Manaus, 28 de março de 2024

Academia Itacoatiarense de Letras – Fundação, Desafios e Perspectivas

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O mestre Vivaldi Moreira ensina-nos, em um de seus brilhantes artigos, sobre a criação das academias de letras. De Academus, nome do criador do parque onde Platão reunia seus discípulos, originou-se o termo academia, reaparecido na Renascença com o significado de agremiação literária e depois científica, artística ou cultural. No Brasil, a primeira academia foi a dos Esquecidos, fundada na Bahia em 1724. Em 1897, sob a presidência de Machado de Assis, inaugurou-se a Academia Brasileira de Letras, com o objetivo de incentivar a cultura de nossa língua e da literatura nacional.

Já a Academia Amazonense de Letras, entidade literária máxima da cultura doAmazonas, foi fundada em 1º de janeiro de 1918. Atualmente o órgão possui 40 cadeiras ocupadas por poetas, romancistas, jornalistas, cronistas, ensaístas, médicos, teólogos, economistas, educadores, sociólogos e antropólogos. Sua sede foi recentemente reformada e a entidade consegue manter-se com a ajuda permanente do poder municipal. Agora, apresenta-se como uma instituição mais viva e, consequentemente, útil à arte e à cultura do Amazonas.

E o que dizer da ainda jovem Academia Itacoatiarense de Letras? Por que ela foi fundada? Existe apenas no papel? Tem pelo menos CNPJ? Onde funciona? O que faz? Quem são os seus membros? Ainda há alguma importância em plena era do facebook criar uma instituição inspirada em fatos para muitos anacrônicos? A ideia deste artigo é refletir sobre essas e muitas outras indagações.

Itacoatiara traz na sua história o estigma de “expulsar” alguns de seus filhos. Uns, de forma voluntária, simplesmente, optaram por viver em Manaus e em outras plagas e perderam qualquer vínculo com o município. Outros foram vítimas de perseguições políticas, para ser mais exato, de ditadores que usam o cargo para impor o terror e achar que são a própria legalidade e a reencarnação de Nero. Posso, nesse caso específico, citar uma personalidade que foi obrigada a mudar-se para Manaus para não ser agredido: José Raimundo Lopes da Costa. Temos ainda os que enveredaram pela política e só voltam de quatro em quatro anos pedindo e comprando votos para candidatos que não têm compromisso com o município. Aliás, Itacoatiara carrega a carma de votar em qualquer um (o última que paga leva) e reeleger políticos ultrapassados.

Saí de Itacoatiara em 1986 para concluir em Manaus o hoje ensino médio e cursar a Faculdade de Medicina. Sem apoio da família e carta de recomendação, segui o caminho mais curto para quem, no Brasil, deseja sair do desemprego: o magistério. Formado em Letras pela Universidade Federal do Amazonas, passei a ser professor da rede pública de ensino. Primeiro como professor contratado pelo antigo Regime Especial (hoje Processo Seletivo). Depois concursado. Muitas foram as greves e ameaças de governantes que limitam sua política educacional  em reformar escolas e achar que ser professor é um gesto de amor. Como escreveu Camões: um engano ledo e cego. Mas Itacoatiara nunca saiu da minha cabeça nem das minhas orações. Aquelas praças (ainda hoje sem nenhuma utilidade, abandonadas, vazias), aquelas ruas, os ensinamentos de Marina Penalber, minha visita a Francisco Fiúza Lima, na sua casa em frente à Escola Deputado Vital de Mendonça; as aulas do Mestre José Raimundo Lopes da Costa; a noite de sexta-feira em que Francisco Gomes, na sua antiga casa da Avenida Sete de Setembro, escreveu o prefácio do meu primeiro livro; os conselhos de Marielza; a vista do Bairro do Jauary, onde meu avô encostava sua canoa voltando da pescaria. Já escrevi: “Que saudade daquela ribanceira/a que ia esperar o meu avô/um velho e cansado pescador/que carregou no remo a vida inteira/que me deu de comer e de beber/que me ensinou a amar e a viver”. Enfim, isso tudo nunca foi determinante para o meu desejo de fazer o oposto de muitos de meus conterrâneos, mas pelo menos me serviu de fonte de inspiração.

Itacoatiara não tem uma política cultural. As administrações ficaram sempre nas boas intenções. Nos últimos trinta anos desenvolveu a política de destruir o que ainda resta: os seus prédios históricos estão em ruínas, a Casa de Cultura vive de muleta, pois, se for retirada a viga de madeira que a sustenta, ela vem abaixo; a Avenida Parque foi vítima de uma das maiores atrocidades de que se tem notícia na administração do senhor Antônio Peixoto: a iluminação monstrenga, cujos fios são pendurados nos galhos das árvores. Sua biblioteca municipal tem um acervo de 1980. O Fecani, coitado, insiste em subsistir à falta de apoio dos órgãos governamentais, pois o Governo do Estado, para repassar os recursos, depende do secretário de cultura, que, segundo dizem,  tacha o Festival da Canção de festa de bêbados. O horizonte é muito mais que negro: é tenebroso. Mas foi nesse cenário de apatia (assim foi a Semana de Arte Moderna de 1922) que nasceu a Academia Itacoatiarense de Letras.

