Manaus, 28 de março de 2024

O último mormaço

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No Brasil a Cultura deixou de ser entendida como fator de desenvolvimento social com a crise geral do capitalismo em 1929.

O centenário programa de Estado que centrava nos artistas a sua política, funcionava dentro das limitações da sociedade brasileira, sociedade de economia agrária e condicionada à ideologia do favor. Já foi dito que este não era um processo democrático, mas os seus idealizadores e executores não contavam com a capacidade brasileira de queimar etapas, superando em décadas o atraso de séculos. De outro lado, com a chegada do regime republicano, o Estado se intrometeu muito pouco nos rumos da economia da cultura, permitindo que alguns setores se encorpassem, como o da indústria editorial, a indústria cinematográfica entre 1914 e 1920, a indústria fonográfica e a arquitetura (grandes reformas urbanas).

A bem da verdade, nem na fase de Dom João VI, criador dessa política, nem com Dom Pedro I, com a Regência, Dom Pedro II ou na República Velha, há algum tipo de ideologia subjacente querendo plasmar um modelo político utópico para o país. Não era uma política cultural democrática simplesmente porque a monarquia, ou a república agrária, não eram exatamente regimes democráticos, mas os artistas gozavam de razoável proteção, fomento e liberdade de expressão. O que devia ter sido uma simples melhoria das condições econômicas e sociais, uma elevação da qualidade de vida urbana, acabou pôr se transformar na alavanca para a independência política e a solidificação cultural. Entre 1820 e 1920, o Brasil se consolidou como nação, estabeleceu uma literatura, organizou uma indústria editorial e produziu um escritor de primeira grandeza como Machado de Assis. Na música, gerou Carlos Gomes, fenômeno inigualável no continente americano. E na tecnologia, ofereceu ao mundo a audácia de Alberto Santos Dumont.

Não é pouco! Um país que vai ainda durante muitas décadas considerar a produção cultural como capital social, é surpreendente que no começo do século XX, até o colapso do modelo em 1929, permita o funcionamento de um animado mercado editorial, com tiragens relativamente altas para uma população ainda pequena, sem falar na presença de autores profissionais como Olavo Bilac, João do Rio, Coelho Neto, Humberto de Campos e, sucesso de escândalo e grande best-sellers dos anos 20, o romancista Benjamim Costallat. Em 1929, desfaz-se o sonho da missão francesa em meio aos escombros do capitalismo-em crise. Em 1930, um golpe de estado derruba a instável república agrária.

Componentes da classe média, especialmente militares, trazem para o novo regime algumas reivindicações sociais e políticas avançadas. De início, essas reivindicações parecem vitoriosas, mas o que se esperar de um golpe liderado por um matreiro fazendeiro gaúcho: Getúlio Vargas. Este caudilho inteligente e simulador, tudo fará para retardar a ascensão das forças industriais ao cenário político, ao mesmo tempo em que cooptará as classes trabalhadoras com uma legislação inspirada na Itália de Mussolini. A aproximação com o fascismo não era apenas casual, Getúlio Vargas se considerava um homem do destino, um demiurgo, e procurou se cercar por ideólogos e simpatizantes do regime italiano. Conduz o país com mão de ferro, e estimula seus intelectuais a sistematizar um programa político, com forte tintura nacionalista, centralizadora e com a ambição de criar um Brasil novo, reformado, racialmente mais branco, culturalmente ibérico. Não podendo ignorar a realidade mestiça e morena do povo brasileiro e percebendo a ascensão da cultura afro-brasileira, os ideólogos vão buscar um lastro retórico e americano nas culturas indígenas. Entenda-se aqui cultura indígena como uma pasteurização do indianismo romântico de Gonçalves Dias e José de Alencar.

Nota: Por razões de saúde o escritor Márcio Souza deixará de publicar o artigo semanal dele neste Blog, fato que lamentamos profundamente.

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