Manaus, 29 de março de 2024

Clóvis Amaral Machado: o Aranha Negra

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“Clóvis Amaral Machado é considerado um dos melhores goleiros que surgiu no Amazonas”.

A alegria das tardes de domingo, o sol ardente sobre as quatro linhas do campo de futebol no Parque Amazonense, teimosos torcedores se aglomeravam para ver o espetáculo dos voos memoráveis do goleiro Aranha Negra. O estádio foi vendido e desapareceu. O campo do Parque Amazonense que eu tive a felicidade de frequentar ficava em uma área enorme, cuja a entrada principal era na rua por trás do Cemitério São João Batista, no conhecido Bairro Beco do Macedo, área que pertenceu a Maçonaria. Como destaca o autor Carlos Zamith, no seu livro Baú Velho – Histórias do futebol de Manaus e Personagens.

… “O Parque Amazonense começou a existir nos idos de 1906. Foi no governo do então. Coronel Antônio Nery, sendo o Prefeito Municipal de Manaus o Coronel Adolpho Guilherme de Miranda Lisboa, que com uma Lei dá Intendência fosse concedido a um cidadão uma área de terras no antigo Bairro do Mocó, para ali ser construído um hipódromo. O hipódromo foi instalado e funcionou até 1912, quando a crise da borracha motivou o seu fechamento.

Voltou a funcionar a sua pista de corrida somente em 1918, graças aos esforços de Alfredo Costa, Lazar klein, Manuel Marques, o lusitano Maximino e outros proprietários de coudelarias. Já nessa época havia, simultaneamente, partidas de futebol e corridas de cavalo, porque o Dispensário Maçônico, que recebera o antigo hipódromo, por doação, ali fizera um estádio para prática do esporte-rei, cuja inauguração verificou-se em 1918, quando ali esteve pela primeira vez, um combinado cearense. A partir daí, no parque foram disputados os campeonatos de futebol amazonense. Em seguida, também foi construído o campo do luso nos Bilhares, onde eram disputados jogos oficiais, de acordo os interesses da Fada e outros clubes.”¹

Goleiro Clóvis. (Foto:Acervo Abrahim Baze)

Clóvis, o goleiro.

… Após disputar o campeonato amazonense de 1961 pelo Auto Esporte, com apenas 18 anos, Clóvis Amaral Machado entendeu que precisava fazer duas coisas importantes no ano seguinte: arranjar um emprego e continuar seus estudos. E, enquanto colocava a cabeça no lugar para levar a frente os seus planos, foi surpreendido por um chamado bastante interessante. Deveria comparecer à sede do Nacional, na rua Saldanha Marinho para conversar com o Dr. Plínio Ramos Coelho, presidente do clube que, por coincidência, havia sido eleito governador do Estado. Não perdeu tempo e, na hora marcada, estava diante do homem que poderia resolver um dos seus problemas. A conversa foi bem objetiva. Plínio foi dizendo: “quero que você venha jogar no Nacional. Em troca você terá um emprego na Polícia Civil”. Muito jovem e sem a menor vocação para dar expediente em delegacia, Clóvis foi direto na resposta: muito obrigado, doutor, mas eu não tenho jeito pra isso. Preciso de um emprego, mas esse eu agradeço.”

Clóvis andava desanimado, sem disposição para jogar futebol, quando recebeu um chamado de Cláudio Coelho, seu ex-técnico, que lhe fez uma proposta: para defender o Rio Negro teria um salário mensal que seria pago pelo próprio Cláudio, até que conseguisse o emprego que tanto pretendia. Topou na hora e, após cumprir estágio de um ano, passou a defender o alvi-negro a partir do campeonato de 1963, mas somente em 1965 conseguiu experimentar o prazer de ser campeão, após acirrada disputa com o Nacional. Em três disputadíssimos jogos, venceu por 7 a 2, perdeu por 5 a 2. Mas no jogo final o seu Rio Negro levou a melhor com uma goleada de 4 a 1. O time campeão formou com Clóvis, Valdér, Edson Ângelo, Catita e Damasceno; Rubens e Ademir; Nonato, Sabá, Tomaz e Horácio.

