Manaus, 28 de março de 2024

50 Anos Depois

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Claro que a prorrogação da Zona Franca vai ser aprovada no Senado, onde um número menor de votantes pode ser mais facilmente “convencido” pelos argumentos e benesses do governo. A euforia, então, vai tomar conta da classe política (no mau sentido), dos donos do capital, da classe trabalhadora do PIM, dos emergentes e da população contagiada por um ufanismo imediatista que produz aplausos e votos, mas não explica e nem sequer especula como será esse futuro daqui a 50 anos. Em meio século os “pais” da Zona Franca não mais estarão vivos e o futuro pertencerá a uma nova coorte que eles chamam de geração sem saber direito o significado desse termo. O Amazonas parece ter uma sina malévola associada ao período de 50 anos. Em 1764, chegaram os primeiros escravos para trabalhar no modelo pombalino, em 1814 aconteceu a primeira exportação de borracha para atender o novo parque industrial da Europa, em 1864 Richard Spruce levou sementes de Hevea brasiliensis para a Inglaterra, em 1914 acabou o primeiro ciclo gomífero, o golpe militar de 1964 criou a Zona Franca e, em 2014, outro drama se repete.

 

SUBJUGADO E SUBSERVIENTE.

As máquinas da revolução industrial precisavam de borracha e o Brasil foi obrigado a aceitar o modelo imposto pela Inglaterra enviando mais de 100 mil nordestinos para os seringais amazônicos.  Muitos intelectuais alertaram os governantes para a necessidade de estabelecer seringais racionais, ninguém ouviu, mas os ingleses providenciaram o plantio em suas Colônias na Ásia. O ciclo acabou e a Amazônia caiu em um período de profundo sofrimento. A Segunda Guerra e o embargo das exportações de borracha das colônias inglesas na Ásia, trouxeram o presidente americano Franklin Delano Roosevelt ao Brasil para obrigar Getúlio Vargas (adepto do nazifascismo) a mudar de lado criando uma Força Expedicionária (25.334 soldados) para lutar na guerra e o envio de mais de 55.000 nordestinos para serem soldados da borracha e abastecer a indústria bélica americana. Ninguém nunca vai saber a conversa entre os dois presidentes, mas Cosme Ferreira Filho lembra que havia uma ameaça de invasão da Amazônia, por meios pacíficos ou violentos, para se apoderar das matrizes da nossa seringueira, pois a economia e a guerra não podiam depender da fragilidade da produção dos seringais nativos.

 

ECONOMIA DE ENCLAVE.

O modelo agora prorrogado por mais 50 anos é típico de uma economia de enclave que criou encraves sociais, culturais, étnicos, etc., e mantem profundo desprezo e desrespeito pelas nossas amazonidades. Na realidade ele criou uma classe emergente de empavonados que, ao menor sinal de perigo vai debandar como o fizeram os “nouveau riches” da “belle époque”. E assim, o modelo “barata voa” se repete 100 anos depois, ou duas vezes 50 anos.

 

PRORROGOU, E DAÍ?

Se o sistema prorrogado continuar do mesmo jeitão o futuro será incerto, pois ele não foi criado para inserir Manaus na economia mundial, mas por questões de soberania e para abastecer o mercado interno, ainda que sustentado por incentivos fiscais e grandes déficits na balança comercial. Samuel Benchimol denominou a Zona Franca de “modelo eunuco” que precisamos mudar para um modelo de uso da biodiversidade, em um sistema de agregação continuada de valor desde o ponto de coleta até polos biotecnológicos em sistema de “clusters” e não de cadeia produtiva que é típico do modelo atual. O Amazonas pode oferecer para o mercado mundial e não para as gondolas de corredores de Shoppings, produtos de alto valor agregado. O Centro de Biotecnologia deve se estabelecer como cerne desse modelo, pois foi criado para isso, viabilizando o Programa Brasileiro de Ecologia Molecular da Amazônia (Probem).

Esse novo modelo depende de vontade política (no bom sentido), inteligência aguda e conhecimento denso, para elaborar, em primeiro lugar, um documento básico de política pública (stricto sensu) que contenha as bases teóricas, os pressupostos, a filosofia do projeto, enfim, que deve priorizar o uso da biodiversidade e da biotecnologia. Esse documento será a base para a construção de uma Agenda de Desenvolvimento que se consolidará como Projeto de Estado (não de governo) com metas pétreas e prazos pouco flexíveis. A configuração dos dois documentos exigirá a participação de pessoas altamente qualificadas técnica e cientificamente, pois o Amazonas não pode mais ficar na dependência do chororô das carpideiras, do “eu acho”  e dos “conchavos” políticos (no mau sentido) para formatar seu presente e planejar seu futuro.

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