Manaus, 19 de abril de 2024

Legitimo e impopular

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*Robson Bonin

Um dos homens mais ricos do país, o ministro da Agricultura fala da experiência de conviver com colegas envolvidos em escândalos e de pertencer a um partido notório pela corrupção.

“Deixei uma coisa bem clara para o presidente e para o partido que me indicou. Se vocês querem ter um ministro que vai ajudar o partido a fazer negócios, não me levem para lá”

“O ministério regulava até o tamanho do queijo que o pequeno produtor fazia lá no interior de Minas Gerais. Por que o governo tem de regular isso? ”

Não ê exagero dizer que o senador Blairo Maggi comanda uma ilha no governo do presidente Michel Temer. Enquanto muitos ministros estão mergulhados em polêmicas e denúncias de irregularidades, a pasta da Agricultura é uma das poucas que apresentam uma agenda positiva, com destaque para a desburocratização e a ampliação das exportações – em especial nos mercados afugentados pelo radicalismo de Donald Trump. Um dos maiores produtores rurais do país, dono de um patrimônio bilionário, antigo aliado político de Lula e Dilma Rousseff, Maggi diz que representa um governo impopular e visto pela sociedade com “ressentimento” por não ter sido eleito como cabeça de chapa, mas garante que a situação pode ser revertida. Nesta entrevista a VEJA, o ministro fala da corrupção em seu partido, o PP, de suas relações com os governos petistas e do conflito de ser a um só tempo empresário, político e gestor público.

O senhor se sente à vontade no governo do presidente Michel Temer? Temos um governo legítimo, mas que não veio pelo voto popular, e vejo que existe um ressentimento em certos setores. Mas temos dois anos pela frente para realizar as reformas de que o país precisa. A sociedade está entendendo que mudanças profundas são necessárias e que elas podem ser implementadas. O governo Temer conseguiu aprovar praticamente todas as propostas encaminhadas ao Congresso, mas ainda é impopular na sociedade. Na minha avaliação, se conseguirmos aprovar as mudanças na Previdência e em outros setores vitais, teremos chance de passar para a história como um governo reformista.

É constrangedor dividir o ministério com tantos investigados na Lava-Jato? Não é questão de constrangimento. Tenho acompanhado as notícias da operação, mas não converso sobre isso com os colegas. A citação na delação premiada de criminosos é apenas um passo do processo. Daqui para a frente, é preciso ver o que efetivamente vai acontecer. Cada um vai ter de responder pelos seus atos.

O senhor é filiado ao PP, partido envolvido na gênese do petrolão. Entrei para o partido para poder cumprir meu papel no Ministério da Agricultura. Quando me filiei, os fatos que pesam hoje contra o PP já estavam apresentados e eu sabia de todos eles. Para mim, não é novidade o que é dito sobre o partido. Acho que as pessoas terão a oportunidade de se defender no momento certo. Que cada um, como já disse, responda pelos seus erros.

Mas na gênese desses casos de corrupção estão exatamente as indicações políticas para cargos públicos. Quando fui convidado para o ministério, deixei uma coisa bem clara para o presidente e para o partido que me indicou. Se vocês querem ter um ministro que vai ajudar o partido a fazer negócios, não me levem para lá. Posso ajudar o partido politicamente a partir do reconhecimento do trabalho eficiente e dedicado que farei no ministério. Agora, se for por outro caminho, não aceito o convite. O PP entendeu.

Como o senhor enxerga a tempestade que se anuncia para o universo político com a revelação da delação da Odebrecht? Compartilho a opinião de muitos de que tudo isso já deveria ter vindo a público. Cedo ou tarde, virá à tona. Então, quanto mais rápido acontecer, melhor será para o próprio país, que poderá tocar as coisas em frente, seguir com a vida. Quem tiver de prestar esclarecimento vai prestar. No mais, vida que segue.

O senhor apoiou os governos do presidente Lula. Depois, esteve na base da presidente Dilma e inclusive foi convidado para um ministério. Arrepende-se de alguma decisão? Não me arrependo. Há momentos na política em que você tem de fazer aliança com quem está no poder para conseguir obter recursos e apoio para realizar obras no estado. No Brasil, se você é governador, como eu era de Mato Grosso, precisa ter canal aberto e diálogo livre em Brasília para conseguir verbas, buscar apoio para obras e melhorar a vida das pessoas no estado. Fazer isso na oposição é difícil.

Por que o senhor apoiou o impeachment de Dilma? A minha posição no impeachment foi amadurecida junto com o que a sociedade estava entendendo naquele momento. Em 2014, a maioria da população votou pela reeleição da presidente Dilma dentro de uma linha de propostas apresentadas na campanha. Quando passou a eleição, no entanto, revelou-se uma situação econômica exatamente oposta à vendida ao país. Alguma coisa tinha de ser feita. Eu e vários senadores tivemos reuniões com a presidente para alertá-la sobre a gravidade da situação. Em várias oportunidades, nós a advertimos de que era necessário reconhecer que houve um estelionato eleitoral, fazer um gesto à população, porque as coisas, da forma como estavam se encantinhando, não iriam terminar bem. A presidente não ouviu nosso alerta.

