CRIAÇÃO
Um dia ela chegou tecendo encanto,
na voz ternura, em cada gesto plumas,
falou de flores e saudando algumas
enfeitou-as com beijos e acalanto.
Sorriu. Vi-lhe o esplendor. Ouvi-lhe o canto
de amor fluindo – sol a espargir brumas –
sonhava – imaginei – sonhos de espumas
laborando prazeres e, ou, quebranto.
Auscultei-lhe a alma plena de doçura;
decorei-lhe o corpo de escultura,
modelado em estética suprema.
Acompanhei-lhe o olhar que via estrelas,
também as vi, mas sem poder colhê-las,
segurei a emoção: fiz um poema.
NEBULOSIDADE
Sempre que alegre vem a madrugada
desvirginando a treva, eu triste parto.
Mansa, ela abre a janela, entra no quarto,
eu saio, alvoroçado, pela escada.
E ando. E corro. E adotando a forma alada
da idéia vôo e plano. – E assim me aparto
da vã matéria, sem temor de enfarto:
na cama, apático, a alma despertada.
Seguro as crinas do luar, voejo
pelas lindes do cosmo, mas não vejo
a fonte do luar que doura o escuro
A fonte é minha amada, e estando nua
empana a luz do sol e encobre a lua
com seu halo de amor que em vão procuro.