Manaus, 20 de abril de 2024

Quilombos do baixo Amazonas

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Por volta de 1780, teve início o cultivo do cacau e a criação de gado em grandes fazendas na região de Santarém e de Óbidos. O crescimento econômico tornou essa região uma das mais importantes na Província do Grão-Pará nesta época.

Uma grande quantidade de escravos africanos foi trazida para trabalhar nessas fazendas. Os historiadores acreditam que esses escravos eram originários da região da África conhecida como Congo-angolana, sendo na sua maioria da etnia bantu.

Os quilombos foram formados já nas primeiras décadas da implantação das fazendas. Os registros de fugas foram publicados diversas vezes em jornais, como no Baixo Amazonas: “Convém também dizer à autoridade de que de janeiro a maio em que enche o Amazonas, é o tempo que os escravos julgam mais apropriado para fugirem. Neste tempo o trânsito, que é todo fluvial, facilita-lhes poderem navegar por atalhos que conhecem ou por onde são conduzidos, sem o receio de serem agarrados; por este tempo que é o em que se faz a colheita das castanhas”.

Os escravos buscavam o rio à noite, subindo para as cabeceiras dos afluentes do Amazonas, para o alto dos rios, acima das cachoeiras. A escolha do lugar era estratégica. Priorizavam áreas onde a captura fosse difícil. Mas preocupavam-se também em encontrar um local onde fosse possível praticar a agricultura para a sua subsistência e para um pequeno comércio.

Os principais mocambos estavam nos altos dos rios, em trechos navegáveis, acima das cachoeiras dos Rios Curuá, Trombetas e Erepecuru. No entanto, abaixo destas, nos afluentes dos rios principais, como o Curuá-Una, nos lagos e nos furos como no Ituqui (um furo do Rio Amazo­nas) e nas cercanias de Santarém, também se encontravam quilombos menores (como o de Urucurituba, Ituqui e Tiningu), que serviam de apoio tanto para a fuga como para a resistência daqueles situados nas águas bravas.

Os fugitivos enfrentaram a repressão dos seus senhores e das autoridades governamentais. Desde o início do século XIX há relatos de expedições punitivas visando à destruição dos mocambos.   Em 1812 registrou-se uma expedição que destroçou os quilombos Inferno e Cipotema, localizados nas cabeceiras do Rio Curuá.

Até a abolição da escravatura, em 1888, várias ações repressivas foram organizadas pelos senhores brancos, resultando por vezes em fuga e abandono das moradias, por vezes em captura. Contudo, o fato de os quilombos terem sido duramente perseguidos e destruídos não os fez desaparecer.

Vale destacar que o contato dos quilombolas com a sociedade não era marcado apenas pela repressão. Os quilombos eram também visitados por religiosos, por cientistas e por comerciantes.

Durante todo o período da escravidão, os quilombolas comercializaram seus produtos agrícolas diretamente com os comerciantes nas cidades da região (como Óbidos) ou com os regatões que subiam os rios em direção aos quilombos. Os quilombolas produziam mercadorias importantes para o comércio local, como a mandioca, o tabaco, o cacau e algumas “drogas do sertão”.

Desta maneira, os quilombolas se inseriram nas sociedades locais, constituindo redes de solidariedade e conquistando sua autonomia.

 

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OS AFRICANOS LIVRES

Nos Relatórios, Exposições e Falas dos Presidentes da Província do Amazonas, entre 1855 e 1867, deparamos com uma situação especial, a da existência de escravos pertencentes ao Ministério da Justiça Imperial, cedidos à Província do Amazonas, neste caso para o trabalho nas obras públicas, mediante um salário, ou sublocados a terceiros, sendo os Presidentes responsáveis pelas suas sobrevivências, obrigados a prestar contas sobre as suas situações, naqueles documentos.

Esta figura de escravo estatal, o africano livre, decorria do Bill Aberdeen ato unilateral do parlamento inglês, que se arvorava com o direito de inspecionar, com a sua poderosa Marinha, todos os navios sob suspeita de tráfico negreiro. E o Brasil teve de emitir a Lei Eusébio de Queirós, de 4 de setembro de 1850, corroborando aquele Ato.

A Lei Eusébio de Queirós não teve ação imediata, pois o tráfico continuou e depois apareceu o interprovincial. Somente a partir da década de 1870, com ao aumento da fiscalização, nas praias de contrabando, foi que começou a faltar mão-de-obra escrava no Brasil. Neste momento, os grandes agricultores optaram pelos trabalhadores assalariados, na Itália, Alemanha e outros, favorecendo a imigração.

O fato é que alguns escravos aprisionados, pelo Governo brasileiro, não podendo ser leiloados, aparecem citados, pela primeira vez, em 1855, quando o presidente Herculano Ferreira Pena (1) relaciona os trabalhadores da Repartição de Obras Públicas, onde constavam um oleiro, três feitores, dezenove índios e seis africanos livres, cujo número elevar-se-ia para sete até o fim do ano (2).

