Teixeira, no retorno de sua célebre viagem de 1639, fundou a povoação de ‘Franciscana’, vinte léguas abaixo de Aguarico ou rio do Ouro, ‘que também servisse de baliza dos domínios das duas Coroas’. O nativo soube ao mesmo tempo quais as finalidades dos hieroglifos e, traduzindo-os para a língua, chamou-a de Pedra BalizaItacoatiara, nome que foi transmitido ao sítio e depois à cidade”. (1)

O historiador Anísio Jobim, antigo Juiz de Direito da Comarca de Itacoatiara, refere: “ … o nome Itacoatiara provém da existência de pedras gravadas que ornam o seu porto. As inscrições ali existentes só são vistas por ocasião da baixa das águas, em pleno verão, quando as pedras ficam à mostra. Além dessas gravuras outras se encontram em rochas no município, no rio Urubu”.

“Segundo Barbosa Rodrigues, continua Jobim, acha-se no porto de Itacoatiara uma inscrição mandada fazer pelo governador e capitão-general Mendonça Furtado, quando subiu o Amazonas com a comissão de demarcação. Esse desenho consta de uma cruz sobre três degraus, com a data de 1754, e da palavra Tropa, cujo T está ligado ao R, sendo a perna R comum ao T. Tal gravura, esclarece o eminente cientista, posto que feita por civilizados, é muito mais grosseira e as linhas não têm mais que 0, m 01, enquanto que as da inscrição indígena ainda hoje têm 0 m 04 a 0 m, 05 da largura. A comparação desta que apenas tem 132 anos, com aquelas, nos afirma que as primeiras têm muito maior número de séculos de existência”. (2)

Antônio Cantanhede, estribado em diversos autores, afirma: “Na língua Tupi-Guarani, Itá, é pedra e Coatiara, pintado, riscado, escrito, o que dará, conforme a razão ou raciocínio comum, pedra pintada ou escrita. Entretanto, se decompusermos, em seus termos formadores esse vocábulo, pode ser que enveredemos pelo acertado e justo caminho.

“A palavra Itacoatiara pode ficar assim decomposta: Itá = I + tá; I quer dizer ‘em, o que, aquele que, o que, o que tem ou está; Tá, estagnado, rijo, duro. Portanto, fixo, parado, etc., ‘a rocha, a pedra, o penedo’, etc., Coati, cuati ou ainda quati, lembra o mamífero carnívoro, da família Procyonídeos,Nasua narica; Ara, A ou Ar, têm, entre outras acepções, as de ‘o que nasce’. Mais simplesmente: – Itá = pedra; Coati = o mamífero; Ara – ‘o que nasce’.

“Se se pode admitir que a palavra Itacoatiara venha de lugar de onde haja pedra pintada ou escrita, não é temeridade aceitar a hipótese de ter vindo essa denominação de lugar de pedra, onde nasceram coatis, ou morada destes, talvez ali existentes, ao tempo da fundação de algum remoto povoado”.

Cantanhede, após visitar o local das pedras, no Jauari, se estende, afirmando: “Estivemos, enfim, diante de uma de grandes proporções. Bem em frente, isto é, na face voltada para o rio, pudemos, com satisfação, dar por terminada, com ótimo resultado, nossa tarefa, visto que ali estava uma pedra, não pintada, porém, com inscrições, aos lados de uma cruz esculpida”.

E após ter avivado as inscrições em referência, com o objetivo de fotografá-las, conclui, dizendo: “A cruz está sobre dois degraus e não três, conforme autorizados autores escreveram em tempos idos e os modernos ainda o afirmam”.(3)

Consultado o Conselho Nacional de Geografia acerca do. assunto, este, baseado em Alfredo Moreira Pinto (Dicionário Geográfico do Brasil, Rio, 1896-9), define: “Itaquatiara – Cidade e município do Estado do Amazonas. O seu nome primitivo eraItaquatiara – o grifo é nosso – (pedra pintada, em língua geral), por causa de umas pedras que em seu porto são visíveis na vazante e nas quais se acham traçados diversos hieróglifos”. (4)

