Manaus, 24 de abril de 2024

Marteladas no jornal

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“[…] havia quem entendesse que as críticas seriam ácidas demais para o governo suportar; outros que salientassem que a República impunha a liberdade de expressão como um direito”

Era uma sexta-feira da Paixão de Cristo na Manaus antiga, de sonhos e fantasia de riqueza para alguns e apreensão para a maioria da população manauense, tempos depois da deposição do major Thaumaturgo de Azevedo do cargo de governador. A cidade vivia empanturrada de jornais que circulavam ao grito de poucos jornaleiros, quase todos, oficial e publicamente assumidos como órgãos de defesa de partidos políticos, salvo raras exceções que, a rigor, não sobreviviam por muito tempo.

O Partido Nacional, por exemplo, organizado logo depois da implantação da República, que no Amazonas era chefiado pelo médico e político Jonathas de Freitas Pedrosa, mantinha o “Diário de Manaos” como veículo de informação e defesa do seu programa e ideário e para propaganda dos seus líderes, mas, como era moda e função do jornal naqueles anos, sentava a peia nos adversários do partido.

Como empresa comercial o “Diário de Manaos” era de propriedade dos doutores Agesilau Pereira da Silva, Carneiro dos Santos e Coelho de Rezende, e mantinha rigorosa oposição ao governo de Eduardo Ribeiro (1892-1896). Sua sede e oficinas eram na atual Avenida Sete de Setembro, em prédio no qual anos mais tarde funcionou a Fábrica Bijou, em frente à praça de Heliodoro Balbi (dita da Polícia).

Nas rodas palacianos, possivelmente, havia quem entendesse que as críticas seriam ácidas demais para o governo suportar, outros que salientassem que a República impunha a liberdade de expressão como um direito e era necessário ter espírito público para compreender que a voz das oposições deveria ser ouvida na democracia; outros mais que considerassem haver excesso em muitas matérias publicadas pelo jornal, mas, segundo se pode depreender pelos correr dos fatos, o governador Ribeiro parecia acompanhar os acontecimentos sem esboçar maiores reações ou resistências.

Mesmo assim, naquele dia santificado, inesperadamente, em plena madrugada e até antes do amanhecer, deu-se o que Agnello Bittencourt classificou de uma “obra sinistra” praticada por um grupo ensandecido e cansado de acompanhar as agressões contínuas. Martelos a mão, invadiram as oficinas do jornal e destruíram, a marteladas e com ferocidade, o parque gráfico no qual eram preparadas as edições consideradas ofensivas.

Não satisfeitos com o feito que, naturalmente, entendiam heroico e praticado para fazer justiça ao governador, resolveram tocar fogo no edifício para que nada restasse e o jornal não mais voltasse a circular.

Completada a “obra”, e naturalmente satisfeitos com a ação que na verdade foi nefasta, se dirigiram à residência do governador Eduardo Ribeiro para comunicar o feito que consideravam justo, perfeito e acabado. Ao adentrarem a casa, na Rua de José Clemente, em cujo prédio se encontra o Museu que leva o nome de Ribeiro e conta um pouco de sua história, mas o que receberam de volta foi uma tremenda reprimenda do governador que, conforme explica Agnello “ficou indignado e reprovou a selvageria comprometedora do seu governo”.

De todo modo a desgraça estava feita. Seja aquela que impôs a suspensão de circulação do “Diário de Manos”, a que provocou a pecha de incendiário ao governo estadual, e como a de destruição do patrimônio alheio e do acervo histórico das edições jornalísticas que revelavam o outro lado do governo, sob a ótica de opositores.

O fato é que em 12 de setembro de 1892, denunciando os fatos, o “Diário” suspendeu a circulação, mas retornou no ano seguinte, em 18 de julho de 1893, sob nova propriedade e direção, desta feita sob as ordens de Manuel Mendoza, e a voz oposicionista de Agesilau Pereira da Silva foi silenciada.

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