Manaus, 28 de março de 2024

Uma juventude com ideais socialistas abatida pela ditadura militar

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Corria o ano de 1963,  no Brasil havia um clima que se imaginava favorável à revolução socialista, com o governo de  João Goulart vivendo momentos de euforia, o presidente se colocando à esquerda na perspectiva de promover as chamadas reformas de base, com o apoio dos sindicatos e expressiva parcela da população brasileira.  À época,  éramos jovens  estudantes de segundo grau em Manaus, cuja convivência com a escola, com os colegas e com a sociedade, foi muito bem retratada na primeira edição do livro Gymnasianos, primorosamente escrito pelo grande escritor e cientista da economia amazônica, Osiris Silva.

Há  fatos do meu conhecimento, ocorridos naqueles tempos,  gravados na minha memória, que já conta com algumas décadas nas minhas andanças no tempo, que transmitem, hoje, uma versátil dica da inquietude juvenil em busca de um país melhor.   Era o mês de julho de 1963, ano anterior ao golpe militar violento que violentou a Constituição democrática de 1946 e os direitos humanos, com centenas de adversários do regime mortos e desaparecidos. Nós, estudantes, nos envolvíamos na política nacional, de forma indireta, mas exercendo cada um a sua vocação ideológica nas posições de esquerda e direita. Entre  nós  não havia a posição de centro. Tínhamos a entidade que congregava os estudantes, que era a UESA (União dos Estudantes Secundaristas do Amazonas).

A diretoria da UESA era disputada com enfrentamento ideológico, e às vezes, até com força física entre os integrantes dos grupos de formação ideológica adversa. E pela disputa eleitoral democrática, havia revezamento na direção da entidade entre as duas correntes às quais se filiavam os estudantes, ou seja, uma vez ganhavam os esquerdistas, outra vez venciam os direitistas.  Em julho de 1963, a diretoria da UESA da qual participei, estava nas mãos da esquerda, e reunimos um grupo de estudantes, composto por Paulo Figueiredo, hoje um competente advogado e brilhante escritor, Alfredo Santana, hoje promotor de justiça aposentado, Almir, delegado de polícia aposentado, Edson de Oliveira, hoje um advogado qualificado, Nhemias e João Roque, e no Rio se incluiu o Nobre Leão, para participarmos do  16º Congresso Nacional de Estudantes Secundários, de 13 a 20 de julho de 1963, que foi realizado em Curitiba.  Nesse tipo de evento de estudantes era discutida e debatida uma agenda de problemas brasileiros, que queríamos ver resolvidos com as propostas e a força jovem do s estudantes.  Lá chegamos, passando antes pelo Rio de Janeiro onde ficamos hospedados na sede da UNE, enquanto aguardarmos o dia da viagem para Curitiba.

Naquela cidade,  fomos recebidos pelos organizadores do congresso. Todo o nosso grupo de estudantes naquela viagem, vivendo um estado de pobreza infinita. As passagens foram fornecidas pelo governo do estado, numa viagem de avião que era chamada de “vôo da fome”, e nós da delegação amazonense dispondo de péssimas  condições financeiras para   alimentação.  Enquanto permanecemos no Rio de Janeiro, socorremo-nos do restaurante calabouço, que era destinado aos estudantes, com preço acessível. Não existe mais hoje. Ainda na capital fluminense, fomos levados pelo Edson de Oliveira à paróquia de Irajá, onde havia um padre que nos acolheu com muita bondade e simpatia, dando-nos alimentação e se precisássemos, também pousada.

Um fato curioso, ocorrido no plenário do congresso, que o Paulo Figueiredo me lembrou,  com a sua memória prodigiosa de escritor-historiador, foi que não foram distribuídas pastas para todos da nossa delegação  do Amazonas, pois faltou uma para o João Roque, e por isso, ele disse que não faria nenhum pronunciamento. Logo, na hora, o Paulo pediu uma reunião de todos e sugeriu que entregássemos todas as nossas pastas para o João Roque, que reclamava que não tinha nenhuma, e assim só ele se pronunciava e nós só usávamos os ouvidos e não a voz. Ele entendeu a gozação, ficou sem pasta e foi  quem mais se pronunciou no congresso. Entretanto, apesar das dificuldades financeiras que enfrentamos na viagem, tivemos uma boa participação no debate dos temas da pauta proposta, que mereceu o respeito dos congressistas das delegações de outros estados brasileiros.

O Paulo Figueiredo, o Alfredo Santana, o Edson de Oliveira demonstraram ser grandes oradores aos estudantes presentes. Na verdade, todos nos pronunciamos, com o potencial intelectual possível de cada um que assomou a tribuna. Mas, logo adiante, em lº de abril de 1964, implantou-se a monstruosa e sanguinária ditadura militar, que massacrou os ideais da juventude esquerdista que queria transformar o Brasil, para melhorar a vida do povo, com desenvolvimento e progresso social, enfim, tudo que se precisa fazer agora, para termos um país onde se possa respirar liberdade, paz e felicidade coletiva, com ética e sem corrupção.

Mas os jovens daquele passado da história do Brasil, está marcado na mente de todos os jovens, hoje adultos com conduta positiva e produtiva na sociedade. Lembro do Francisco Gomes da Silva, que foi um estudante arrojado e audacioso na defesa das suas ideias democráticas e da liberdade, na sua vocação de grande orador. Hoje, membro da Academia Amazonense de Letras, promotor de justiça aposentado e grande historiador. Outros companheiros fizeram a sua parte e não se omitiram na hora de enfrentar a opressão do governo autoritário que se instalou no país em 1º de abril de 1964.

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