Manaus, 29 de março de 2024

Efeitos Colaterais

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*J.R.Guzzo

O governo brasileiro viciou-se em confundir estatísticas com realidades. Está escrito em algum papel oficial? Então é verdade. Como fomos todos informados pela presidente Dilma Rousseff, não há mais miseráveis no Brasil desde o dia 31 de março, quando foi riscado do cadastro federal o nome do último cidadão brasileiro com renda inferior a 70 reais por mês. A partir daí, quem ganha 71 mensais deixou de ser miserável, pois para a ciência estatística a miséria acaba naqueles 70 reaizinhos – ou cerca de 1,25 dólar por dia, pela média dos critérios internacionais. Daí para a frente o sujeito é promovido a pobre e deixa de incomodar tanto. “O cadastro foi zerado”, anunciou Dilma. Conclusão: como não existem mais nomes no cadastro, não existem mais miseráveis no Brasil. Ah, sim, ainda há um probleminha com gente que ganha menos de 70 reais por mês e que não estava inscrita na lista oficial; é mera questão de tempo até o governo encontrar todo mundo, dar um dinheirinho a mais para eles e acabar não apenas com a “miséria cadastrada”, como falam os técnicos do Palácio do Planalto, mas com o problema inteiro.

Nada disso faz nexo no mundo do bom-senso, mas o governo tomou-se dependente de um outro vício – massagear números aqui e ali e fazer uso deles para tratar como retardado mental todo brasileiro que foi à escola, prestou um pouco de atenção às aulas e acabou aprendendo alguma coisa. O problema de meter-se por essa trilha é que, com frequência, os especialistas em fazer mágicas aritméticas têm de experimentar o próprio veneno. Acaba de acontecer, mais uma vez, com as últimas cifras da ONU sobre o Índice de Desenvolvimento Humano em 187 países – uma medida que informa o nível de bem-estar da população, e não da “economia”, em termos de vida saudável, acesso ao conhecimento e padrão de vida decente, traduzido em dinheiro no bolso do povo. O Brasil pegou o 85° lugar em 2013, dezesseis postos abaixo do Cazaquistão e outras potências do mesmo quilate. Não é um desastre. É apenas aquilo que realmente somos – a mediocridade em estado puro. Só na América Latina, ficamos atrás de Argentina, Chile, Uruguai, Cuba, Panamá, México, Venezuela e Peru, com a Colômbia prometendo passar à frente já no próximo levantamento. Sobra o quê, aqui em volta? Só os casos de subdesenvolvimento que já estão num leito de UTI.

A coisa não para aí. Já que o negócio é ficar refogando números, Como a presidente Dilma tanto  gosta, por que não servir a salada inteira? Em 1980, mais de vinte anos antes de o ex-presidente Lula decidir que o Brasil tinha sido inventado por ele, o IDH brasileiro era de 522, numa escala que começa no zero e chega ao máximo de 1 000; subiu sem parar nesse tempo todo, chegando a quase 700, ou perto de 35% a mais, no Ano I da Nova História do Brasil – 2003 -, quando Lula começou sua primeira Presidência. Nestes dez anos de Lula, Dilma e PT, o índice foi para os 730 onde está hoje. Mais: durante os dois anos do governo Dilma, o IDH brasileiro ficou perto do nível de pressão zero por zero, com crescimento praticamente nulo. O que toda essa tabuada está dizendo, no mundo das coisas reais, é o contrário do que diz o mundo da propaganda oficial: com a sexta ou sétima maior economia do mundo em volume, o Brasil simplesmente não consegue repassar o bem-estar dessa grandeza, nem de longe, para os brasileiros que a constroem.

O governo, assim que recebeu os últimos números, entrou no seu modo habitual de indignação automática: a ONU está errada, as cifras são injustas etc. Quer que a população acredite na demência segundo a qual um cidadão que ganha 71 reais por mês não é mais miserável; ao mesmo tempo, não quer que acredite nos úmeros da ONU. Mais que tudo, ignora o fato de que “a revolução na renda” registrada os governos petistas, e patenteada como invenção pessoal e exclusiva de Lula, é uma mentira: o mundo inteiro, mesmo nos casos mais desesperados da África, viveu uma rápida e inédita redução da pobreza durante os dez anos de governo lulista. De 2000 para cá, 70 milhões de pessoas saem da miséria a cada ano pelo mundo afora. Em apenas seis anos, de 2005 a 2011, a pobreza mundial foi reduzida em meio bilhão de seres humanos. Desde 2003, os países pobres vêm aumentando em 5% ao ano, em média, a sua renda per capita. De onde Lula e Dilma foram tirar a lenda segundo a qual fizeram o que ninguém jamais havia feito?

Vá com calma ao mexer em estatísticas, presidente. É um produto que pode ter efeitos colaterais indesejáveis.

  *Colunista de Veja. Fonte Revista Veja. Editora Abril, edição 2317, ano 46 – nº 16, 17/04/2013

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