Manaus, 28 de março de 2024

Nos palcos da vida

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“Aconteceu uma mudança profunda na economia da cultura a partir dos anos 70. Os espetáculos eram bancados pelos seus produtores …

… em geral os próprios artistas, que se organizavam em empresas. Esse teatro precisava de público para sobreviver. As peças começavam a ser apresentadas a partir de quarta-feira e nos sábados e domingos havia sessões duplas. Ou seja, uma peça fazia algo como seis apresentações, às vezes sete, pois algumas eram encenadas na tarde de um dos dias da semana. Isto trazia um importante desafio à criação artística, que é ‘a atenção a ser dada, ao público. A minha experiência como frequentador de teatro antes da década de 70 era que o público vinha assistir teatro brasileiro, e não apenas teatro digestivo. ARENA CONTA ZUMBI foi um enorme sucesso, como OS PEQUENOS BURGUESES e O REI DA VELA, do Oficina. Nesse período o teatro resistiu muito bem à brutalidade da censura e foi possível irromper um talento como Plínio Marcos, ou um Antônio Bivar ou um TimoshenkoWebbi. Mas na década de 70 tudo começa a mudar para pior do ponto de vista da economia teatral. A televisão vai se tornando insidiosa e onipresente, a escolaridade decai em todos os níveis e entram em cena os editais e as leis de incentivo à cultura. Aí você vai perguntar, você é contra as leis de incentivo? Não é fácil de responder esta pergunta. De um lado, quem realmente precisa desse incentivo tem enormes barreiras que tornam a solução em problema.

O estado brasileiro é fiscalista, você pode ter pedido um apoio para fazer duas peças e encenado dez, com muito público não pagante, mas se você não “bater” a “consolidação bancária” com “os recibos e notas fiscais”, você corre o risco de ir para a cadeia. E sem a fama instantânea dos algemados do mensalão. Outro problema é que você não tem nenhum risco, nem precisa de público para levar algum para casa. Gerando esse teatro ininteligível feito para satisfazer os relatórios ‘dos departamentos de marketing. Uma vez ganhei da Fundação Guggenheim uma bolsa para escrever um romance. Fiz o romance e contratei um contador para fazer a prestação de contas. Depois de pronto e editado, fui à Nova lorque para uma reunião com os curadores da bolsa. Entreguei as edições brasileira e norte americana do romance e um calhamaço com a prestação de contas. Os curadores me devolveram o calhamaço e me informaram que a prestação de contas era considerada aprovada com a’ entrega da obra pronta editada. A bolsa era para apoiar a criação de uma obra de arte, não para testar os conheci mentos contábeis do artista. Vejamos a Le Rounet, esta é uma lei paranoica, onde você já é suspeito ao apresentar o projeto para apreciação da CNIC. O MINc quebra teu sigilo fiscal sem autorização judicial, para vigiar a movimentação da conta especial. E até hoje só tomei conhecimento de projetos de grandes em presas que por possuírem equipes de contabilistas, foram aprovados com louvor, embora o “produto” cultural tenha ficado anos luz de qualquer categoria artística. Outra questão é o quase monopólio dos patrocínios, com ou sem a Lei Rouanet, que vão para São Paulo e Rio de Janeiro. O MINc faz declarações de princípios sobre a equidade das regiões, mas a verdade é que para o Norte e Centro Oeste chegam migalhas. E os critérios adotados para os grandes projetos midiáticos são iguais aos exigidos do humilde grupo amador das barrancas do São Francisco. Pior, grupos do centro sul recebem diretamente de eS1ftais quantias que permitiriam grupos amazônicos viverem décadas. Como esses privilegiados podem contratar burocratas bem-dotados em ficção contábil, as contas numeradas nos paraísos fiscais continuarão prosperando. Muito se falou em reforma da Lei Rouanet. Pena que ninguém ouse tocar no espírito fiscalista e burocraticamente intolerante da lei. Talvez agora seja o momento de pôr tudo em pratos limpas.

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