Mesmo jogando como quarto-zagueiro nas peladas, Clóvis, vez ou outra, demonstrava elasticidade e arrojo como goleiro. Isso desde o tempo do Nazaré, um time de peladas formado por garotos que residiam próximo da igreja de Nossa Senhora de Nazaré, onde também surgiram Totinha, Valdér, Walter e Pratinha. O prazer de jogar no gol aumentou quando chegou ao juvenil do Auto Esporte, levado que foi pelo ex-jogador Mário Matos. Nos treinos era o mais dedicado e, nos jogos, para o desespero dos adversários, transformava-se no grande obstáculo dos artilheiros.

Clóvis, o goleiro. (Foto:Acervo Abrahim Baze)

Uma certa tarde, Clóvis decidiu comparecer ao treino do time principal. Queria aprender a malandragem dos mais experientes. Por razões justificáveis, Mário Matos técnico do time juvenil, substituiu o técnico Cláudio Coelho no comando do coletivo. Ao notar a ausência do goleiro reserva, Matos determinou que o garoto-revelação fosse defender a meta do time suplente. Clóvis foi o grande destaque com defesas extraordinárias. Mesmo assim, só conseguiu ser relacionado para a reserva de Claudinho, no jogo amistoso que o Auto Esporte teria contra o Bangu do Rio. Só que, quando a bola começou a rolar no gramado do Parque Amazonense, o Bangu, que contava com o famoso Zózimo da Seleção Brasileira, fez dois gols em poucos minutos. Foi aí que, surgiu a grande chance. Tomou apenas um gol, mas a sua estreia foi marcada por uma derrota por três a um.

Sobre a história da tal toalha vermelha, lembro-me muito bem. Em 1967, antes de um clássico Rio-Nal, no estádio da Colina, eu que era locutor de pista da equipe esportiva da Rádio Rio Mar, observei que Clóvis, grande ídolo da torcida do Rio Negro, pedia que o massagista lhe arranjasse uma toalha para enxugar as mãos. Nesse tempo os goleiros ainda não usavam luvas. Na hora, o técnico Rubem Correia mandou-lhe a sua. Quando percebi que Clóvis estava de posse daquela peça vermelha, aproximei-me e perguntei (fora do microfone) se a toalha estava preparada. A resposta foi negativa. O goleiro disse que não tinha nada a ver com macumba ou coisa semelhante. Sugeri a ele que confirmasse, a fim de que fosse criado um clima para inflamar a torcida do Nacional (meu clube). Clóvis, diante do apelo e da nossa amizade, ao ser entrevistado, fez melhor. Diante das minhas perguntas, respondia com evasivas. Após a entrevista, ele que iria defender o gol bem em frente a arquibancada onde estava a torcida do Naça, passou a sacudir a toalha com o intuito de provocar. Durante o jogo, com saltos acrobáticos, garantiu a vitória do seu time. Foi o melhor em campo. Nascia naquela tarde a lenda da toalha vermelha, que já mereceu muitas versões. Aliás, certa ocasião, em determinado clássico Rio-Nal, um torcedor do Nacional, bastante irritado, arremessou um punhal contra o corpo do excelente goleiro, por pouco não atingindo a sua costa. A história da toalha tinha um defeito psicológico tão grande, que os jogadores do Rio Negro passaram a ser influenciados. Ficavam mais tranquilos quando a peça vermelha estava próxima de Clóvis.

Mas o ambiente rionegrino não estava livre de conflitos. Certa ocasião, por questão de preferência musical, Clóvis decidiu sair no tapa com o zagueiro Maravilha. O goleiro preferia Caetano Veloso, Gal Costa, Chico Buarque, gosto bem diferente do zagueiro que adorava um ritmo brega. Depois do arranca-rabo, Clóvis abandonou a concentração, mas o seu amigo Ademir Maestro conseguiu convencê-lo a voltar e, principalmente, jogar contra o Naça no dia seguinte. Levando a toalha vermelha, evidentemente, para “abalar os nervos dos nacionalinos”. O Rio Negro venceu o jogo por dois a um.