O senhor também é muito próximo a Lula. Ele nunca soube mesmo de nada sobre o mensalão e o petrolão? É difícil falar sobre isso. É difícil julgar.

Qual é a diferença entre o governo Temer e os governos petistas? Quando recebi o convite do presidente Temer para assumir a Agricultura, perguntei como eu deveria me portar no ministério. Ele me disse que queria que eu resolvesse os problemas e gerasse boas notícias. Essa é a diferença. Enquanto o presidente delega, a gestão passada centralizava e engessava procedimentos. Penso que a diferença está também no viés ideológico. Tenho participado de agendas internacionais e percebo que existia, nos governos do PT, a tendência de não se envolver com o mercado mundial, de não acreditar muito na ciência nem nos novos processos que surgem. Então, hoje estamos recolocando o ministério nessas discussões que foram deixadas de lado pelo viés ideológico.

O nome do senhor surgiu numa delação premiada em um escândalo de corrupção em Mato Grosso. Passei oito anos no governo de Mato Grosso e reconhecidamente alguns problemas aconteceram nesse período. Não diretamente no governo, mas em paralelo ao governo, na área política. Há várias operações policiais e investigações no estado sobre o período em que fui governador e sobre o período seguinte. Estou acompanhando com tranquilidade esse processo.

O senhor tem mantido uma intensa agenda internacional. Como mudou a imagem do Brasil no exterior? O país tem uma imagem deturpada lá fora. É um desafio alterar isso. Principalmente na Europa, as pessoas pensam que o Brasil é uma grande Amazônia. Não conhecem os nossos biomas. Pensam que o brasileiro produz desmatando a região amazônica. Quando descobrem que o país tem mais de 60% do seu território preservado e que apenas 8% são utilizados para a produção agrícola e 19% para a pecuária, elas ficam surpresas. O Brasil precisa ser reconhecido no mundo como um país que faz agricultura de forma sustentada e preserva o meio ambiente. Ninguém no mundo tem leis de proteção de margem de rio e reserva legal de propriedade como acontece aqui. É um ativo que temos e precisamos divulgar.

Estudos mostram que, no ano passado, 8000 quilômetros quadrados de floresta foram devastados, invertendo a tendência de queda no desmatamento. Esses dados não têm nada a ver com a soja nem com agricultura. Muito provavelmente as áreas desmatadas tenham se transformado em campos de pecuária. Os frigoríficos hoje não estão mais comprando carne de quem faz desmatamento irregular. Não descarto a possibilidade de que isso também tenha a ver com assentamentos. Nós do governo não conseguimos ainda legalizar essas pessoas. Elas não têm cara, não têm acesso a financiamento. Receberam a terra, mas não as condições de produzir.

Como é ser ao mesmo tempo produtor, que reclama da Infraestrutura, e gestor, encarregado de apresentar as soluções? Se olharmos para a frente, vamos perceber que ainda há muita coisa a ser feita. Todo o setor da agricultura tem o direito de reclamar. Também quero mais ferrovias, rodovias asfaltadas ou duplicadas. Mas, se olharmos para trás, há quarenta anos, quando o Brasil começou o modelo de agricultura atual, veremos que o país era um grande importador de alimentos. A gente importava feijão, soja, algodão, trigo, carne … O Brasil não produzia alimentos para sua sociedade, não tinha solos férteis para o plantio e quase não possuía estradas para escoar sua produção. A partir da criação da Embrapa, com o investimento em pesquisa e qualificação, o Brasil avançou. Como somos um pais continental, parece que pouco se avança, mas as coisas estão sendo feitas.

Os produtores dizem que a burocracia de Brasília só atrapalha. O Estado é sempre ineficiente, demorado e burocrático? Hoje, você tem tantos órgãos de controle que é quase o rabo balançando o cachorro. Quando assumi o ministério, chamei os setores produtivos para uma conversa. Setor de alimentos, bebidas, sementes …. Disse que faríamos um programa de desburocratização. Recebemos 380 sugestões de mudanças. Vamos terminar de implementar agora 300 mudanças. São portarias, procedimentos e leis que mudam legislações obsoletas.

Sendo um bilionário que há muitos anos aparece na lista da Forbes, o que o levou a virar ministro? Aceitei a posição de ministro para poder trabalhar e corrigir coisas que eu, como agricultor e empresário, sentia que poderiam ser diferentes na condução do ministério. Desde que virei ministro, tenho estimulado o livre mercado, a expansão de fronteiras comerciais, a redução da presença do Estado no setor produtivo. Posso ter o título de bilionário, mas meus proventos são limitados. A minha família construiu uma companhia que hoje é grande no mercado mundial de alimentos. Mas nesse negócio disponho apenas dos dividendos. Não é um negócio de que posso dispor para comprar um iate, fazer tudo o que quero.

*Jornalista. Entrevista com o ministro Blairo Maggi. Texto na Revista Veja, edição nº 2520, de 08/03/2017.

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