Manaus, 29 de março de 2024

Presença Invisível

Compartilhe nas redes:

No silêncio do mais profundo de mim, muitas e muitas vezes, incontáveis vezes, digo melhor, ao longo dos últimos trint’anos sigo me deparando com uma realidade inconteste que anima e reanima essapassagem de vida, mas que ao mesmo tempo me conduz a inquietações que não consigo compreender perfeitamente, embora me empenhe nesse sentido. 

Creio que há muitas outras pessoas que vivem essa experiência e a compreendem melhor; assim como deve de haver muitas que, mesmo que não tenham ainda atentado para essa realidade com, mais clareia com ela se deparam sem perceber, seja porque o tempo corrido de viver não tenha permitido, seja porque suas convicções e formação religiosa as conduzam para outras reflexões.

Trata-se-de perceber a presença invisível- invisível aos olhos da carne -, de pessoas que amamos e às quais nos vinculamos por laços da verdadeira família e que foram conduzidas a outros planos depois de cumprirem essa etapa, levando consigo inquietações e dúvidas, certezas e inseguranças, chagas abertas e marcas das que foram tratadas no traçado de seu caminho.

De mim para comigo, sentindo a saudade da presença física de meu amado pai Lourenço da Silva Braga, depois desses anos todos, percebo cada vez mais a sua presença no meu interior. Há horas em que o tenho acalmando as angústias, curando as feridas, acalentando nas noites indormidas, fortalecendo a paciência e a compreensão nos combates do dia a dia. E mesmo nas horas muitas em que os olhos mareja-me as forças físicas vão se exaurindo, quase a ter fim, de repente parece brotar o vigor que vem de suas palavras ainda ressoando aos meus ouvidos e do seu olhar profundo e manso, tal como se ele estivesse aqui, diante de mim, pronto para me ouvir e aconselhar para contar um fato que servisse de exemplo, e, principalmente, para empalmar a benção que jamais faltou.

Sua palavra era faiscante de emoção. Orador, poeta, líder sindical, jornalista e político, de tudo isso abriu mão para realizar o sonho de ser marinheiro, varar e beijar as águas barrentas e negras dos altos rios amazônicos deixando em cada barranco e em todos os portos de lenha um pouco da sua alegria e simplicidade, distribuindo bombons para a criançada e acarinhando os pequenos como gostava de fazer, conferindo atenção aos idosos, e; com esforço desmedido, arrancando do trabalho por mais de setenta anos o pão que nos alimentou o corpo tal como seus exemplos fortificaram o espírito.

Pareço vê-lo chegando de sua faina de longos meses em viagem carregado de coisas boas que seu jeito amorável traduzia. Falando baixo, caminhando devagar, mas com firmeza, distribuindo presentes simples e coisas gostosas. Encantado ao saber das notas que os filhos obtinham na escola e dos êxitos de cada um. Feliz pelo reencontro com a família e a sua Sabá, a professora que desde bem moça o acompanhou por mais de cinquenta anos em perfeita harmonia e união.

O intrépido marinheiro de antes, o revolucionário na juventude, audacioso e firme na defesa dos direitos dos trabalhadores ao tempo em que os sindicatos estavam nascendo e ainda eram livres de amarras político-partidárias, havia cedido lugar ao pai amoroso, ao cidadão consciente do seu papel na sociedade e em família, ao esposo generoso e cuidadoso com sua amada, ao homem que reconhecia méritos e honrarias nos

amigos e em adversários do passado, e fazia questão de proclamá-las. Jamais, em qualquer situação, de seus lábios se ouviu uma palavra de crítica de qualquer natureza a quem quer que fosse. O seu olhar era sempre posto para compreender as pessoas e admirar as virtudes.

Nesse dia que o calendário festeja os pais, em que os meus filhos, filhas e neto vão correr para o abraço especial, dentro de mim está a presença invisível desse pai que me deu vida, amor e carinho e de tudo fez para me fazer útil e irmão de Jesus na grandeza de sua missão. E o beijo com amor.

Olhe para dentro de você – meu caro leitor – e sinta, com ardor, a bela missão que desempenha, e o pai invisível que está com você mesmo tendo sido elevado a campos de outras paragens. Creia, assim se faz!

Compartilhe nas redes:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

COLUNISTAS

COLABORADORES

Abrahim Baze

Alírio Marques