O etnógrafo Protásio Silva reconhece a origem indígena do termo, e assim descreve:

“… ITACUATÊARA, isto é: ‘esta pedra gulosa’, assim denominavam os antigos a uma ponta de pedra que se acha abaixo da cidade de Itacoatiara, uma das mais importantes do Amazonas. Outrora, contaram-me, alguns antigos moradores daquela cidade quando, começaram a povoar aquele local, iam os homens banhar-se naquele local, por oferecer abrigo, como um banheiro, distante das vistas do público. Acontecia, porém, que quase sempre, durante o ano, desapareciam banhistas ali, porque a corrente impetuosa à proporção. que as águas crescem e, talvez alguns dos banhistas pouco ou nada sabiam nadar; então originou-se a notícia de que lá, aquela pedra fazia desaparecer alguém, ou os comia, jamais aparecendo. os cadáveres. E, como naquela época, os moradores de ‘Serpa’, assim se chamava a antiga vila, denominaram aquela laje por ‘ITACOATÊARA’, que significa: ‘Pedra Gulosa’.

“Há, porém, quem traduza aquele nome por – Pedra Pintada, mas em Nheengatu, tudo quanto é colorido pela natureza não se denomina senão PINIMA, isto. é pintado ao passo que, aquilo que for escrito, será denominado ou chamado – CUARIARA. É o caso do nome daquela cidade, pois que, na lage acima mencionada, tem urnas inscrições feitas com a ponta de sabres dos soldados que para ali vinham, mandados pelo Governo do Pará. Então, pelo verão, quando aparecem as pedras, vê-se em seu corte vertical – datas e HIEROGLIPHOS, provando a passagem daquela:s tropas por alí. E” portanto, PEDRA GULOSA e não PEDRA PINTADA, corno alguém pretende efetivar o nome em questão, e escrevo-a – Teara gulos”. (5)

“Pedra pintada”, “pedra gulosa”, “pedra esculpida” ou “pedra escrita”, corno queiram os autores, o certo é que não sabemos exatamente o sentido do termo, dando paradeiro ao número cada vez mais crescente de dúvidas a respeito. É fato isento de toda e qualquer contestação que a pedra de Itacoatiara está a desafiar a visão dos estudiosos da Amazônia na descrição de sua exata origem e real significado. O que se fez no passado, na tentativa dessa interpretação nominal, não é o bastante. As controvérsias, os pontos de vista divergentes serviram apenas para implantar a insegurança na significação definitiva do vocábulo. “Pedra pintada” é o mais razoável e até hoje o povo entende corno sendo assim. Não estaremos enganados? E a data de 1744 anterior à passagem de Mendonça Furtado, que contém a pedra, a que se refere? É certo, incontestável mesmo, que o capitão-general português em 1754 passou defronte ao sítio:  “… lhes nomeei uns poucos de sítios para eles escolherem o que lhes parecesse melhor a bem da sua saúde e da sua convivência. Em observância desta ordem foram ver os sobreditos sítios e escolheram entre eles um chamado Itaquatiara, sobre o Amazonas …” (6). E anteriormente a ele?

Além do mais, é preciso explicar que além da pedra em referência, existem outras no local, algumas já dilaceradas por mãos criminosas que não entendem de conservação histórica. Urna, por exemplo, bem próxima àquela que contém as datas, a cruz e a palavra TROPA, traz em uma de suas faces diversos desenhos esculpidos, cabeças de animais desenhados e outros riscos incompreensíveis. Isso não virá contrariar a tese daqueles escritores, embaralhando de uma vez a história que se conhece?

Agnello Bittencourt, grande geógrafo, refere à página 205 de sua “Corográfica do Amazonas”, Manaus, 1925: Itacoatiara. . . “porto abarrancado, profundo, mas agitado pelas correntes irregulares do rio. Encontram-se nele muitas pedras, uma das quais visível na época da maior vasante, é cheia de inscrições hieroglíficas, apresentando também lavores diversos; daí a etímologia do nome da cidade – pedra pintada”.

