Manaus, 19 de abril de 2024

Mestre exemplar

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Pode parecer estranho à primeira vista que um padre se envolva ou pratique diabruras, mas a verdade é que nos tempos do império do Brasil, quando o Amazonas era uma das suas mais modestas províncias, andava por aqui e mantinha grande influência um padre que virou monsenhor e mandava e desmandava em nome da igreja e dos homens, do poder dos céus e da terra, como se fosse rei. 

Vestido conforme os padrões da época, carregando consigo os livros da religião e sempre acompanhado de dois seguranças cedidos por ordem do chefe de Polícia porque esta era a ordem geral que se impunha, o padre foi parlamentar, vice-presidente e presidente Interino da Província, rezou missa, Te Deum, casamento e presidiu eleições, ou seja, fez e desfez a toda a hora; conforme a própria vontade a qual anunciava sempre em tom de arrogância e beligerância.

Sua autoridade era tanta que, por várias vezes e por alguns anos, ocupou dois cargos civis ao mesmo tempo e por ele recebeu pagamentos, além da côngrua que o estado brasileiro tinha de pagar porque a religião católica era a oficial do império e cabia ao governo manter a igreja, os prédios e os ofícios religiosos. E quando instado a largar o osso o padre ser rebelou e fez ameaças de toda a natureza.

Quando presidente interino da Província, coisa que era comum haver porque os titulares em sua maioria vinham de fora e passavam pouco tempo ocupando o palácio da pequena cidade da Barra, o padre, que já era monsenhor, não titubeou e meteu os pés pelas mãos de uma maneira tão intensa e em tão pouco tempo, que nem mesmo os líderes políticos mais audaciosos de então acreditaram no que estavam vendo. Foi um verdadeiro “Deus nos acuda” para tirar o monsenhor do sólio presidencial, com debates intensos e agressivos registrados pela imprensa.

Além do mais, certa feita, não satisfeito com tudo que já havia aprontado, o monsenhor passou dos limites por uma coisa que parece banal e sem importância, mas que para ele foi o suprassumo da desobediência porque todos os súditos, brasileiros ou não, em terras do império, deviam prestar reverência constante a sua autoridade. Andando pela rua em direção ao hospital para atender um doente em estado grave, acompanhado de seus guardas de honra, o monsenhor cruzou com dois estrangeiros (um francês e um norte-americano) que não se ajoelharam diante dele no curso do caminho, e, na mesma hora mandou prendê-los e levá-los ao delegado de Polícia e chefe da Segurança da Província, para serem recolhidos ao xadrez.

Ao que se vê, além de todas as diabruras anteriores comandadas pelo padre e monsenhor no campo da política, da instrução pública onde foi professor e diretor geral e da imprensa na qual manteve muitas e variadas polêmicas que incendiavam as hostes ‘partidárias de então, mas quando mandou prender os gringos parece ter passado da medida embora todos saibamos do poder extraordinário dos religiosos católicos por força da Constituição do Império.

Eis que surge o velho ditado, distorcido é bem verdade: “ajoelhou tem que rezar”, modificado para a fórmula do monsenhor Raimundo Amâncio-de Miranda -“não ajoelhou vai preso”.

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