Manaus, 29 de março de 2024

A Verdade Histórica

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DISCURSO PROFERIDO PELO ACADÊMICO E PRESIDENTE FRANCISCO CALHEIROS POR OCASIÃO DA INAUGURAÇÃO DA SEDE PERMANENTE DA ACADEMIA ITACOATIARENSE DE LETRAS, NO DIA 15 DE NOVEMBRO DE 2013.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Saí de Itacoatiara em 1986 para cursar em Manaus a faculdade de Medicina. Deixei a casa de meus avós e pais de criação, Pedro e Maria, e passei a viver em Manaus aquilo que chamei de exílio: fui camelô, ajudante de pedreiro, dormi uma vez embaixo da Ponte do Bairro de São Jorge. Em Manaus acabei o antigo Segundo Grau,  hoje Ensino Médio, e vim muito pouco a Itacoatiara. Passei a frequentar o Bar do Armando, onde se reuniam os escritores do Clube da Madrugada. Aqui em Itacoatiara deixei, além da família, os meus grandes amigos, principalmente aqueles da Rua Aquilino Barros. Influenciado por Thiago de Mello, não fiz o vestibular para o curso de Medicina. Cursei a Faculdade de Letras pela Universidade Federal do Amazonas e ainda fui aprovado no vestibular para os cursos de Administração, Economia, Pedagogia e Filosofia. Conquistei Manaus – venci a pobreza – concluí recentemente a Faculdade de Direito  e vou seguir a carreira de advogado. Já fui convidado para ser professor em uma universidade do Chile. No entanto,  a minha grande paixão continuou sendo Itacoatiara. Voltei a esta cidade, reencontrei e ganhei novos amigos: David Braga, Francisco Rosquilde, Deuclides Fernandes, Frank Chaves e tantos outros.

Em 2009, depois de meses de reuniões, com um grupo de quinze pessoas, fundamos  a Academia Itacoatiarense de Letras – que nasceu com a intenção de ajudar o desenvolvimento cultural de nossa cidade. Tive a felicidade de ter sido escolhido, àquela altura, o seu primeiro presidente: aprovamos o Estatuto, o Regimento Interno e realizamos algumas ações isoladas como palestras e o que denominamos de Café Cultural. Tudo muito modesto, mas Já foi um bom começo.

O INÍCIO DA LUTA

Este prédio histórico de propriedade do governo do Estado, abandonado há mais de vinte anos, estava sendo solicitado pelo SENAC e não tínhamos a menor condição de concorrer com os empresários. Mas, mesmo assim, encaminhamos ofício para a Secretaria de Estado da Cultura, solicitando o restauro e a sessão de uso em regime de comodato. Em um encontro com o governador Omaz Aziz, aqui em Itacoatiara, em 2010, ele nos prometeu o prédio. O problema é que o senhor secretário de Estado da Cultura levou dois anos para ler o nosso ofício, a SEAD, por sua vez,  levou mais um ano para despachar o processo. Foi quando pedimos a ajuda do Deputado Cabo Maciel, que assumiu a nossa causa, foi para cima e exigiu uma solução para o caso. O processo 0057/013 estava arquivado na Casa Civil.

UM PEDIDO DE MÃE

Quando assumi a presidência da Academia, em julho de 2013, decidi que era preciso fazer alguma coisa. Em conversa com a minha mãe – Dona Maria de Nazaré – aqui presente, ela me falou de suas lembranças desse prédio, onde havia trabalhado e conquistado grandes amigos, entre os quais o saudoso Zé Barros. E foi a Dona Nazaré que me pediu para  reformar este patrimônio histórico de nossa cidade.

No início das obras tinha R$ 1.700,00 reais e resolvi pedir ajuda para os empresários da cidade. E foram 45 ofícios pedindo tinta, cimento, pincel, diária de pedreiro.  Aproximadamente uns dez  nos deram uma resposta. As doações foram modestas (sessenta reais, um saco de cimento, uma lata de tinta, algumas diárias de pedreiro). Mas somente para lembrar o ditado popular, o pouco com Deus é muito, e o muito sem Deus é nada. Fiz um empréstimo pessoal de R$ 5.000,00, depois mais R$ 2.000,00, depois mais R$ 3.000,00, e ainda comprei uns R$ 3.000 reais no cartão de crédito de minha esposa – Dra. Olívia Carvalho – para que as obras não parassem.

