Manaus, 28 de março de 2024

A retomada de uma cidade

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Fala se muito na retomada do centro histórico de Manaus e há planos de restauração em andamento. Mas a natureza e a ecologia da cidade, no que diz respeito ao espaço urbano que se expandiu para além do horizonte, exigem mais do que a abertura de avenidas e a racionalização do escoamento do trânsito. Os aspectos paisagísticos e arquitetônicos estão abandonados e entregues à rapina da especulação imobiliária. O que torna a cidade numa anarquia onde o mau gosto é o nível menos grave, e o mau gosto arquitetônico de Manaus é um caso único.

Manaus, como centro urbano, saiu de um acampamento militar português: um quisto da penetração colonial, sempre cercado. No Amazonas, os centros urbanos são como lazaretos, o ponto de confinamento para onde vão apodrecer os filhos da floresta.

Nas pequenas cidades do interior, o caboclo, atraído pelo fascínio do “progresso”, vem formar o cinturão de miséria e desemprego.

A capital, Manaus, viveu sempre no isolamento. Mas se esforçou para escapar ao destino de quisto, e se transformou rapidamente num blastoma urbano. Manaus cresce como esse sinal do enlouquecimento orgânico. Sua expansão urbana é um fenômeno estrangeiro, em surtos esporádicos que não oferecem continuidade. As elites e o povo são sempre surpreendidos. Assim foi no “ciclo da borracha”, assim está sendo até hoje. Exceto os desordenados aglomerados humanos frutos de invasões           incentivadas pelo populismo, a cidade é a mesma implantada em 1910. Uma infraestrutura que se preocupava com as comodidades    de uma elite minoritária e nunca preparou os caminhos por onde no futuro a sociedade capitalista iria enveredar. A cidade dos barões da borracha não foi construída para atender o proletariado industrial, nem o maciço êxodo do interior.

Ela queria se parecer com uma miniatura de Paris, onde os bairros proletários foram exilados para a periferia distante e o centro, com sua elegância, suas lojas e restaurantes, serviriam para um rarefeito trânsito de bondes e carros de tração animal. Um centro preparado para o passeio do ócio e do consumo. Esta cidade elitizada e de fino acabamento, resistiu heroicamente à depressão econômica e parecia ter sido feita para durar uma eternidade.

Certamente o tempo e o impacto da mudança retardaram as medidas, mas as soluções apresentadas permaneceram medíocres. A grande preocupação parece estar sempre voltada para atender a minoria dos proprietários de veículos. E assim, a paisagística transforma-se numa arquitetura de e estacionamentos.

A Manaus da borracha não possuía bairros, possuía pitorescos bulevares estreitamente vinculados ao centro e que serviam de morada meio rural da pequena burguesia. Era a Cachoeirinha com suas famosas vilas, Adrianópolis longínqua. A Manaus da Zona Franca continua sem bairros. Não se pode chamar de bairro os aglomerados de traçado medieval que forma a chamada periferia. Mesmo os conjuntos habitacionais e os condomínios fechados são verdadeiros exemplos de como não se deve praticar a urbanização, onde a especulação e a má fé dos construtores e incorporadores juntaram se à falácia da casa popular, formando uma monstruosa simbiose de desrespeito ao morador potencial e de completa falta de escrúpulo social. O que eufemisticamente se batizou por bairros são imundas favelas e guetos dos imigrantes oriundos dos bolsões de miséria das adjacências. Mas é a periferia que acolhe os trabalhadores das esteiras de montagem, os informais, o lumpesinato, o contingente de mão de obra mais deliciosamente barata a serviço dos empresários adventícios do Distrito Industrial. Para essa gente, basta o subemprego e os estropiados coletivos impontuais, lataria avariada, vidraças quebradas ou empoeiradas, crosta de barro no piso.

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