Manaus, 16 de abril de 2024

Língua portuguesa

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Na Amazônia até quase meados do século XIX a língua portuguesa não era hegemônica. Quase todo mundo falava um idioma indígena materno e o nheengatu, a boa língua. Em muitas câmaras de vereadores o trabalho de secretariar as sessões e redigir as atas era confiado a índios alfabetizados nas missões católicas, já que os senhores vereadores não sabiam ler ou escrever. Em 1827, há apenas três escolas na Província do Amazonas, sendo urna na Barra (Manaus), outra em Barcelos e outra em Moura. Em 1800, uma escola de primeiras letras havia sido criada em Barcelos (então sede da capitania). Mesmo levando em consideração as diversas mudanças, o currículo escolar era limitado, segregador (apenas os filhos de gente abastada), determinado pelo poder político, que também nomeava o professor e proibia a iniciativa dos particulares.

O currículo abrangia as primeiras letras, a educação física e moral, caligrafia, doutrina cristã, numeração e primeiras regras aritméticas, estudo de gramática, noções de geometria aplicada às artes, história natural, história sagrada, história do Brasil e geografia. Para as escolas femininas, estava acrescido o currículo com a matéria de prendas domésticas. Uma escola melancólica para formar dóceis súditos, nunca uma elite pensante e criativa.

Em 1848 é fundado na Barra (Manaus) o que poderia ser chamado de estabelecimento de ensino secundário, o seminário de São José, lecionando gramática, francês, música e canto. Mais tarde, aritmética, álgebra, geometria, filosofia, retórica e geografia, abrigando uma média de cinquenta alunos. Uma transmissão desfibrada do saber, que virou tradição no prime iro reinado, onde prevaleceram as soluções burocráticas. O jovem era obrigado a receber uma educação que se compromete a refletir um sistema tradicional de ideias consideradas universais e desligadas das necessidades do cotidiano, beirando a intolerância e o proselitismo. A educação será outro dever enfadonho da oligarquia iletrada. Com isso, tivemos no Amazonas uma forma de educação incapaz de formar um pensamento original, tão necessário aos processos de transformação. A educação era sempre um momento da infância e da adolescência, necessário e Irritante, que provê o jovem de um título para concorrer a certos cargos públicos, bem corno de certas habilidades práticas como redigir cartas, assinar o próprio nome e contar o dinheiro. Firmava-se naquela época a mitologia bacharelesca de que a Educação é um título em letras góticas sobre um pergaminho, que alguns poucos um dia poderão receber em tocante solenidade e em trajes domingueiros. É no marasmo do século XIX que a cultura será escamoteada ao povo, transformada em ritual ridículo e esvaziada de sentido. Nem mesmo a língua portuguesa esta escola parecia capaz de transmitir.

O poeta Gonçalves Dias, enviado ao Norte em 1853 pelo Império como membro da Comissão Científica de Exploração, visitou diversas escolas e incluiu em seu relatório de viagem um capítulo sobre a educação no Amazonas, registrou a pouca frequência às aulas e o fenômeno da rejeição da língua portuguesa por urna população de fala nheengatu, usada “em casa e nas ruas e em toda parte”. Os poucos que tinham recursos para frequentar urna escola ou urna universidade no sul do País ou no exterior, voltavam tão desligados da vida pacata que não conseguiam mais compreender sua terra natal. Foi este relatório que desencadeou um programa educacional sem precedentes para o norte do império, provavelmente o único programa de grande extensão e investimento realizado pelo regime de Pedro II na área educacional. a resultado foi o surgimento de intelectuais e escritores nativos da região, que contribuíram para formar um pensamento e pela primeira vez interpretaram aquela realidade unindo a vivência à erudição.

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