OS FIÉIS COMPANHEIROS

Quero agradecer publicamente o apoio da acadêmica Ester Araújo (esta mulher foi grande, ajudou, participou, deu dinheiro, enfim, foi fiel à causa), do acadêmico Frank Chaves (é impossível avaliar a participação de Frank Chaves e seria preciso um artigo inteiro para fazer justiça ao que ele fez) e do acadêmico Antônio Silva, que trabalhou semanas e semanas praticamente de graça, recebendo apenas o lanche e o almoço. E quero anunciar a publicação do livro do Antônio Silva – farei isso com o meu dinheiro – como reconhecimento e gratidão pelo seu esforço.

Da mesma forma o apoio dos acadêmicos Raimundo Silva (setecentos e cinquenta reais), de Heloísa Chaves( cento e noventa reais), Aime Câmara (trezentos reais) e Antônio Valdinei (cento e cinquenta  reais), Leonora Macedo (cem reais), Francisco Gomes da Silva (trezentos reais), que ajudaram na medida de suas possibilidades.

AOS CRÍTICOS

Por incrível que pareça, muitas pessoas limitaram-se  a denegrir o nosso ato de heroísmo e achando que tudo daria completamente errado. Mas somente para lembrar Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra. Isso tudo me serviu de aprendizagem e aqui estamos reunidos para celebrar o belo – falar de possibilidades em um mundo marcado pela violência e em uma sociedade que cada vez menos se entende. Escreveu Thiago de Mello: “Não, não tenho caminho novo. O que tenho de novo é o jeito de caminhar”.

UMA HEROÍNA

Quero, no entanto, de público, apresentar a vocês a pessoa mais importante na reforma do prédio: Auricélia Fernandes. Mesmo em uma cadeira de rodas, ela não mediu esforços: andou pelas empresas pedindo doações e esteve presente em todos os momentos. Professora e poetisa Auricélia Fernandes, não faço a menor questão de ser lembrado pela história, mas gostaria muito que a senhora não fosse esquecida. Muito obrigado por tudo  e peço-lhes desculpas pelos inúmeros telefonemas que lhe dei falando de tinta e  massa corrida.

A NOTÍCIA MALDITA

Era uma sexta-feira quando recebi um telefonema do meu amigo Frank Chaves me avisando de que o prédio seria cedido para o SENAC. Parecia que o mundo havia acabado. Eu, que há menos de uma semana tinha pedido um irmão atropelado, estava diante de uma outra perda.  Chorei na mesa do restaurante – a Olívia é testemunha – escrevi uma carta renunciando à presidência da Academia, prometendo a mim mesmo que nunca mais voltaria a Itacoatiara. O prédio já quase todo reformado e sorrindo para as pessoas que por aqui passavam. De alguma forma, as pessoas se identificam com o que estão vendo e quando se dá vida a uma esquina de rua. Vi a igrejinha de São Francisco pedindo ajuda aos céus. E o que fazer? Ester Araújo me falou de um Deus todo poderoso. Francisco Gomes da Silva me pediu que buscasse inspiração em Machado de Assis. Frank Chaves me pediu que morrêssemos lutando. Procuramos o deputado Cabo Maciel, o deputado Abdala Fraxe, o deputado Josué Neto, telefonei para o vereador Francisco Rosquilde. Éramos um time perdendo o jogo aos 45 minutos do segundo tempo.  Raimundo Silva entra em campo quando tudo parecia acabado. Viaja a Manaus, vai à Casa Civil, mandou desengavetar o processo e praticamente exigiu que o parecer fosse dado a nosso favor. O prefeito encaminhou ofício à Secretaria de Cultura fazendo o mesmo pedido. Eu e Frank Chaves percorremos os gabinetes da Secretaria de Cultura, da Assembleia Legislativa do Estado, da sede do Governo, da Casa Civil. Era muita gente pedindo a mesma coisa. Pensamos em um abaixo assinado, manifestações e em invadir as redes sociais. Não por causa de um imóvel, mas para consolidar uma instituição tão necessária à nossa cultura e à nossa gente. O meu último ato seria uma greve de fome em frente à sede do governo no Bairro da Compensa. Parece que os nossos apelos chegaram aos ouvidos das autoridades. Até porque 2014 é um ano eleitoral. Não estavam apenas prejudicando a Academia Itacoatiarense de Letras, mas agredindo os ideias de toda uma sociedade. Passaram-se duas semanas.