Em 1857, o presidente AngeloThomaz do Amaral (3) noticiava que a Companhia de Comércio e Navegação do Amazonas, pertencente ao barão de Mauá, recebera do Ministério da Justiça, pelo Aviso de 30/12/1856, para trabalharem na colônia daquela empresa, em Itacoatiara, 36 negros apreendidos, dos quais aqui chegaram 34, pois 2 faleceram durante a viagem.

No ano seguinte, o presidente Francisco José Furtado (4) estabelecia a existência de 51 africanos livres, na Província, sendo 34 em Itacoatiara e 17 em Manaus, dos quais 12 homens, 2 mulheres e 3 menores, embora, em outro local do mesmo texto, relate a existência dos seguintes trabalhadores, na construção da Igreja da Matriz:

3 – índios de Manacapuru    3 – índios velhos do Içana   18 – africanos livres

Os africanos exerciam a função de sapadores, eram briguentos e insubordinados e já sabiam fazer cera, termo já usado para indicar morosidade proposital, no trabalho.

Pelos seus constantes atos de indisciplina o presidente Sinval Odorico de Moura (5), a 14 de fevereiro de 1863, colocou-os sob a tutela da Repartição de Polícia, pois a de Obras Públicas não dispunha de meios (?) para mantê-los obedientes e disciplinados. Neste Relatório de 1864 (5) o número de africanos livres da Província atingia 68 pessoas, sendo 8 crianças que viviam na companhia dos seus pais.

 

CONCEDIDOS À CIA DE COM. E NAVEGAÇÃO,

EM ITACOATIARA:  37

FALECIDOS: 7

RESTANTES EM ITACOATIARA: 30

REMETIDOS PARA OBRAS PÚBLICAS DA PROVÍNCIA, EM DIVERSASÉPOCAS: 48

FALECERAM: 18

RESTANTES: 30

CRIANÇAS: 8

TOTAL GERAL: 68

Alguns estavam a serviço de particulares, por engajamento, mediante licença do Presidente Provincial. 27 africanos de Manaus trabalhavam nas obras públicas, 3 estavam contratados em Vila Bela da Imperatriz e 1, acompanhando o engenheiro João Martins da Silva Coutinho, na sua viagem ao Alto Madeira.

O Presidente Adolpho de Barros Cavalcanti de Albuquerque (5) considerava-os como dados a embriaguês, quando se tornavam “rixosos e turbulentos”, sacrificando parte dos seus salários a esse vício. Os poucos, que não bebiam, já tinham casas próprias e pequenas lavouras, em torno da cidade.

Finalmente, em 1864, chegou ao fim o prazo de quatorze anos, previstos da legislação anterior, para as suas emancipações previstas pelo Decreto nº3310, de 24 de setembro de 1864, logo executado pelo Presidente Cavalcanti de Albuquerque (6), que lhes passou as cartas, entrando todos no gozo da inteira Liberdade.

As últimas referências sobre eles, em Relatórios de Presidentes Provinciais, são as de Gustavo Adolpho Ramos Ferreira (7), de 1866, ao informar que “dos 71 africanos livres inscritos no livro de matrículas criado, em 1863, na Repartição de Polícia, restam 57, tendo falecido 14 até esta data”. Dos vivos 28 homens e 4 mulheres viviam na Capital; 4,em Vila Bela; 3, no Purus; 1, em Serpa;1, em Tefé, 1,no Madeira e 1,tripulante de embarcação em trânsito para o Pará. Todos estavam emancipados e os de Manaus trabalhavam nos serviços públicos, onde eram de utilidade.

Moravam na região em torno da confluência das ruas Leonardo Malcher e Luís Antony, chamado de Costa da África. Se extrapolarmos dados estatísticos dessa população totalizando 46 indivíduos, hoje 8 gerações depois, poderíamos ter a sua participação genética em 30 a 150 mil dos habitantes de Manaus.

FONTES:

1)    Exposição feita ao 1º Vice Presidente da Província do Amazonas – Desembargador Manuel Gomes Correa de Miranda, pelo Presidente Conselheiro Herculano Ferreira Pena, por ocasião da passagem da presidência, em 11 de março de 1855–Cidade da Barra – Typografia de Manoel da Silva Ramos-1855

2)    Falla dirigida à Assembléia Legislativa Provincial do Amazonas, no dia 3 de março de 1855, em que se abriu a 4ª Sessão Ordinária, pelo 1º Vice-Presidente da Província Doutor Manoel Gomes Correa de Miranda-Cidade da Barra-Typografia de Manoel da Silva Ramos-Rua da Palma-1855

3)    Falla dirigida à Assembléia Legislativa Provincial do Amazonas,          em 1º de outubro de 1857, pelo Presidente da Província Ângelo Thomaz do Amaral-RJ-Typografia Universal de Laemmert- 1858.

