Manaus, 29 de março de 2024

A beleza do Largo

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Andei olhando o Largo São Sebastião da varanda do Teatro Amazonas, correndo a vista bem lentamente, enquanto lembrava como o encontramos quando resolvemos reabilitá-lo para os amazonenses e para todo e qualquer cidadão do mundo que tenha a ventura de pousar em nossa terra.  E tudo foi feito sem esquecer quem o idealizou e implantou: David Canavarro, médico e político que também fez erigir a coluna comemorativa da abertura dos portos que deu lugar ao belo monumento em bronze e mármore ali existente.

Interessante rever que não vieram a minha mente somente os meses de muito trabalho para planejar, vencer a burocracia,  convencer uns e outros pouco interessados nessas coisas, executar a reabilitação, e, mais ainda, o esforço permanente para mantê-lo sem os vícios urbanos que maculam outros lugares bonitos de Manaus. Voltaram à memória algumas pesquisas que andei fazendo sobre a história da cidade, e as peraltices que fizemos por ali, em tempos idos.

Foi então que recuperei os registros de tempos distantes, e o fiz revolvendo meus cadernos de anotações e encontrei: a casa da Escola da professora Zulma de Azevedo Santolina; a sede provisória do Clube Republicano de onde saiu a afronta ao conde d’Eu quando de sua rápida passagem por Manaus em 1889; a casa dos Mattos Areosa; a casa azulejada de Aristóteles Alencar que, de janelas abertas, dava aulas particulares de matemática; o primeiro comício político realizado só por mulheres, para defender a candidatura de Thaumaturgo de Azevedo ao governo; a casa que acolhia o célebre Álvaro Maia; os desfiles escolares na Semana da Pátria; os folguedos carnavalescos; a passagem da procissão de Nosso Senhor dos Passos, tradicional evento de fé católica; as homenagens ali tributadas a Adriano Jorge; as comemorações do dia da Independência do Brasil; os comícios políticos para Gilberto Mestrinho, em um dos quais, levado por meu querido pai Lourenço Braga, tomei a palavra, ainda de calças curtas, para pedir a reabertura do Teatro Amazonas e a permissão para que ali fosse realizado o programa do Vovô Branco.

Muitas vezes vi a praça em pedrinhas ser atravessada pela elegância de dona Edail Antony, se dirigindo à missa na igreja de São Sebastião, ou pelo elegante Genesino Braga em seu passo firme e ritmado, pelo frei Fulgêncio, ainda jovem e recém-chegado da Itália ou por frei Sílvio, o responsável pela animação com as crianças e jovens, pelo Mário Abecassis, em seu caminhar quase dançante, pelo elegante e sereno “cabeleira”, o mestre Álvaro, e ainda por Jorge Baird, Carlos Alberto Bandeira de Araújo e Francisco Monteiro. A mesma que também era território da dona Gisela, a senhora do bom tacacá e de conversa dócil e inteligente.

Foi por ali que fizemos muitas e boas, com nossa santa inocência, juntamente com os irmãos Loureiro, o Gracio, o Ernani, o Pimenta, o Porfírio. Algumas delas de improviso e outras bem planejadas, de modo que tudo corresse sem causar prejuízo a quem quer que fosse. Eram brincadeiras de quase menino e meio-rapaz, levadas com animação a qualquer dia e hora, fosse quebrar vidro na linha do bonde para fazer cerol, empinar papagaio de papel, sentar na bacia do monumento contando piadas as mais impróprias à espera da jovem namorada, ou ainda amarrar linha no sino da igreja e badalar sem cessar, e muitas outras que o tempo levou e passaram diante de mim, outra vez, como um filme bem composto, cena a cena, naquele fim de tarde na varanda do Teatro.

Quando retomamos o Largo em 2002, preparando a reabilitação, nem eu mesmo acreditava que fosse possível, porque ali havia tudo de indesejável para um centro histórico tradicional como o nosso, e bem diante do nosso símbolo maior. Mas deu certo, e a beleza do Largo São Sebastião resplandece mundo afora como recanto que identifica Manaus.

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