A VOLTA POR CIMA

Recebi um telefonema me informando de que o governador do Estado queria falar comigo. Conversamos por quase dez minutos. Falei dos nossos projetos, da importância da instituição para Itacoatiara, da nossa biblioteca, chá cultural, concurso de poesia, concurso de contos, palestras; expressei-lhe nossa insatisfação e lamentei o descaso com que Itacoatiara sempre foi tratada. Disse-lhe ainda que a Secretaria de Estado da Cultura não aparecia em Itacoatiara há mais de vinte anos. “Professor, avise a todos que o prédio será cedido para a Academia Itacoatiarense de Letras. Já assinamos a autorização. E parabéns pelo trabalho”, foram das palavras do governador. Liguei para o Frank anunciando as boas novas.

A OMISSÃO DAS AUTORIDADES

Quero também esclarecer que não tivemos nenhuma ajuda da prefeitura de Itacoatiara para a reforma do prédio. Mas ainda é tempo. E não seria nenhum favor. É mais do que uma obrigação. Um jornal do município insinuou que o vereador Raimundo Silva tinha desviado verbas da Câmara Municipal de Itacoatiara presidente da Câmara Município para reformar o imóvel. Uma grande calúnia. Uma inverdade. Uma falta de respeito. Um jornalismo amaldiçoado. Já inclusive solicitei uma audiência ao prefeito e espero que a prefeitura possa dar sua parcela de colaboração. Não queremos muito. A disponibilidade de um servidor para fazer os trabalhos de secretaria já nos seria uma grande ajuda. Tudo o que fizemos nesta Academia seria em benefício da população e é mais do que justo que o poder público esteja presente.

OS R$ 14.150,00

Desde o início da reforma, em agosto, já gastei do meu dinheiro R$ 14.150,00, incluindo os três mil reais comprados no cartão de crédito da Doutora Olívia Carvalho, esposa e mãe do Thiago. Se não puder pagar, isso ficará pelo nosso amor. E não me arrependo. E não quero ressarcimento. E muito mais faria pela cidade que amo e onde pretendo ser enterrado. Sempre quis ajudar a minha terra natal e agora o faço em grande estilo. Sofro em  ver as nossas praças no mais completo silêncio, a Casa de Cultura prestes a desabar, os nossos prédios históricos abandonados.

O MODERNISMO EM ITACOATIARA

O Modernismo chegou ao Brasil em 1922 com a Semana de Arte Moderna; ao Amazonas em 1954 com a fundação do Clube da Madrugada e a Itacoatiara, hoje, dia 15 de novembro de 2013, com a inauguração simbólica deste prédio e a consolidação da Academia Itacoatiarense de Letras, a primeira do Brasil a funcionar como um centro cultural e a ser totalmente aberta para a sociedade.

MEU IRMÃO

Quero, ainda, prestar uma homenagem ao meu irmão Augusto Calheiros, que trabalhou na reforma por quase uma semana, mas que logo depois foi atropelado e morto por um delinqüente na esquina da Sete de Setembro com a Nossa Senhora do Rosário. A morte é a maior de todas as ausências.

COMPROMISSO

E encerro com os versos de minha autoria escritos há mais de vinte anos: “Ah, Itacoatiara, minha terra! Ainda que o teu progresso seja um sucessivo retrocesso, hei de sofrer sempre por ti um absurdo nunca sofrido. E será assim, amargamente, que te amarei até a morte, ou até mesmo, eternamente”. Muito obrigado!

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