Manaus, 18 de abril de 2024

O maestro soberano do Brasil

Compartilhe nas redes:

Sergio Martins
 *Sergio Martins 

Na quarta-feira 25, celebram-se os 90 anos do compositor que mais fez para universalizar a música do país – Tom Jobim, um momento inigualável de beleza. 

Tom Jobim incorporou, com naturalidade, o jazz à sua música. Mas o jazz também foi influenciado pelo compositor de Chega de Saudade.

É a cena foi vista tantas vezes que já quase se tornou clássica: na Olimpíada do Rio de Janeiro, em agosto de 2016, a modelo gaúcha Gisele Bündchen desfila por uma passarela do Estádio do Maracanã, que se transformou na réplica de um calçadão de praia carioca. Em cada passada, ela fazia desenhos que se convertiam nas obras do arquiteto carioca Oscar Niemeyer. A trilha sonora não poderia ser outra: Garota de Ipanema, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, que na cerimônia foi interpretada pelo neto do primeiro, Daniel Jobim. Trata-se de uma das canções mais regravadas em todos os tempos: estima-se que ela tenha mais de 200 versões, de Frank Sinatra a Andrea Bocelli. Tornou-se um dos cartões de visita do compositor carioca no mercado americano quando figurou no álbum Getz/Gilberto (1964), que reunia o saxofonista Stan Getz, João Gilberto, sua mulher, Astrud, e, claro, o próprio Tom Jobim. Mas o autor que Chico Buarque definiu exemplarmente como “meu maestro soberano” é muito mais do que o compositor de Garota de Ipanema. Ele conferiu nova amplitude ao cancioneiro brasileiro autóctone ao incluir elementos do jazz americano e do impressionismo francês de Ravel e Debussy. Assimilou as influências folclóricas de seu ídolo, o compositor Heitor Villa-Lobos, para criar músicas inspiradas na flora e fauna brasileiras. Morto em 1994, Antonio Carlos Jobim, que faria 90 anos em 25 de janeiro, é o maior compositor popular brasileiro do século XX.

fig-tom-jobim

A bossa nova, que Jobim e João Gilberto ajudaram a criar, tem a infeliz fama de música de elevador – não inteiramente injusta, já que versões diluídas do gênero fazem, de fato, o fundo musical dos ambientes corporativos impessoais. Mas as composições do gênero também são standards que cantores e cantoras de todo o mundo estão sempre revisitando e reinventando. a violão de Gilberto, com sua peculiar batida que é puro samba, foi o fundamento da bossa nova. Mas Tom Jobim foi seu compositor maior. a entusiasmado seguidor de Villa-Lobos foi também aluno do compositor erudito Hans-Joachim Koellreutter, alemão radicado no Brasil. a amálgama da música brasileira com o repertório europeu deu corpo às composições do autor de Insensatez. Sua formação erudita se manifesta em momentos inigualáveis, como as introduções orquestrais de Chega de Saudade e Saudades do Brasil.

O Brasil do fim da segunda metade da década de 60, às vésperas do tropicalismo de Caetano Veloso e Gilberto Gil, ainda viu passeatas contra a guitarra elétrica – quando Tom Jobim, anos antes, já havia superado os, falsos dilemas do nacionalismo. Sim, ele incorporou à sua música, com naturalidade, a influência do jazz – mas o jazz, de seu lado, foi influencia- do pelo mestre brasileiro. Sua primeira excursão musical aos Estados Unidos, em 1962, foi um sopro revitalizante em um momento de esgotamento do free jazz, movimento marcado pela improvisação. Cinco anos depois, a bossa nova falava inglês na voz de Frank Sinatra, que gravou um disco memorável com Tom Jobim.

Talvez ainda mais memorável e inteiramente brasileiro tenha sido outro dueto, com Elis Regina. Elis & Tom, disco de 1974, traz a versão definitiva de Águas de Março, canção de Jobim que nos anos 80 serviria até de jingle para a Coca-Cola. Tom Jobim parecia apreciar popularidade em múltiplas plataformas. “Ele adorava compor para trilha de novela”, entrega Danilo Caymmi, ex-integrante da Banda Nova, que Jobim criou nos anos 80.

O aniversário está dando o mote para homenagens importantes, a melhor de tudo são os relançamentos da discografia original (sim, já se ouve quase tudo em streaming, mas Tom Jobim é desses raros artistas que ainda vale a pena ter, fisicamente, na prateleira). A Universal, que tem em seu catálogo discos fundamentais como Matita Perê e o já lembrado Elis & Tom, não está se coçando para reeditá-los. A Warner, em compensação, planeja para agosto o relançamento de cinco álbuns do compositor carioca, em edições com encartes especiais – o melhor deles é Urubu, de 1976. Um mês antes desse pacotão, deverá chegar às lojas um álbum duplo com o cancioneiro de Jobim na voz de diferentes intérpretes. Também com vários cantores, a série de cinco discos Songbook Jobim, organizada nos anos 90 pelo musicólogo Almir Chediak, foi relançada já no ano passado pela Sony. Na seara orquestral, o compositor e maestro Mario Adnet e Paulo Jobim, filho do compositor, preparam o segundo volume de Jobim Sinfônico, cujo lançamento deve ser em setembro. “Ainda estamos estudando o repertório. É certo que teremos trilhas de Tom para o cinema”, diz Adnet. Paulo Jobim está empenhado ainda em um projeto que será de especial interesse para os músicos: colocar todas as partituras de seu pai disponíveis on-line.

No meio das homenagens, é possível até ouvir Wave e Inútil Paisagem, entre outras, com sotaque lusitano. No recente Carminho Canta Tom Jobim, a cantora portuguesa, mais conhecida como fadista, fez versões reverentes do compositor brasileiro. E nesta quarta-feira chega às lojas Danilo Canta Jobim, com novas versões de sucessos como Luiza e Estrada do Sol – esta, com a participação da cantora americana de jazz Stacey Kent. Caymmi tem uma história muito pessoal com Jobim. Ele nunca se viu como intérprete até ser recrutado para a Banda Nova. “Tom dizia: ‘Danilo, canta Samba do Avião e A Felicidade com a sua voz abafada no alho”‘, lembra Caymmi (“abafada no alho” era um jeito pitoresco de definir o timbre grave do cantor). Danilo Canta Jobim tem arranjos enxutos. Sua beleza está justamente nessa leitura franciscana, que é muito apropriada para a bossa nova. As interpretações de Caymmi são mais sentimentais do que virtuosísticas. Valorizam a letra, a emoção em canções como Querida e Tema de Amor de Gabriela.

Tom Jobim nunca deixará de ser homenageado, revisitado, regravado, relido. Como a literatura de Machado de Assis, sua obra é um momento de beleza do Brasil- mas não só do Brasil: ele pertence ao mundo. E daqui a dez anos será o centenário.

*Jornalista. Colunista da Revista Veja. Artigo na Edição nº 2514 de 25/01/2017.

Visits: 11

Compartilhe nas redes:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

COLUNISTAS

COLABORADORES

Abrahim Baze

Alírio Marques