Manaus, 16 de abril de 2024

O dom de se iludir

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*Dora Kramer

Cegos pelo autoengano, partidos acham que ludibriam o eleitor. 

Política e eleitoralmente moribundos, partidos brasileiros tiveram uma ideia. Tão velha quanto inútil, mas a única que lhes ocorreu para tentar contornar o obstáculo da merecida rejeição popular: por que não mudar de nome, espanar um pouco o pó dos estatutos e dar, enfim, o que se chama de um “tapa” no visual?

Por essa lógica, o PMDB voltaria a ser MDB, o DEM, que já foi PFL, seria rebatizado de Centro Democrático, o PEN a responder pelo dístico Patriotas, o PP a ser conhecido pelo nome de Progressistas, o PSDC a se chamar DC, o PSL seria o Livres e o PT do B, Avante. Para chegar aonde, senhoras e senhores? Isso mesmo, a lugar algum, porque se trata de uma remodelagem de fachada.

Um dado é fato: promover alterações profundas que é bom, ninguém quer. Abster-se de antigos vícios e abrir mão de certas facilidades para enfrentar as dificuldades na direção de um rumo novo capaz de resgatar a credibilidade perdida dá trabalho e, sobretudo, requer sacrifícios cujo ponto de partida é a disposição de se pôr frente a frente com a autocrítica. Sem medo de, por algum tempo, ser infeliz diante dos entulhos desenterrados em público.

Fernando Henrique Cardoso e Tasso Jereissati que o digam. São os mais destacados patrocinadores do programa de televisão tucano que convida todos a “pensar no Brasil” e começa por reconhecer o próprio erro de aderir à prática do fisiologismo como se fosse algo natural. Estão sendo massacrados pela ala governista da legenda e alvos de uma reação exagerada, mas não inexplicavelmente colérica, daqueles que consideraram a peça um exercício de desnecessária e extemporânea flagelação.

Pois o programa, além de didático e, portanto, necessário, é corajoso. Nesse ambiente de dissimulação permanente travestida de habilidade política, dá às coisas seu nome devido. O sistema presidencialista do Brasil não é de coalizão, mas de cooptação. Alguém tem dúvida? Ninguém, à exceção de cooptados, aliciadores residentes no Palácio da Alvorada – eventualmente no Jaburu – e ocupantes dos melhores gabinetes do Palácio do Planalto. A eles se junta uma plêiade de observadores, especialistas e pesquisadores incansáveis na busca de pelo em ovo.

Ficaram desconfortáveis porque o PSDB não fez no proa grama uma listagem dos seus erros, não bateu de forma explícita no PT e espalhou suspeições vãs ao dizer que no Congresso há vendidos. Por essa ótica, seria necessária a divulgação dos nomes, com provas e certidão lavrada em cartório do céu. O mesmo que exigem acusados cujos crimes não foram provados mediante nota fiscal da propina recebida.

O PSDB, sob a jurisdição de FH e de Tasso, disse o que era preciso dizer no primeiro e árduo passo na rota da mudança. Deu a face para bater, apelou para o abandono da intolerância no debate e convocou todos à unidade de ação (não necessariamente de pensamento) em prol do país. Bem mais do que fizeram as atuais legendas, PT à frente, em sua opção pela preservação dos entulhos que não engana o eleitorado e pode levar os partidos a enterros de indigentes em 2018.

*Jornalista. Artigo na Revista Veja nº 2545, de 30/08/2017.

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