Manaus, 16 de abril de 2024

O barro verde

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São várias as fontes de motivação da obra de arte. Entre as mais constantes estão as autobiográficas, aquelas que mais marcaram a vida de seu autor. Rainer Maria Rilke aconselhava ao jovem poeta que, quando faltasse matéria para a construção dos seus poemas, fosse ele buscá-la na “sua infância, essa riqueza preciosa, régia, esse tesouro das recordações.”

É tal a força dessa condição na vida das pessoas que se pode afirmar que o homem é o que ele foi na infância. Isto me faz recordar a minha própria infância, acontecida às margens do paraná de Serpa, ali perto da nobre e venerável cidade de Itacoatiara.

Em contado permanente com a floresta e o rio, vivi aquele universo de árvores e água, a cultura de um imaginário inesgotável, construído com a vida dos peixes, animais da terra e aves, e dos homens e mulheres a revelar a interpretação dos fenômenos da natureza a seu modo, movidos pela sabedoria feita de experiência, tudo isso que erigiu o vasto painel daquela paisagem monumental, magnífica em sua grandeza.

Isso tudo ficou incrustado em minha infância e passou a constituir matéria do meu trabalho. Lembro-me disso muito bem. Viajando de canoa com o meu pai, quando o rio já estava bem cheio, passávamos debaixo das árvores com os galhos afogados n’água, as folhas verdes banhadas pela correnteza. As águas fluíam lisas e tranquilas, na sombra provocada pelos ramos da ingazeira. Tenho procurado usar essa imagem quando me esforço em transmitir um sentimento de paz, repetindo-a inúmeras vezes, no intuito de fixá-la com as palavras, de tal modo que a reprodução dessa matéria jamais me fugiu da memória.

Quando lancei o meu livro de estreia, isso no idos de 1961, os amigos me indagavam porque o motivo do nome do livro Barro Verde. Eu, então, dizia, em tom de brincadeira, que aquilo era uma composição elaborada de terra misturada com capim.

Mas em verdade o nome veio da argila colorida que aparecia no porto de Itacoatiara, na descida das águas, denominada tabatinga, no meu tempo de menino. Dentre as várias tonalidades de cor a tabatinga aparecia verde, oferecendo-me a ideia do barro verde que, mais tarde, usei no título do meu primeiro livro de poemas.

Essa é a história.

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