Manaus, 28 de março de 2024

A função da Amazônia na sociedade cristã ocidental

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Do ponto de vista doutrinário a legitimação do status colonial da Amazônia decorre de toda a literatura produzida visando desenvolver o mercantilismo que podemos sintetizar no seguinte:

 “… as colônias… devem: primeiro dar a metrópole um maior mercado para seus produtos; segundo; dar ocupação a um maior número dos seus (da metrópole) manufatureiros, artesãos e marinheiros; terceiro, fornecer-lhe uma maior quantidade dos artigos de que precisa”. (cf. HENRI, See. As origens do capitalismo moderno. In: NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil no antigo sistema colonial (1777-1808). 2 ed., São Paulo, Hucitec, 1981, cap. I, p. 59).

Na verdade podemos aplicar à Amazônia aquelas palavras que Eduardo Galeano refere à América Latina:

“… desde o descobrimento até nossos dias, tudo se transformou em capital europeu ou, mais tarde norte-americano, e como tal tem-se acumulado e se acumula até hoje nos distantes centros de poder. Tudo: a terra, seus frutos e suas profundezas, ricas em minerais, os homens e sua capacidade de consumo, os recursos naturais e os recursos humanos”. (cf. GALEANO, Eduardo. Cento e vinte milhões de crianças no centro da tormenta. In: ____. As veias abertas da América Latina. 8 ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979, p. 14).

Se examinarmos a função da Amazônia no processo histórico e geográfico da sociedade cristã ocidental verificaremos que as principais atividades econômicas que lhe foram atribuídas referem-se sempre a exploração extrativa predadora de seus recursos naturais e humanos. Inicialmente foram as drogas do sertão e o extermínio das nações indígenas resistentes ao colonialismo. Posteriormente a exploração das gomas elásticas e das resinas e a degradação dos nordestinos, dos caboclos e das remanescentes tribos indígenas. Atualmente é a vez dos recursos minerais, das madeiras nobres e dos fármacos.

Na verdade, a Amazônia contemporânea dos incentivos fiscais emerge no contexto da criação das zonas francas em todo o mundo capitalista. Trata-se de uma estratégia elaborada nos centros internacionais do poder para resolver a crise de concentração de capital nos países capitalistas hegemônicos ocorrida na década de 60.

Além disso, a Amazônia tinha como agravante contra si uma conjuntura política em que o Estado brasileiro vivia uma ruptura de um processo de aproximação com o socialismo e altamente favorável a adequação do país às novas orientações do capitalismo internacional. Com isso houve todo um redimensionamento das relações dos centros do capitalismo com suas periferias. Ou mais precisamente, houve uma atualização histórica e geográfica do colonialismo, o neocolonialismo.

O que permanece na história e na geografia da Amazônia é a sua condição de subalternidade, sempre sufocada pelas forças estrangeiras. De início são os portugueses que tentam impor à Amazônia indígena a Amazônia portuguesa. Posteriormente o Império impõe a chamada Amazônia luso-brasileira. Ao projeto de constituição da Amazônia cabocla o Estado brasileiro vem tentando impor através de sucessivas tentativas a Amazônia moderna, através dos incentivos fiscais.

“Quando se analisa a região à luz da história recente, emergem imediatamente as múltiplas facetas que têm marcado o processo de sua ocupação.

É a Amazônia da borracha, fazendo jorrar dinheiro fácil e abundante, mas fugaz, como chuva de verão; a Amazônia dos retirantes nordestinos que fugiram à seca para sucumbir no meio da selva sob picadas do mosquito transmissor da malária, ou vítimas das extorsões do sistema de aviamento; a Amazônia da SPEVEA, (Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia), (sic) que nasceu e morreu à sombra da constituição de 1946; a Amazônia da SUDAM, (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia), criada à imagem e semelhança da SUDENE, que apesar de todas as esperanças, ainda não deu certo; a Amazônia da Zona Franca de Manaus, (SUFRAMA), carregada de potencialidades, mas incapaz de alçar voo.

É a Amazônia dos projetos faraônicos, que vão sendo deglutidos pela selva, que avulta qual gigantesca gibóia verde, se a moderna tecnologia não transformar a região em um deserto; A Amazônia dos missionários, que, ao penetrarem na selva e nos igarapés, e ali fixarem residência, ao longo dos últimos quatro séculos, para levarem o evangelho às populações indígenas, foram obrigados a entrar em conflitos; às vezes mortais com aventureiros da civilização ocidental, a fim de preservar os direitos das populações autóctones.

É a Amazônia, sonhada pelos técnicos da Rand Corporation, com a formação de grandes lagos, que facilitariam a circulação humana na área, e proporcionariam acesso mais fácil às riquezas não submersas; A Amazônia das correntes migratórias do extremo-sul, de moto-serra em punho, sonhando em repetir, talvez em vão, na linha do Equador, a epopeia que os notabilizou nos climas temperados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina; e, finalmente a Amazônia, onde, segundo a antropóloga Margareth Mead, todas as civilizações pereceram até hoje, exceto os indígenas.

Essas múltiplas facetas da região e a originalidade que o trópico úmido representa para a humanidade industrializada e desenvolvida, explicam talvez em parte, o enigma, ainda não desvendado, de uma ocupação da Amazônia, capaz de aproveitar sua potencialidade, sem destruir a matriz de sua permanente renovação”. (cf. BARROS, Raimundo Caramuru. Por que a Amazônia está queimando biológica, econômica e politicamente? Rumos Revista de Cultura. Brasília, 0(1):3-9, 1989).

É esse quadro que queremos projetar buscando contribuir para a compreensão desse enigma desde as suas origens mais remotas demonstrando que a partir de uma base territorial “várias Amazônias” vão se sucedendo no tempo ou mesmo coexistindo sem que a Amazônia perca os seus traços originais de subalternidade aos centros hegemônicos do capitalismo.

*Natural de Manaus, AM. Licenciado em História pela FSFCLL/SP. Mestre em Geografia pela UNESP. Doutor em Geografia pela USP. Analista de C&T do INPA.

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