4)    Relatório que à Assembleia Provincial Legislativa apresentou, na abertura da Sessão Ordinária de 7 de setembro de 1858, Francisco José Furtado, Presidente da Província do Amazonas- Typografia de Manoel da Silva Ramos-1858

5)    Relatório apresentado à Assembleia Provincial Legislativa apresentado, na abertura da Sessão Ordinária de 1º de outubro de 1864, pelo Dr. Adolpho de Barros Cavalcanti de Albuquerque Lacerda, Presidente da mesma Província – Recife Typografia de Manoel de Figueiredo Faria & Filho – 1864.

6)    Relatório com que o Ilmo. E Exmo. Sr. Dr. Adolpho de Barros Cavalcanti de Albuquerque Lacerda entregou a Administração da Província do Amazonas ao Ilmo. e Exmo. Senhor Tenente Coronel Inocêncio Eustáquio Ferreira de Araújo, em 8 de maio de 1865-Recife-Typografia do Jornal de Recife – 1865.

7)    Relatório com que o Exmo. Senhor 1ºVice Presidente da Província do Amazonas Dr. Gustavo Adolpho Ramos Ferreira abrio a Assembleia Legislativa provincial, no dia 5 de setembro de 1866 – Manaos – Typografia do Amazonas de A. da C. Mendes-Rua 5 de setembro, nº4- 1867.

 

Decreto nº 3.310, de 24 de Setembro de 1864

Concede emancipação a todos os Africanos livres existentes no império.

Hei por bem, Tendo ouvido o Meu Conselho de Ministros, Decretar o seguinte:

Art. 1º Desde a promulgação do presente Decreto ficão emancipados todos os Africanos livres existentes no Império ao serviço do Estado ou de particulares, havendo-se por vencido o prazo de quatorze annos do Decreto numero mil trezentos e três de vinte oito de Dezembro de mil oitocentos cincoenta e três.

Art. 2º As cartas de emancipação desses Africanos serão expedidas com a maior brevidade, e sem despesa alguma para elles, pelo Juízo de Orphãos da Corte e Capitães dos Provinciais, observando-se o modelo até agora adoptado; e para tal fim o Governo na Corte e os Presidentes nas Provincias darão as necessárias ordens.

Art. 3º Passadas essas cartas, serão remetidas aos respectivos Chefes de Policia para as entregarem aos emancipados depois de registradas em livro para isso destinado. Com ellas, ou com certidões extrahidas do referido livro, poderão os Africanos emancipados requerer em Juízo e ao Governo a protecção a que tem direito pela legislação em vigor.

Art. 4º Os Africanos ao serviço de particulares, serão sem demora recolhidos, na Corte á Casa de Correcção, nas Provincias a estabelecimentos públicos, designados pelos Presidentes; e então serão levados á presença dos Chefes de Policia para receberem suas cartas de emancipação.

Art. 5º Os fugidos serão chamados por editaes da Policia, publicados pela imprensa, para que venhão receber suas cartas de emancipação. Se não comparecerem, ficarão as cartas em deposito nas Secretarias de Policia, para em qualquer tempo terem seu devido destino.

Art. 6º Os Africanos emancipados podem fixar seu domicilio em qualquer parte do império, devendo, porém declara-lo na Policia, assim como a occupação honesta de que pretendem viver para que possão utilizar-se da protecção do Governo. A mesma declararão devem fazer sempre que mudarem de domicilio.

Art. 7º O filho menor de Africana livre, acompanhará a seu pai, se também for livre, e na falta deste a sua mãi; declarando-se na carta de emancipação daquelle a quem o mesmo fôr entregue, o seu nome, lugar do nascimento, idade e quaesquer signaes característicos.

O maior de vinte um annos terá sua carta de emancipação e poderá residir em qualquer parte do Império, nos termos do art. 6º.

Art. 8º Em falta de pai e mãi, ou se estes forem incapazes, ou estiverem ausentes, os menores ficarão á disposição do respectivo Juízo de Orphãos até que fiquem maiores e possão receber suas cartas.

Art. 9º Os Promotores das Comarcas, até a plena execução deste Decreto, protegerão os Africanos livres, como curadores, onde os não houver especiaes, requerendo a favor delles quanto fôr conveniente.

Art. 10. O Governo na Corte e os Presidentes nas Provincias farão publicar pela imprensa os nomes e nações dos emancipados.

Art. 11. Fica revogado o Decreto numero mil trezentos e três de vinte oito de Dezembro de mil oitocentos cincoenta e três.

Francisco José Furtado, do Meu Conselho, Presidente do Conselho de Ministros, Ministro e Secretario de Estado dos Negocias da Justiça, assim o tenha entendido e faça executar.

Palácio do Rio de Janeiro em vinte quatro de Setembro de mil oitocentos sessenta e quatro, quadragésimo terceiro da Independência e do Império.

Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador.

Francisco José Furtado.

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