Manaus, 29 de março de 2024

O futuro do passado

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A oposição regional e universal não estaria sendo vista do avesso? A experiência da modernidade já foi feita na região. Mas os jornalistas, os tecnocratas e o governo central foram incapazes de favorecer a aceitação de experiências locais no processo de integração econômica. Isso aparece claramente tanto nas páginas da revista VEJA ao tentar enjaular Milton Hatoum, como nos projetos de pecuária com incentivos fiscais: a chegada do boi só foi uma tal catástrofe para a Amazônia porque o modelo agropecuário foi imposto a um estado, o Acre, onde não havia tradição de criação de gado, e que por causa disso perdeu sua cobertura florestal tradicional. Por que não usaram em vez disso as zonas tradicionais de pasto, como as existentes no baixo Amazonas, na legião de Óbidos, Alenquer e Oriximiná, ou em Roraima, cuja superfície é superior à de todos os pastos europeus reunidos? Esse é exatamente um caso em que a integrarão econômica foi feita em detrimento da história e da tradição locais. E, no entanto, a arrogância não ficou apenas com os tecnocratas do governo militar, um contingente imenso de salvadores da Amazônia estabeleceu suas agendas baseadas em conclusões apressadas. Mas salvar a Amazônia não significa reconhecer a existência de uma massa intelectual crítica aqui. Como vimos, a Amazônia é uma invenção do Brasil.

Os moradores da Amazônia sempre se espantam ao ver que, talvez para melhor vendê-la e explorá-la, ainda apresentam sua região como habitada essencialmente por sociedades primitivas, enquanto existem há muito tempo cidades, uma verdadeira vida urbana, e uma população erudita que teceu laços estreitos com o mundo desde o século XIX. Aliás, nisso residem as maiores possibilidades de resistência e de sobrevivência dessa região. Com efeito, os povos indígenas da Amazônia logo descobriram que nada conseguiriam se não se apoiassem nesta população urbana que é a única que se expressa nas eleições e exerce pressão sobre a cena política brasileira. A Amazônia conta com uma população de cerca de vinte e cinco milhões de pessoas e Com doze milhões de eleitores, o que não é pouca coisa. Embora o Brasil se orgulhe de ter conquistado a Amazônia, o povo amazônico soube resistir e preservar suas peculiaridades. Continua havendo uma cozinha, uma literatura, artes cênicas, arquitetura, artes visuais, música, uma cultura da Amazônia.

Há uma maneira de ser do homem do extremo norte, que nunca será aniquilada. O que precisamos é intensificar as trocas entre as diversas Amazônias, de tal modo que cada uma das unidades políticas, nacionais e estaduais, tomem conhecimento e formem o mercado de trocas culturais e de conhecimentos científicos. Não é mais possível que em Manaus nada se saiba da vida cultural de Belém, de suas estreias teatrais, de suas vernissages, de seu movimento editoria e musical. O poder central nos retalha deliberada mente e permite que os interesses econômicos das empresas de aviação tenham o controle total das rotas e dos preços. É mais barato sair da Amazônia para o sul do país que ir de Belém a Boa Vista.

Esta é uma das formas de nos colonizar, de nos manter no gueto regionalista. O mesmo gueto nos remete ao gueto maior do terceiro mundo, aquele que faz com que nossos livros nunca cheguem à mesa dos críticos literários dos jornais, mas sejam analisados pelos jornalistas que escrevem sobre turismo sexual em Parintins.

Talvez a invenção do termo regionalismo na origem fosse meramente taxonômica, mas ela agora tem inegavelmente uma conotação restritiva, uma roupagem ideológica que cada vez mais parece uma deliberada segregação cultural.

E isso não é só ruim para a Amazônia, é péssimo para o Brasil. Porque se a Amazônia é um território do primitivo, sem vida cultural relevante, logo somos reduzidos à mera natureza.

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