Manaus, 29 de março de 2024

A escassez na abundância da Amazônia

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A Amazônia é um cenário de contrastes e, entre eles destaco a diferença entre o solo pobre e a floresta luxuriante, entre o ser (realidade) e o dever ser (das normas jurídicas), entre os planos de valorização regional e a necessidade de valoração dos recursos naturais, entre o crescimento econômico e o desenvolvimento, entre o mito e o mato, entre a efígie e a esfinge entre os critérios morais e as escolhas políticas, entre a vida das gentes amazônicas e o Produto Interno Bruto que tem o preço de tudo sem ter o valor de nada.

Um dos contrastes mais repulsivos do ponto de vista humanístico é a diferença entre a abundância física de água e a escassez social, tanto no beiradão – quando a vazante aumenta muito a distância entre o domicílio da beira do rio – como na periferia das cidades onde a escassez quantitativa e qualitativa agride os direitos humanos e a legislação brasileira.

ESCASSEZ VERSUS LIBERDADE.

Escassez em economia significa insuficiência de bens para atender os desejos das pessoas, embora sempre  haja a alternativa de mudança de hábito, um viés impossível de ser utilizado no caso da água que é um bem insubstituível. Além de ser um direito natural, o acesso à água é um direito fundamental assegurado pela legislação brasileira, com a doutrina jurídica definindo que esse direito envolve quantidade, qualidade e acessibilidade.

Para a cultura popular assentada na experiência e não na escolaridade, o fenômeno da enchente e vazante é interpretado como força da natureza e/ou desígnio divino, restando apenas a resignação e a oração. Essa visão distorcida é alimentada pelos governantes que não têm coragem de dizer ao povo que as decorrências dos transtornos naturais podem e devem ser minimizados pelo poder público, pois envolvem uma subtração de liberdade uma condição que Amatya Sen definiu como meio para a realização das necessidades sociais, políticas e pessoais.

NA BEIRA DO RIO.

Nas áreas alagáveis dos rios amazônicos vivem milhares de pessoas que sofrem periodicamente com a escassez quantitativa e qualitativa de água. Como são populações dispersas e rarefeitas, jamais vão ser atendidas por empresas concessionárias, sejam elas públicas ou privadas.

NAS CIDADES

A mídia moderna mostrou aos caboclos lugares bonitos e coloridos que sugerem riqueza e alimentam sonhos por dias melhores incentivando a migração para a cidade grande onde seu grupo familiar se degrada passando para a condição de desruralizado. Sem habilidades para o emprego urbano, ele também não consegue restabelecer sua cultura ribeirinha porque a beira do rio foi transformada em orla privatizada para atender a classe dominante.

A única solução é invadir áreas da periferia, de preferência cortadas por algum córrego que garanta o suprimento de água que é o ingrediente essencial para a continuação da vida. Como os igarapés logo se tornam esgoto a céu aberto, os refugiados ambientais cavam poços rasos ou cacimbas que logo são contaminadas pela poluição do lençol freático. E a distância do local de origem não o isenta de enfrentar a escassez quantitativa e qualitativa que na cidade não é cíclica, mas perene.

Quiçá um dia algum governante valorize o sentimento humano e cuide desse problema sendo o primeiro passo a formatação de consistentes políticas públicas de médio e longo prazo que necessariamente devem incluir os elementos policy (objetivos), politics (métodos) e polity (instituições).

No curto prazo uma providência de custo modesto (infelizmente projetos baratos não interessam) é instalar, nas comunidades ribeirinhas, a roda d’água desenvolvida pelo Inpa, ou placas solares que forneceriam energia viabilizando a captação e o tratamento da água para uso domiciliar, minimizando epidemias, diminuindo a mortalidade infantil e melhorando a qualidade de vida.

Os excluídos sociais do Amazonas (da beira do rio e da periferia das cidades) convivem, hoje, com as mesmas dificuldades estruturais do período da borracha. Se alguém duvida, é só procurar nos livros de história como era a vida dos extrativistas do beiradão e como viviam os invasores de áreas periféricas da velha Manaus entre as quais aquela que desde o primeiro momento se chama Colônia Oliveira Machado.

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