Manaus, 29 de março de 2024

As origens reais e o futuro

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Não sou historiador, mas tenho fascínio pelas origens da terra onde nasci e essa postura se apoia na certeza de que povo sem passado é povo sem futuro. Por isso leio, compulsivamente, livros e trabalhos que usam o pouco que sobrou do extermínio étnico praticado pelos europeus, para descrever a ocupação humana da Amazônia acontecida há mais ou menos 12 mil anos. Entre esses restos gentílicos, lembro a sofisticada cerâmica, os objetos encontrados por Anna Roosevelt em Monte Alegre (11.200 anos), os machados de pedra descobertos no Abrigo do Sol (MT) com datação entre 10 e 7 mil anos a.C. e as pontas de flecha achadas no rio Tapajós (Pará) e na Povoação de São Felipe (RR) datadas entre 6 e 4 mil anos a.C. A interpretação dessas leituras me faz concluir que, na passagem desses 344 anos de registro oficial, muita história está sendo esquecida, por ignorância ou má fé.   Origens reais  Evidentemente, considero um ato positivo de cidadania a comemoração de datas históricas, mas não aceito que se omitam as raízes indígenas desta Manaus que também foi palco de uma “Cultura da Selva Tropical” (Marcio Souza), praticada por milhares (milhões?) de silvícolas que habitavam essas terras e desenvolveram complexas sociedades hierarquizadas, governadas por avançados sistemas políticos, controle demográfico e um ajustado modelo de produção socializada de bens de uso e consumo. O problema é que os indígenas não tinham linguagem escrita e a história oralmente transmitida desapareceu com o extermínio das tribos (de suas culturas e linguagens) por colonizadores cruéis que apagaram uma parte dessa nossa história que aparece apenas em grafismos deixados em pedras e em sítios arqueológicos que vão sendo destruídos pelos impiedosos neo-colonizadores.   Só uma parte da história  Para mim, focalizar apenas registros escritos por colonizadores, tornando-os emblemas do nosso passado, é uma atitude submissa de povo colonizado. Comemorar os 344 anos associando-os à construção, em 1669, da Fortaleza de São José do Rio Negro me parece um desrespeito à história real que tem suas raízes fixadas nas muitas tribos e povos indígenas que aqui viveram há milhares de anos.   O futuro A questão, evidentemente, não é simples, pois não é possível estabelecer analogia entre o nascimento de uma pessoa ou um ato inaugural e o surgimento de um povo cuja origem é difusa no tempo e no espaço. O nascimento de Manaus, a meu juízo não deveria estar associado apenas às datas que marcam atos da colonização cujo único objetivo era a usura fixada no Canto Segundo de “Os Lusíadas”, (1572) que diz: E se buscando vás mercadoria/Que produze o aurífero. Levante/Canela, cravo, ardente especiaria/Ou droga salutífera e prestante/Ou se queres luzente pedraria/O rubi fino, o rígido diamante/Daqui levarás tudo tão sobejo/Com que faças o fim o teu desejo. Além disso, a construção da Fortaleza começou muito antes de sua inauguração, em um local que já existia do ponto de vista geográfico e social e o forte traço genético gentílico predominou nos descendentes da mistura étnica. A história não colonizada revela a existência de várias etnias e milhares (milhões) de silvícolas que desenvolveram um sistema de relação homem-natureza assentado no acesso e uso da biomassa. Para os que estudam a utopia possível do desenvolvimento sustentável, essa constatação é preciosa e reforça as modernas teorias desenvolvimentistas que recomendam uma sustentabilidade assentada na biodiversidade e no conhecimento tradicional, tudo como parte de um modelo alicerçado na ética da outridade, exatamente com nas comunidades ancestrais. E é por isso que abomino o esquecimento dessa parte da nossa história criada pelas populações tradicionais, pois precisamos dela (mais do lógos que do techné) e da ciência moderna para construir, aqui, um moderno Polo de Bioindústrias. O caminho que garante a conquista das liberdades substantivas propostas por Amartya Sen, só será percorrido se houver uma valorização adequada da biodiversidade e do conhecimento tradicional. É por isso que precisamos conhecer e entender a história plena e não apenas aquela escrita por colonizadores. Comemorar datas registradas pode ser um caminho para a construção da cidadania, mas é inaceitável que pelo menos as escolas públicas não ensinem a história não historiografada de nossa cidade e de nossa região, pois os novos colonizadores se aproveitam dessa ignorância para assumirem o posto de construtores do nosso Primeiro Dia da Criação.

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