Manaus, 19 de abril de 2024

Telhado de cristal

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*Rosely Sayão

Os mais novos merecem um olhar com compaixão e compreensão.

Quem é que hoje não participa de grupos feitos em aplicativos como o WhatsApp? Há grupos considerados principais, e subgrupos criados com parte dos integrantes destes que discordam do que é dito nos primeiros. Há grupos de trabalho e de moradores de prédios e de condomínios; grupos de pais, alguns com a participação de professores, vários subgrupos que contestam a autoridade escolar, e assim por diante. Neles, quase todos os participantes são juízes que julgam e professam sentenças definitivas a respeito do comportamento do outro. Os poucos que conseguiram se ver livres desses grupos são uns felizardos: evitam uma quantidade enorme de encrencas fúteis e inúteis.

Os grupos que nos interessam agora são os compostos de mães e pais que querem acompanhar a vida escolar do filho em conjunto com os pais dos colegas, e outros grupos que, por algum motivo, acabam falando do comportamento de crianças e de adolescentes. Mas é bom lembrar que os fatos sobre os quais vamos refletir não se restringem aos grupos virtuais; eles representam um retrato fiel de nossa sociedade.

Nós, adultos, demos para criticar qualquer ato dos mais novos que foge ao que consideramos “normal” com um tom moralizante e cruel jamais visto anteriormente. Isso já dura algumas décadas, mas tem se tornado cada vez mais comum. Chegam até mim, com regularidade, por meio de pais e de educadores profissionais, cópias de trechos de conversas desses grupos.

Neles, já vi crianças com menos de 6 anos serem chamadas de marginais, de ladras e de outros adjetivos semelhantes; adolescentes são chamados de bêbados, de drogados, de imorais, por exemplo. E olhe que estou poupando você, leitor, das declarações mais implacáveis.

As famílias dos mais novos em questão nesses comentários também não são poupadas. Elas se transformam, rapidamente, em famílias desestruturadas, doentes, que não têm berço, que não ligam para os filhos, que não os educam, sem que as pessoas que fizeram os comentários nem sequer as conheçam. Os adultos que proferem com aparente naturalidade essas declarações não se lembram, no momento impulsivo em que enviam as mensagens aos grupos, que a maioria deles tem telhado de vidro. Aliás, de vidro não; de cristal, por ser ainda mais frágil!

Qualquer criança e qualquer adolescente podem vir a praticar um ato que a família ensina que não deve ser praticado. Por quê? Para experimentar, para conhecer seus limites, para ser aceito e admirado por seus pares, por impulsividade, por descontrole, por ganância, por influência do grupo do qual faz ou quer fazer parte e influenciado, inclusive, pela sociedade. Por isso todos temos telhado de cristal.

A criança que apanha de um colega pode tentar bater em outro; o jovem que nunca ingeriu bebida alcoólica ou não teve contato com droga ilícita pode sentir-se tentado a experimentar, e assim por diante. E os juízes do comportamento dos filhos dos outros podem passar a ser julgados pelo comportamento dos próprios filhos! Os mais novos merecem um olhar com compreensão de nossa parte. Em vez de julgá-los e condená-los, devemos cooperar com eles. Colaboramos, assim, para um futuro melhor para nossos filhos.

*Psicóloga. Artigo na Revista Veja nº 2575, de 28/03/2018.

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