Manaus, 19 de abril de 2024

Meio ambiente e outridade

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Nos dias atuais as questões teóricas associadas ao meio ambiente ultrapassaram muitos dos conceitos inseridos no artigo 225 da Constituição Federal de 1988, o que sinaliza a necessidade de modernizar o texto embora sem alterar a essência da norma. Isso significa que norma e texto podem ter prazos de validade diferenciados e a evolução histórica da humanidade nesses 25 anos mostra a necessidade de até ampliar o âmbito da norma e modernizar o texto que se tornou inadequado em razão do avanço do conhecimento científico. Para exemplificar essa reflexão transcrevo o texto do artigo citado: “todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações”.

A norma e seu âmbito

O momento histórico em que a nossa Constituição Federal foi configurada e aprovada era tipificado por um panorama mundial marcado por um ambientalismo politicamente exagerado e teoricamente fraco que trazia palavras de ordem muito mais emocionais que racionais e que já tinham influenciado, p. ex., as Constituições da Espanha e de Portugal.
Na Constituição desses dois países é possível ler, “ipsis literis”, o seguinte:
Constituição portuguesa (1976), artigo 66º: “todos tem o direito ao ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”. Os itens seguintes deste artigo tratam do desenvolvimento sustentável, da participação dos cidadãos, da valorização da paisagem, do ordenamento do território, da criação de parques e reservas, etc., mas não falam de futuras gerações.
Na Constituição espanhola (1978): artigo 45º: “todos tienen el derecho a disfrutar de um medioambiente adequado para el desarollo de la persona asi como el deber de conservalo”. E nos itens seguintes deste artigo se lê sobre utilização racional dos recursos naturais, sobre qualidade de vida, sobre a defesa e restauração do meio ambiente, etc., mas não há referência às expressões: “ecologicamente equilibrado” e “futuras gerações”.

Os conceitos

A Constituição brasileira, ao exigir um ambiente “ecologicamente equilibrado” para o ambiente humano assegura um direito impossível de ser construído, já que o equilíbrio ecológico só existe em ecossistemas (sistemas naturais) e nunca no meio ambiente (sistema humano). Na natureza o equilíbrio dinâmico depende de funções de força e de leis naturais que não se subordinam às leis humanas, o que torna o homem incapaz de construir o equilíbrio ecológico nos sistemas naturais, embora ele tenha o dever de construir um meio ambiente que proporcione excelente qualidade de vida aos humanos.
Esse direito a uma sadia qualidade de vida, segundo o economista indiano Amartya Sen, é muito mais que um direito fundamental (que precisa ser construído), podendo ser considerado como uma liberdade substantiva (direito natural). Esse é um dos fundamentos teóricos que distinguem meio ambiente e ecossistemas, o primeiro tipificado como enclave humano que pode ser apropriado e o segundo como espaço responsável pela manutenção do fenômeno da vida no planeta.
Já o conceito de “futuras gerações” se tornou obsoleto tanto do ponto de vista biossociológico por ser impossível definir quando termina e quando começa uma geração como do ponto de vista jurídico analisado por Hermann Benjamin, Ministro do STJ, que lembra a impossibilidade de assegurar direitos sem representação, sem pessoas, que vai muito além dos nascidos e nascituros.
Para o adequado e indispensável respeito ao meio ambiente o Brasil precisa mudar o texto do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, embora deva, por dever humanístico, alargar o âmbito da norma que, nos tempos modernos, tem uma imensa transversalidade pelos vários ramos do direito e enorme dependência teórica de outras ciências como biologia, antropologia, economia, sociologia, ecologia, etc.
A meu juízo a adequação conceitual do texto do artigo 225 deve ter suas raízes nos fundamentos éticos da outridade e estender seus ramos pelos amplos espaços das liberdades substantivas que não têm prazo de validade.

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