Equipe. (Foto:Acervo Abrahim Baze)

Se a conquista do campeonato de 1965 e o fato de haver integrado a seleção principal do Amazonas, em 1970, contra a seleção tricampeã do mundo, foram as suas duas grandes alegrias no futebol, Clóvis guarda uma grande mágoa. Depois de jogar pela Rodoviária em 71 e de retirar os meniscos, decidiu que a sua carreira havia chegado ao fim. Já havia conseguido um emprego na empresa Moto Importadora e não pretendia continuar arriscando a sorte no duvidoso mundo do futebol. Mas de repente foi seduzido por uma tentadora proposta do empresário Ézio Ferreira. Resolveu voltar ao Rio Negro para disputar o campeonato de 73. Na fase de definição da competição o Rio Negro dava toda pinta de campeão ao vencer o Nacional por dois a zero. O título seria decidido com a Rodoviária, em dois jogos. Foi aí que pintou sujeira. Alguém, anonimamente, ligou para o técnico Décio Leal, para informar que “Clóvis e o atacante Osmar estavam vendidos”. Para complicar ainda mais as coisas, no primeiro jogo, a Rodoviária venceu por um a zero, com um chute de Sudaco do meio do campo. A bola fez uma curva e entrou, dando a impressão de gol fácil. No segundo jogo, a Rodoviária, garantiu o empate de um a um, que lhe deu o título. Clóvis, sob desconfiança, foi desprezado pelos dirigentes e por muitos torcedores. Terminava ali, melancolicamente, a carreira de um dos maiores goleiros do futebol do Amazonas. Por essa razão é que ele jamais incentivou que seu filho Marcelo Augusto (graduado em engenharia eletrônica e mestrado no Japão) jogasse futebol. E tem absoluta convicção de que sua filha Carla sempre sentirá orgulho do passado glorioso e honrado do pai que tantas alegrias proporcionou aos torcedores.²

Clóvis Amaral Machado. (Foto:Acervo Abrahim Baze)

Texto enviado pelo amigo Aníbal Sérvulo da Rocha Normando, através do WhatsApp:

“As sombras das redes, luvas, chuteiras e toalhas imortais. Uma homenagem póstuma dos desportistas do Amazonas à Clóvis do Amaral Machado que junto com Sandoval de Jesus Monteiro, Marialvo, Procópio, Marcos e outros destacados goleiros do futebol amazonense deixaram saudades de suas arrojadas defesas, que até hoje estão guardadas no Baú Velho do nosso Zamith.”

*Clóvis Amaral Machado é sem dúvida considerado um dos melhores goleiro que surgiu no Amazonas, apesar de ter jogado em outros times tornou-se ídolo do Athlético Rio Negro Clube. Nasceu no dia 20 de outubro de 1943 e faleceu em 13 de outubro de 2020, vencido pelo Covid-19.

Clóvis Amaral Machado. (Foto:Acervo Abrahim Baze)

Referências

¹ Zamith, Carlos. Baú Velho: Biografias e histórias do futebol de Manaus. s. ed. 1999. Pág. 38.

² Libório, Nicolau. Memórias do Esporte no Amazonas. Manaus: Editora Uirapuru, 2009. Pág.: 40,41 e 42.

Interação

Tendo como inspiração a publicação deste artigo de Abrahim Baze, o poeta brasiliense Renato José criou uma poesia e a enviou para o articulista. Segue na íntegra:

À Manaus de Abrahim Baze
(Por: Renato José)

À sua Manaus querida curvei a fronte
em gesto de contemplação serena.
Foi amor à primeira vista do horizonte
das fotos nostálgicas aos textos que dos
pássaros o canto encena.

Toca-me o orvalho da noite dez de novembro.
Sinto o abraço dos amigos boêmios antecipando
a saudades na despedida do Bar Avenida. Nova
Arte a testemunhar, em lágrimas, soluços poéticos ecoando

ares do velho continente, Belle Époque, raios
primeiros do século vinte, a iluminar o polo alado
dos sonhos. O amanhã venturoso. O esvaio
do tempo nas recordações, acervo preservado.

Manaus querida do Poeta em nostalgia plena
passeando das aldeotas indígenas antigas
à atualidade cheia de detalhes, cantigas
das máquinas, gritos, que a glória engrena.

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