O ano era 2009. Muitas foram as reuniões. Primeiro com a presença de três pessoas (Francisco Calheiros, Frank Chaves e Ester Araújo). A seguir outros foram chegando. Sílvia Aranha. Sônia Maquiné. Depois de dois meses de reuniões, debates, chega-se ou não a um consenso, cria-se ou não, lavrou-se a ata de fundação. Era manhã de domingo do dia 17 de maio. O rio passando em frente, ou, como escreveu Leandro Tocantins, o rio comanda a vida e parece ter comandado nossas decisões. Assim, nasce a instituição com quinze membros. Tive a honra de ter sido escolhido, àquela altura, seu primeiro presidente. No mandado de dois anos, elaboramos o Regimento Interno, o Estatuto, e ensaiamos algumas ações como o Chá Cultural realizado uma vez por mês, visita às escolas, palestras, pequenas atitudes que precisam ser consolidadas.

Mas é muito difícil fazer cultura em Itacoatiara. Não se tem o apoio do município. Os vereadores são totalmente ausentes. A própria sociedade vê tudo com certa desconfiança. As críticas foram surgindo, principalmente porque a instituição tem em seus quadros membros da chamada cultura popular, como é o caso de Antônio Silva, homem simples, de origem humilde, permanentemente desempregado, que lembra Catulo da Paixão Cearense e sua literatura de cordel.

Em encontro com o governador Omar Aziz, pedimos o prédio onde por muitos anos funcionou o extinto Departamento de Estrada e Rodagem (Deram) e depois o Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Praticamente em ruínas, abandonado há mais de vinte anos. É um imóvel antigo. Em frente à Igrejinha de São Francisco, ali Rua Conselheiro Rui Barbosa. Recebi (pasmem) em 2010 um telefonema da Secretaria de Estado da Cultura: era sobre a ordem do Governador em ceder em regime de comodato o imóvel, com o devido restauro, para ser a sede da nossa instituição. Saí da audiência com o Secretário Robério Braga às lágrimas. Dei a todos a boa notícia. A exemplo de São João Batista, anunciei as boas novas. Não a chegada do filho do Homem. Porém, a possibilidade de termos um local para montar a nossa biblioteca (temos mais de dois mil livros), criar o nosso museu de imagem e do som, realizar nosso já conhecido Chá Cultural, recital de poesia, receber alunos, falar de arte, cantar o amanhã. Até hoje esperamos que a promessa do Governador seja colocada em prática e que o secretário de cultura restaure o imóvel para fazermos dele mais um encontro de cultura e arte de uma cidade, cuja política cultural praticamente se limita ao Fecani. Sem querer fazer comparações, mas o Governo anuncia que foram gastos 45 milhões na reforma do Bumbódromo de Parintins. Seriam gastos pouco mais de 30 mil para a pintura do prédio.

A sorte tem sido adversa, ou como diziam os latinos, fortuna adversa fuit. Mas acabo de ser eleito presidente da Academia Itacoatiarense de Letras e, ante a demora da Secretaria de Cultura do Estado, eu e meus confrades estamos organizando um mutirão para a reforma do prédio. Nos dias 21, 22 e 23 de julho, seremos pintores, carpinteiros, eletricistas, pedreiros. Estamos pedindo doações de tinta, massa corrida, pincel, lâmpadas, cimento e telhas de várias empresas do município, como a Litiara, Roberta Magazine, Drogaria Avenida, Constrói e tantas outras. Se ninguém nos der nada, mas pelo menos tentamos. Como diz um velho ditado popular, mais vale a lágrima da derrota do que a vergonha de não haver tentado.

Quero aqui dizer que, em último caso, usarei meu salário de professor para reformar aquele prédio. Não importa se em sete ou quatorze anos. Serei o pastor Jacó, aquele da Bíblia e dos versos de Camões. Quero vê-lo ali, imponente, iluminado, com alunos frequentando nossa biblioteca, estudando sobre nossa cultura, suas ruas, seus homens e coisas. Encerro este artigo com estes versos de minha autoria: “Ah, Itacoatiara, minha terra/, ainda que teu progresso/seja um sucessivo retrocesso/, hei de sofrer sempre por ti/um absurdo nunca sofrido/E será assim, amargamente/, que te amarei até a morte/, ou até mesmo eternamente”.

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4 respostas

  1. A Academia Itacoatiarense de Letras fará em 17 e Maio oito anos. Sou muito feliz por tantas conquistas que fizemos, mas ainda tem muito trabalho. Precisamos de mãos que nos ajude a “tecer” esta linda História. Em Maio estaremos passando a presidência para outro colegas. Nossa academia é a única do interior do Estado do Amazonas.

  2. Graças ao seu pioneirismo e também da saudosa professora Aurcelia Fernandes que hoje temos uma Academia no coração da Amazônia, cidade de Itacoatiara .Também é importante lembrar de Francisco Gomes e de Franck Chaves .
    Bem…hoje temos: Certidão de Nascimento. Temos uma conta bancária. Temos Alvará de licença. Temos água, luz e Internet. Temos muitos amigos que nos ajudam e com o apoio de todos trocamos os dois telhado do prédio. E neste momento estamos na parte da pintura. E quem quiser nos ajudar é so nos procurar na própria sede pela manhã. Ah! Temos uma programação efetiva e parcerias com Semed, Seduc, prefeitura e outros. Temos realizações como: 2 concurso de poesia e oratória Eliezer Farias. E temos parceria com o Ifam para preparar os jovens para as universidade. Feliz por está como presidente, a primeira mulher a ocupar a presidência da A.I. Letras. E podem nos visitar..

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