Arthur Cézar Ferreira Reis, na sua bem escrita e famosa “História do Amazonas”, pág. 104, Manaus, 1931, alude: Mendonça Furtado “Em caminho esteve em Borba. Na aldeia dos Abacaxis providenciou para que ela se transferisse do Madeira à margem do Amazonas, no sítio Itacoatiara.” Cite-se, ainda, este outro trecho do eminente historiógrafo patrício: “A língua portuguesa, só por volta de 1759 começara a ser propagada. Porque os nativos preferiam a língua geral, o nheengatu, de que se serviam, por isso, também, os ádvenas”. (7). Tal assertiva parece confirmar sejam da autoria do nativo as inscrições itacoatiarenses.

Feito o desfile desses pontos de vista, citadas as definições acima, concluímos dizendo que as Pedras de Itacoatiara aguardam a presença dos entendidos em assuntos arqueológicos e etnográficos, para o fim de auscultar-lhes a origem e pôr termo a um sem número de opiniões controversas e pontos de vista divergentes. É tempo de irmos ao encontro das coisas do passado, revivendo-as, trazendo-as para facilitar o conhecimento de suas relíquias; é tempo de preservarmos uma riqueza histórica que remonta a séculos, definindo-a e zelando pela sua integridade e conservação no tempo e no espaço.

Que significa, afinal, o nome Itacoatiara ? A revelação está com os estudiosos. Incentivemo-los …

_______________

(1) Cf. Octaviano Mello – “Topônimos Amazonenses”, págs., 60, 61, 62 e 63, – 13.0 vol. das Edições Governo do Amazonas (Série Torquato Tapajós), Manaus, 1967.

(2) Cf. Anísio Jobim, cit. Barbosa Rodrigues, in Arqueologia e Paleontologia, vol. 11 (1885-1888), “Itacoatiara, estudo social, político, geográfico e descritivo”, págs. 10 e 11, Manaus, 1948.

(3) Cf. Antônio Cantanhede – Outras Histórias do Amazonas. págs. 75, 76, 77 e 78, Manaus, 1964.

(4) Idem, pág. 87.

(5) Cf. Protásio Silva – “Tupi ou Nheengatu e Português”, págs. 60 e 61, Manaus, 1945.

(6) Cf. trecho da carta de Mendonça Furtado, de 4 de julho de 1758, dirigida ao ministro Thomé Joaquim Castro Corte-Real, in Furtado Belém – “Limites Orientais do Estado do Amazonas”, págs. 9 e 10, Manaus, 1911.

(7) Artur Cézar Ferreira Reis – “Aspectos da Experiência Portuguesa na Amazônia”, pág. 120, Manaus, 1966.

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2 respostas

  1. Presente na Câmara Municipal de Itacoatiara, quando da entrega de diplomas e certificados de algumas escolas estaduais e também por ocasião da entrega da Comenda ao Prof. Reinaldo Santos, sentir-se muito mais itacoatiarense quando da sua fala, Historiador na Tribuna daquela casa. O entusiasmo do Sr. é tão grande com suas descobertas, que fazia a platéia em êxtase aplaudi-lo com muito mais entusiasmo, principalmente este humilde escriba de letramento ainda tenro que cada vem mais se orgulha de ser itacoatiarense.
    A sua linha de pensamento seguia da passagem de Mendonça Furtado-o desbravador primeiro que á pedidos dos ribeirinhos situou a cidade onde ora é o local. Me fez sentir orgulho em contar a riquíssima história do nosso oncologista mor-Ellis Ribeiro. A delícia foi ainda além em descobri a saga do nosso Nobre João Valério de Oliveira, em toda sua trajetória política e profissional.
    A hora passou tão rápida, que esqueci que tinha prometido ir às Pedras comprar jaraqui para a esposa fazer o jantar. Mas valeu apenas participar da sua nova descoberta em dizer que Itacoatiara é a cidade mais antiga do Amazonas, e que a sua data de Nascimento não é em abril.
    Valeu, Chico!

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